sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A sinistra sinfonia

Lorenzo Schissi Finatto


A atual onda de violência que tomou conta da cidade do Rio de Janeiro assusta. Até o momento, em 5 dias de conflito, aproximadamente 40 mortes já foram contabilizadas pelos órgãos oficiais, mas essa conta ainda deve crescer, e é imensa se considerarmos apenas os anos próximos que a precedem.

Pra quem mora na cidade, a sensação é de guerra declarada. Uma espécie de Bagdá brasileira que aguarda pelas próximas bombas, os próximos veículos destruídos, os próximos territórios ocupados. Se aqui não há o fanático extremismo religioso, sobram extremos de outras ordens. Qual a razão de tanta brutalidade?

É certo que as verdadeiras razões da barbárie merecem estudo minucioso para que se chegue o mais próximo possível das raízes do problema. Todavia, motivos como a má distribuição da renda, a falta de oportunidades aos jovens – especialmente aqueles das comunidades mais carentes –, o alto lucro de tão poucos (instituições financeiras, por exemplo), em detrimento de tantos, apesar de repetidos à exaustão, certamente explicam em parte o triste quadro da realidade brasileira.

Diante de tudo isso, o fascínio da promessa de ascensão social “fácil” feita pelo tráfico de drogas atrai a muitos. Não sou dos que creem que a pobreza e a falta de oportunidades justificam a criminalidade, a conta não é tão simples de ser feita. Fosse assim, o número de criminosos em nosso país saltaria insuportavelmente. A verdade é que a imensa maioria da população humilde é de gente honesta e trabalhadora. Por outro lado, a corrupção geralmente ocorre entre as camadas mais altas e instruídas da população. Difícil exigir dos jovens marginalizados e fragilizados pela própria inoperância do Estado e pela indiferença de parte da sociedade uma atitude moral que não existe em alguns dos componentes de destaque da estrutura dos poderes da República, conforme a imprensa cotidianamente noticia.

Ao assistirmos a tudo pelos meios de comunicação (as câmeras de televisão, em especial, fazem o máximo para mostrar os detalhes do “conflito”), percebemos o quanto o momento é assustador. Por outro lado, talvez seja a hora de debater seriamente as raízes do problema da drogadição em nossa sociedade. Se existe o tráfico, é porque existe um mercado consumidor, principalmente entre as classes média e alta da população. E por que a vida dessa gente se tornou tão insuportável a ponto de necessitarem profundamente da droga para vivenciarem momentos de esquecimento e fuga?

Causa estranheza a pressa com que as autoridades vêm a público para garantir (não se sabe com base em que mágicos poderes) que a realização das olimpíadas e da copa do mundo não está ameaçada. Não seria melhor utilizar os incontáveis bilhões desses eventos (relevantes, sem dúvida, mas não nesse momento) na construção de hospitais, creches, centros comunitários e culturais, escolas, postos de saúde, urbanização de comunidades carentes, presídios etc.? As autoridades se apressam em confirmar os dois megaeventos esportivos. Enquanto isso, nosso Titanic afunda, após chocar-se contra o gigantesco iceberg da violência e do abandono. Mas a orquestra, inútil, não para de tocar a triste e sinistra sinfonia.

O Rio de Janeiro e o Brasil merecem mais do que isso.
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Lorenzo Schissi Finatto é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais no Rio Grande do Sul.
Foto: favela no Rio de Janeiro. Autoria: AP. Fonte: noticias.terra.com.br

6 comentários:

  1. Creio que este rapaz é teu filho. Estarei enganado?
    Vejo que ele herdou a mesma fibra questionadora e de inquietude social do pai.
    Também, apresenta uma desenvoltura notável com as idéias e as palavras.
    Gostei, demais, da metáfora do Titanic ao final.
    Vou apresentar este texto aos meus amigos da literatura e do twitter.
    Valeu!

    Abs.

    Ricardo Mainieri

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  2. Ricardo,

    o cara é meu filho e eu, apesar de pai, achei o texto uma beleza.

    Muitíssimo obrigado, amigo, pelas palavras elogiosas! Vindas de um poeta como tu, são muito importantes e um estímulo.

    Abraço.

    JF

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  3. Texto lúcido,maduro, de alguém que reflete e pensa em soluções. Não cruza os braços!
    Fui apresentada a ele por Mainieri (twitter) e postei no fractaisdemim.blogspot.com

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  4. Jussara,

    fico feliz em receber a tua visita. Essas palavras atenciosas e generosas fazem bem pra alma e nos jogam pra cima.

    Vou conhecer o teu blog.

    Um abraço.

    JF

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  5. Óptimo texto.
    Tenho acompanhado as notícias e é bem verdade que "O Rio de Janeiro e o Brasil merecem mais do que isso."

    Abraço,
    Cleópatra M.P.

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  6. Cara Cleópatra M.P.,

    é uma grande alegria a tua presença. Tenho uma estima muito especial por essa outra pátria, tão minha e nossa, que é Portugal.

    Ando com saudade de ouvir fado na querida Coimbra.

    Um grande abraço. Fica por perto.

    JF

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