segunda-feira, 3 de maio de 2010

Os desolados

Jorge Adelar Finatto




As manhãs fogem do escuro. A solidão é um negro capuz que se veste nos retirados da dor.

Tive medo de ver os escombros. Os difíceis haveres do abandono. Havia uma mulher chorando. Quem? Não divulguei.

O coração humano gira em tristes remoinhos. O traçado torto da vida. Quem puder se segure, senão cai no perau. Eu, quando escuto gente chorando, sinto breu andando à volta.

Coisas que vi. Meu coração barroco.

Aquele choro me doeu. Mas eu fui. Foi quando meus olhos a divulgaram. A mulher era uma visão sob a pérgula. Eu não sabia o que era beleza até aquele dia. Estava sentada num banco de pedra cercado de camélias vermelhas, ao lado da fonte. Havia uma escada com seis degraus que terminava no ar. Ligava lugar nenhum a parte alguma.

A casa desmoronada no íntimo da pessoa.

A mulher, sua tristeza na alma, aquela ruína. Me aproximei no cuidadoso jeito. Era uma tarde de junho como essa. E fria, fria. A mulher - a visão - fez sinal para eu parar e esperar. O que fiz nos respeitos. Ela se levantou, arrumou o vestido, olhou o céu. Entre as duas mãos largou a face molhada, os cabelos de linho, depois seguiu sozinha. Eu fui ao mundo.

Eu vivia num lugar perdido, arrostando sol e vento, sem eira nem beira. Os loucos dias no sanatório do mundo. Os ermos.

Caminhos que se andam.

Um dia de fina luz de primavera ela apareceu, veio em minha direção, pegou no braço meu esquerdo. Caminhou, caminhamos. Em silêncio. Palavras que se dizem sem falar.

A brilhante estrela caiu no meu caminho.

O punhal que me rasgava por dentro, vermelho, foi saindo, saiu.

Nos acolhemos, reunimos as raras pertenças.

Me tornei sentimento. Sentimentos.
________

Foto: J. Finatto. Jardim Botânico, Rio de Janeiro.

2 comentários:

  1. Adelar nesta prosa poética fazes referência ao jeito meio barroco-nativo de um Guimarães Rosa ou quem sabe de um Manoel de Barros.
    Um enredo fantástico, quase mediúnico, de um encontro entre pessoas.
    Gostei destas tuas novas facetas, esta heteronomia sem mudar de nome...

    Abraço.

    Ricardo Mainieri

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  2. Ricardo,
    as diferentes maneiras de escrever buscam, no fundo, desvelar as diferentes e infinitas maneiras de sentir. Esses mundões nem sempre - ou quase nunca - são visíveis. A linguagem escrita é precária. Andar um pouco nesse lago escuro dos sentimentos, com a palavra, não é fácil, como sabemos. Na verdade, a palavra escrita apenas tateia nesse mundo desconhecido. Guimarães Rosa e Manoel de Barros fazem muito bem esse percurso. É trabalho de louco, coisa mesmo difícil.

    Abraço.

    JF

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