sábado, 2 de outubro de 2010

Cacaso

Jorge Adelar Finatto


Foi o poeta e compositor Cacaso a pessoa que melhor traduziu, até hoje, o sentido do que escrevo. Devo a ele a leitura mais luminosa e mais profunda. O texto foi publicado no jornal Leia Livros, na coluna Vinte pras duas, em 1982. Era sobre meu livrinho de poemas Viveiro, lançado em São Paulo, em 1981, pelo Grupo Sanguinovo.

Fiquei surpreso e feliz com o que ele escreveu, e havia bons motivos. Cacaso é um poeta raro, dos melhores que tivemos na segunda metade do século XX*. Escreveu poemas e letras de música como poucos. Fez parcerias com Tom Jobim, Edu Lobo, Sueli Costa, Djavan, Francis Hime, João Donato, Macalé, entre tantos. Foi professor na Faculdade de Letras da PUC do Rio de Janeiro. Tinha uma leitura muito lúcida sobre o Brasil e nossa cultura. Era um intelectual refinado e, ao mesmo tempo, uma pessoa simples e generosa. Conhecia as ruas das grandes cidades e conhecia o interior brasileiro. Conhecia e amava o nosso povo.

Em 1985, tive o único encontro com ele, visitando-o em seu apartamento na Avenida Atlântica, no Rio. Recordo a ampla sala com piano de onde se via o mar de Copacabana. E uma outra sala, local de trabalho, que tinha um armário repleto de fitas com músicas gravadas. No trato pessoal, revelou-se muito atencioso, disposto a falar e ouvir.

Cacaso (Antônio Carlos Ferreira de Brito, 1944 - 1987), esse homem, esse poeta, esse pensador, foi um pecado morrer tão moço, com tanto ainda para nos ensinar, nos ajudar a entender e nos escutar.


A poesia do Jorge Adelar Finatto é breve, sem muitos volteios, incapaz de autocomplacência e dotada de uma região de silêncio que lhe comunica transcendência. O poeta vê o cotidiano como um absurdo rotineiro, um lugar onde o escândalo já não escandaliza e onde certa dose de perversidade e dureza torna-se um antídoto necessário à sobrevivência. 

Cacaso

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Foto: Cacaso. Divulgação. Revista Bravo online, março de 2009. Ilustra excelente texto de Geraldo Carneiro sobre o poeta. bravonline.abril.com.br

* A antologia lero-lero, da editora Cosac & Naify, lançada em 2002, é uma bela mostra do trabalho de Cacaso.

5 comentários:

  1. Muita obrigada, Jorge pelo cuidadoso retrato do Cacaso feito aqui no seu espaço. Abraços, Rosa Emilia Dias

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  2. Cara Rosa Emilia,

    muito obrigado pelo comentário.
    Conheci a tua página na internet, muito bonita, cumprimentos pelo trabalho.
    Vou procurar em seguida o teu cd Álbum de Retratos com poemas e letras de Cacaso.

    Um grande abraço.

    Jorge

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  3. Cacaso o poeta do Mar de Mineiro. O genial letrista da MPB.
    Também, partilho desta admiração, Adelar.
    Lá no blog, há tempos atrás, transcrevi sua letra para Dentro de Mim mora um Anjo, da Sueli Costa.
    Lindíssima.
    Deixo ela, de lembrança:

    Quem me vê assim cantando
    Não sabe nada de mim
    Dentro de mim mora um anjo
    Que tem a boca pintada
    Que tem as unhas pintadas
    Que tem as asas pintadas
    Que passa horas à fio
    No espelho do toucador

    Dentro de mim mora um anjo
    Que me sufoca de amor
    Dentro de mim mora um anjo
    Montado sobre um cavalo
    Que ele sangra de espora
    Ele é meu lado de dentro
    Eu sou seu lado de fora

    Quem me vê assim cantando
    Não sabe nada de mim
    Dentro de mim mora um anjo
    Que arrasta suas medalhas
    E que batuca pandeiro
    Que me prendeu em seus laços
    Mas que é meu prisioneiro

    Acho que é colombina
    Acho que é bailarina
    Acho que é brasileiro
    Quem me vê assim cantando
    Não sabe nada de mim

    Cacaso

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  4. AHH, ESSA MÚSICA SÓ REFORÇA O PENSAMENTO DE CACASO; "POETAR É PRECISO"...
    * Adoro essa música tb Mai!

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