sábado, 21 de maio de 2011

Lars von Trier e a desumanização da palavra

Jorge Adelar Finatto

Não terá sido esta, provavelmente, a última vez que alguém declara simpatias por Hitler e pelo nazismo. O cineasta dinamarquês Lars von Trier foi mais um, ao declarar, no Festival de Cinema de Cannes, compreender Adolf Hitler e ser nazista. Disse que gostava de judeus, mas nem tanto, porque Israel é um pé no saco. Declarou-se, também, admirador da arte e do talento de Albert Speer, arquiteto oficial do Terceiro Reich.

As declarações foram feitas durante entrevista coletiva de apresentação de seu filme Melancholia, na quarta-feira passada. Diante da péssima repercussão, desculpou-se depois, afirmando arrepender-se do que disse, que tudo não passou de uma brincadeira estúpida. Acrescentou que não era nazista.

Os responsáveis pela organização do festival expulsaram von Trier do evento por suas afirmações. Admitiram, contudo, que seu filme continuasse concorrendo. Além disso, declararam-no persona non grata. Caso seu filme venha a ser premiado, ele não poderá estar presente na cerimônia, conforme amplamente divulgado na imprensa. Pelo que entendi, ironizou o cineasta, a decisão significa que eu estou proibido de chegar a cem metros do Palais. Mas acho que posso tomar um sorvete ali perto e olhar à distância.

O que impressiona, além das declarações absurdas, é essa maneira frívola como von Trier trata o episódio, mesmo após a repercussão negativa e do seu pedido de desculpas. Dificilmente alguém brinca quando se trata de Hitler e da 2ª Guerra Mundial. Estamos falando de um dos maiores, mais cruéis e terríveis massacres da história do homem, sendo desnecessário estender-se sobre suas funestas e indeléveis consequências.

Impressionante ver que um homem de 55 anos, diretor premiado de cinema, que trabalha com cultura de massa, não tenha o alcance do que diz (não terá mesmo?), numa coletiva daquele que é um dos mais tradicionais festivais de cinema do mundo. É triste vê-lo ocupar um espaço de tamanha importância e visibilidade para dizer coisas como essas, que ofendem não apenas os judeus como são uma afronta a toda a humanidade. Se quem tem o poder da palavra, na arte, o utiliza desta forma, estamos muito mal.

Diante do seu pedido de desculpas, diminui a justa indignação das pessoas que não aceitam qualquer forma de condescendência com a intolerância, a crueldade e a violência. É muito complicado tudo isso, vindo de quem vem.

Se é verdade que a boca diz aquilo de que o coração está cheio, então a situação do cineasta é mais preocupante do que parece. Esperemos, todavia, que não, que tudo, realmente, não tenha passado de uma brincadeira estúpida.

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Declarações do diretor, em itálico, colhidas do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, edições de 19 e 20 de maio, 2011.

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