quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Em alguma parte alguma, novo livro de Ferreira Gullar

Jorge Adelar Finatto


Que a sorte me livre do mercado
e que me deixe
continuar fazendo (sem o saber)
                 fora de esquema
                 meu poema
inesperado*

Vinicius de Moraes afirmou certa vez, com o crédito que lhe confere a  notável obra poética que nos legou, que "Gullar é o último grande poeta brasileiro". A assertiva carrega algum exagero natural resultante da  admiração do observador diante de uma rara descoberta. Como aquele colecionador de borboletas que, num belo dia, encontra, no bosque, o exemplar único, de transcendente beleza, até então escondido.

Se Vinicius disse último querendo referir-se ao mais recente (naquele momento), aí fica o dito por não dito.

Ferreira Gullar não será, provavelmente, o último grande poeta brasileiro. Esperamos que outros de igual valor venham a  iluminar a nossa literatura. Mas é, com o mérito que o talento,  o esforço e o tempo lhe atribuem, sem nenhum exagero, um dos grandes autores de poemas de todos os tempos.

Não apenas pela obra poética em sentido estrito. Há rigor de pensamento, sensibilidade e engenho na obra em prosa do escritor, a desafiar limites entre poesia e texto discursivo.

Estou lendo o seu recém-lançado Em alguma parte alguma. Nos últimos anos, toda vez que compro um livro de poesia o faço com o coração cheio de angústia, porque está cada vez mais difícil encontrar poesia nos livros de poesia. É impressionante como a poesia fugiu dos livros de poemas.

Há muito tempo não lia um livro novo com essa emoção. Está ali a poesia a salvo e renovada, vivente em poemas longamente aguardados e trabalhados. Gullar publica Em alguma parte alguma onze anos após o lançamento do livro anterior, Muitas vozes. Não perdemos por esperar, fez bem o poeta em seu prolongado retiro. Nos entrega textos finamente elaborados, que revelam intensa capacidade inventiva, onde a criação se manifesta em belos, seguros, altos e inovadores voos de formas e sentidos.

Faz bem o poeta em não nos privar de sua grande poesia, que é pura partilha de algo que agora nos pertence. Eu, que considerava o Poema Sujo o ponto mais elevado da obra de Ferreira Gullar, não tenho mais essa certeza.  Acredito que estamos diante de uma outra obra-prima do poeta. Perdi a conta dos versos que sublinhei. Felizes somos nós que podemos lê-lo em português, porque, não tenhamos dúvida, não se trata apenas de um livro brasileiro, mas um acontecimento universal. O poema Rainer Maria Rilke e a morte vale por uma estante inteira de poesia, e este é apenas um entre tantos.

Sobre este novo Gullar (80 anos completados em 10 de setembro passado), os entendidos ainda dirão muitas coisas. Diante do que li, tenho isto a dizer: assombro.

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*Primeiros versos do poema Off Price, do livro Em alguma parte alguma, Ferreira Gullar, Editora José Olympio, Rio de Janeiro, 2010.
Foto da capa do livro: site da Livraria Cultura: www.livrariacultura.com.br

Mais sobre Ferreira Gullar no post de 10/set/2010.

Um comentário:

  1. Ferreira Gullar, o homem que animou com sua poesia, a noite escura de anos de minha mocidade.
    Depois, abriu-se ao grande público na voz de Raimundo Fágner, com sua inesquecível interpretação de Traduzir-se e de Milton Nascimento em Bela, bela(excerto do Poema Sujo)
    Vamos buscar este livro, Adelar, é deleitar com a poesia que verte deste senhor, carioca por adoção, mas do Interior do Brasil, sem dúvida.

    Abraço.

    Ricardo Mainieri

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