sábado, 5 de junho de 2010

Maestro Antonio Brasileiro, entre o Guaíba e Ipanema

Jorge Adelar Finatto


O coração do homem que nunca mais voltará resiste em silêncio. O navio avança nas águas do Guaíba em direção à Lagoa dos Patos. Jorge Jobim perde de vista o contorno de Porto Alegre. A figura melancólica recorta-se na memória da tarde de inverno. O grande mar de água doce remete Porto Alegre ao Atlântico. O Rio de Janeiro é o destino.

O tempo voa longe. No dia do futuro, alguém abre a gaveta. A claridade ilumina velhos papéis do homem que partiu. Eis ali o poeta e sua palavra.

O menino Antonio Carlos teve que reinventar o pai que perdeu aos oito anos. Acariciou suas mãos ausentes ao piano, nas antigas manhãs da casa de Ipanema.

O piano cantou a canção paterna: a nostalgia do sul, a saudade da família, dos amigos, o amor que se perdeu. Era preciso calar o esquecimento.

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Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim nasceu em 25 de janeiro de 1927 no Rio de Janeiro, filho de Nilza Brasileiro de Almeida Jobim, carioca, professora, e de Jorge de Oliveira Jobim, gaúcho de São Gabriel, poeta, bacharel em Direito que teve passagem pela carreira diplomática. Morreu em 8 de dezembro de 1994, nos Estados Unidos, para onde viajara a fim de se operar.

O pequeno Tom veio com os pais a Porto Alegre, onde Nilza e Jorge haviam se casado, para conhecer a família Jobim. Por pouco não ficaram morando nas margens do Guaíba. Porém, falou mais alto o desejo de Nilza de morar no Rio, onde estavam seus familiares. No meio materno foi criado o menino Tom-Tom, apelido dado pela única irmã, Helena Jobim.

A grande perda: Jorge morre aos 47 anos incompletos, deixando os dois filhos em tenra idade.

O guri criou-se entre as montanhas e o mar do Rio de Janeiro. Os longos passeios pela mata e pela praia, as pescarias, o contato com bichos e plantas fizeram nascer o interesse pelas coisas da natureza. Tornou-se não apenas seu profundo conhecedor como defensor.

Entre os professores que teve, está o alemão naturalizado brasileiro Hans-Joachim Koellreutter, que lhe ensinou a transposição das fronteiras que separam a música erudita da popular. Alguns mestres que o inspiraram: Debussy, Bach, Stravinsky, Villa-Lobos.

Amoroso das palavras, Tom Jobim foi um leitor dedicado e atento. Cultivou, entre tantos, João Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade. Nas letras e textos que escreveu, percebe-se o artesão meticuloso do verbo.

A obra de Tom Jobim constrói-se na esfera da genialidade. Soube como poucos aliar talento a muito trabalho. As composições que nos legou transcendem as ensolaradas cercanias de Ipanema: são patrimônio espiritual da humanidade. Águas de março, Garota de Ipanema, Lígia, Dindi, Samba de uma nota só, Chovendo na roseira, Samba do avião são apenas algumas das inesquecíveis canções que integram a produção do compositor.

Um dos criadores da Bossa Nova, o maestro foi também um dos principais nomes da música mundial no século XX.

A descoberta da obra jobiniana nos leva a um mundo de delicadezas e felicidade.

Amanhã, se tudo der certo, encontraremos o amor. Se a abóbada não ceder sobre nossas cabeças, se a Mata Atlântica - que o maestro tanto amou - não virar jardim calcinado, teremos quem sabe tempo para olhar a paisagem e sentir a vida.

Ouviremos, talvez, o canto do sabiá em setembro.

A música de Antonio Brasileiro nos transporta a esse mundo futuro e antecipa-nos a maravilha.

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Foto: capa do disco Urubu, 1975. Fonte: Acervo do Instituto Antonio Carlos Jobim: http://www.jobim.org

6 comentários:

  1. Jorge,

    Gostei muito do texto.

    Como tantos, gosto imensamente das músicas e letras do Tom Jobim.

    Abs e bom domingo,
    Carol

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  2. Carol,

    muito obrigado pelo comentário.

    Um abraço e ótima semana pra ti.

    Jorge

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  3. Tom Jobim, a seu modo, expandiu a proposta de Villa-Lobos ao romper as fronteiras entre o erudito e o popular.
    Poeta de letras delicadas e músicas cheias de nuances sutis, realmente, foi um marco na MPB.
    Admirado pelos músicos de jazz, cultuado pela primeira linha da MPB, infelizmente não tem, ainda, um reconhecimento público a altura de sua obra.
    Para falar num Jobim preferido indico as gravações de Sarah Vaughan, no cd Simplesmente Brasil. Dindi, Bonita e Chovendo na roseira estão impecáveis.

    Abraço.

    Ricardo Mainieri

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  4. Uma vez vi o Tom Jobim na churrascaria Plataforma no Rio (morei lá uns dez anos) Estava eu e meu marido almoçando (por volta das quatro da tarde, coisa de carioca) quando entra o Tom, fumando, falando alto, joga seu chapéu na mesa, em cima dos pratos e chama o garçom pelo nome. Sujeito tipo mal educado. A situação nos causou um estranhamento. A figura real com a figura idealizada não casava (acho que é sempre assim). Ao mesmo tempo uma sensação de privilégio, poder ver o Tom, tão à vontade, tão em casa,...
    abçs
    Márcia

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  5. Tom, eterno. Muito delicada tua reconstrucao da ausencia do pai dele, Adelar...Bonito! abs! Graca

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  6. Querida Graça,

    obrigado por arrumar um tempinho para a leitura e pelo comentário.

    Um abraço.

    JAF

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