sexta-feira, 9 de julho de 2010

A invasão dos balões misteriosos

Jorge Adelar Finatto
 
 

 
Um balão vermelho singrou os ares de Passo dos Ausentes em junho de 2010. O fato provocou um alegre alvoroço na cidade. Não estamos acostumados com coisas voando por cima das nossas cabeças. Abordei o assunto no texto do dia 25 de junho daquele ano.

Porém, o que antes foi motivo de emoção e espanto, agora é razão de preocupação.

Outros balões, de cores variadas, cruzam nos últimos tempos nosso espaço aéreo, vindos sabe Deus de onde. Demoram-se em voos circulares, sem a menor cerimônia, e depois desaparecem atrás do Contraforte dos Capuchinhos.
 
A aparição misteriosa dos aerostatos começa a causar apreensão, principalmente entre os voláteis, que transitam livremente pelas ruas, habitam as copas de árvores, sótãos, armários e telhados. Eles vivem aqui há trezentos anos sem ser incomodados.  Se descobertos por olhos indiscretos, seus dias entre nós estarão contados.

Palomar Boavista, astrônomo-mor, e Claudionor, o Anacoreta, foram convocados para explicar as possíveis razões das incômodas visitas, em reunião extraordinária da Sociedade Histórica, Geográfica, Filosófica, Literária, Geológica, Astronômica, Teatral e Antropofágica de Passo dos Ausentes, que tem na presidência Don Sigofredo de Alcantis, o filósofo guardião da nossa memória.

Somos uma cidade invisível a 1800 metros de altitude.  Condições atmosféricas intratáveis nos isolam do resto do mundo, desde que por aqui chegaram nossos antepassados, um grupo de índios guaranis e jesuítas que conseguiu fugir e sobreviver à destruição dos Sete Povos das Missões, levada a cabo por espanhóis e portugueses no século XVIII. Aquelas pessoas fundaram Passo dos Ausentes em 1759.

Lugar íngreme, difícil de sair e mais ainda de chegar, está situado no topo de imemoriais montanhas de rude basalto na Serra da Ausência.

O açoite implacável dos ventos nos fustiga o ano inteiro.

Vivemos nos Campos de Cima do Esquecimento. Não estamos no mapa do Rio Grande do Sul. Não existimos oficialmente. Tramita um processo desde o ano de 1805 junto aos órgãos da administração do Estado, no qual pedimos  o reconhecimento da nossa comunidade, com sua história e cultura, e  a inclusão nos mapas.

As respostas sempre foram evasivas. Dizem que não há provas concretas da existência desse lugar e, menos ainda, de que aqui vivem pessoas. Não fosse patético, seria cômico.

Nos tomam por seres imaginários. As duas expedições que vieram nos procurar, em 1936 e 1989, a mando do governo, perderam-se no caminho, desistiram e foram embora. O lugar é quase inacessível devido à acidentada topografia que envolve os paredões. Além das névoas eternas, as chuvas recorrentes e o frio intenso nos separam do mundo.


Claudionor e Palomar, após longa reunião, expuseram à assistência as duas prováveis explicações para os dirigíveis. Com voz grave e pausada, Palomar disse que a primeira hipótese é de que estamos sendo visitados por seres de outro planeta, que consideram Passo dos Ausentes a melhor porta de entrada na Terra, sem chamar atenção.

- A segunda, menos plausível, é que se trata de observadores aéreos do governo para nos localizar. Diante do fracasso das expedições terrestres no século passado, estariam enviando nova equipe para investigar.

Don Sigofredo de Alcantis pediu a palavra. Para ele, a primeira hipótese seria a menos perigosa.

- Se forem seres de outra esfera cósmica, não haverá  dificuldade, porque alguns esquisitos a mais por aqui não vão fazer diferença. Estamos habituados a toda sorte de estranhamento. Mas se for gente do governo querendo nos espionar, aí tudo de ruim pode acontecer. No dia em que o asfalto e a política chegarem a Passo dos Ausentes, será o nosso fim. A invisibilidade ainda é o melhor para nós.


O silêncio que se seguiu fez com que se ouvisse o forte rumor do vento nas folhas das altas palmeiras da Praça da Ausência.  Para espantar o frio e arrepios interiores, Mocita de la Vega serviu aos presentes seu licor de leite com noz-moscada. 

Não nos veem e não nos sentem. Juan Niebla, o músico cego que toca bandoneom na estação de trem abandonada da cidade, executou Adios Nonino, de Astor Piazzolla. Com tanto sentimento que até mesmo Claudionor, o Anacoreta, não pôde evitar o brilho de uma lágrima.

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Texto publicado em 9 de julho, 2010.
Fotos: J. Finatto

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