sábado, 24 de abril de 2010

Enrolado na manta com um livro na mão

Jorge Adelar Finatto


Há uma espécie de exílio no íntimo das coisas. Um voltar-se para os recônditos aposentos da alma. O vento iniciou seus giros nos caminhos e telhados. Agora o outono chegou. Os últimos dias aqui em Passo dos Ausentes foram de chuva e neblina. Habitamos os Campos de Cima do Esquecimento. A memória é nosso continente. Agora é o tempo do recolhimento. Folhas caindo. A estação das viagens interiores. Fico olhando o mundo lá fora, os plátanos, os pinheiros, as nuvens entre as montanhas. As ruas quase desertas.  A natureza passa por uma busca de harmonia nas entranhas. Há uma força interna em curso. Coisas importantes estão fora de lugar, dentro de nós e no ambiente. As fontes ressequidas. Na entrada da estação de trem abandonada, a alta luminária com luz amarela anuncia que tudo nessa vida é passagem. Homens e mulheres chegam e partem do planeta todos os dias. A viagem imemorial e solitária.  Enquanto as coisas assim se passam, eu me afundo no sofá enrolado na manta com um livro na mão, o Doutor Pasavento, de Enrique Vila-Matas, o escritor espanhol que nos faz gostar de caminhar pela alameda ensolarada do texto. A leitura é seiva em movimento.

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Foto: J. Finatto