segunda-feira, 25 de julho de 2011

Kabuki dos passos perdidos

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto

 
O tempo que ele passou escondido, enclausurado no quarto escuro de si mesmo, encurvado no canto da parede, a cabeça nos joelhos, foi um tempo perdido.

Passos perdidos são pétalas secas entre as páginas de um velho livro. Alguém devia ter vindo resgatá-lo. Mas não, estavam todos ocupados construindo seus próprios desertos.

Um dia de desespero ele abriu a claraboia. Foi o primeiro gesto para sair do ermo. Depois abriu a janela. Começou a olhar a rua e as pessoas que passavam. Um outro dia abriu uma fresta da porta. Como fazia um dia solar e a brisa corria na copa das árvores, colocou uma cadeira na calçada e ali ficou.

Primeiro conversou com as crianças. Depois com os grandes. Passou a fazer isso nas tardes de sol daquele inverno. Os vizinhos o cumprimentavam, tornou-se conhecido como o moço solitário da casa da esquina.

Talvez por isso todos sentiram tanto a sua falta e choraram no dia em que, por malícia, ele não abriu a porta e nem botou a cadeira na calçada. Uma espécie de felicidade sentiu o moço solitário da casa da esquina quando a água salgada das lágrimas verteu cor de prata por baixo da porta.

Então ele encheu quatro frascos de lágrimas. Um guardou entre os livros na estante. Os outros enviou pelo correio. Um à ex-mulher, outro a sua mãe na cidadezinha do interior e o terceiro ao melhor amigo, que foi morar no Japão.

2 comentários:

  1. no outro dia ele abriu a porta ou a manteve fechada e voltou a antiga rotina de Ermitão?

    ResponderExcluir
  2. Passei a pergunta ao moço solitário da casa da esquina e ele disse que não, não voltou ao sótão. Gostou muito das tardes de sol e do convívio com os vizinhos.

    JF

    ResponderExcluir