terça-feira, 30 de novembro de 2010

Neblinense

Farandolino Brouillon

 
Quando hoje a neblina cercou a casa, tudo ficou  branco e deserto como um labirinto no gelo. Os seres e as coisas desapareceram. Silenciosamente fui até a janela. As silhuetas, de modo intermitente, surgiam e submergiam na névoa. Lembrei de quanta gente fugiu do retrato. Nem faz tanto tempo. Não sei mais direito que lugar é esse. Até há pouco estavam aqui, falando, gesticulando, rindo, sofrendo, contando histórias, reclamando, dando a mão. Certas ruas e esquinas moram dentro de mim, certas portas, soltas no espaço, me acenam, certas praças estão abandonadas.  Eu viajo no trem noturno que atravessa  os Campos de Cima do Esquecimento nesse absurdo itinerário. As cartas não escritas estão na mão do carteiro que se extraviou na bruma. Hoje, quando a neblina chegou de repente, envolvendo a casa, perdi meu rosto. Fiquei cego. Havia uma paisagem invisível lá fora e outra em mim. Fui andar no jardim à procura de quem sou. Muitos partiram. Estão todos cobertos, profundamente, em negras nuvens de seda.  Sou habitante de um continente de fantasmas.

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Foto: J. Finatto