quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Oceânica vigília

Jorge Adelar Finatto


A viagem transoceânica, por avião, impõe rigores a quem não dorme. Sinto admiração (ponhamos assim, ao invés de inveja, que é uma coisa triste) pelos viajantes que conseguem dormir no voo que une os continentes que o mar separa.

Os passageiros insones, como eu, são invadidos pelo medo ancestral de voar. Mais ainda: voar à noite. E, terror dos terrores: sobre o oceano.

Alguns, pelo contrário, sentem-se tão à vontade que não só repousam como roncam. A vida, para esses, é um estar em casa permanente.

O que fazer às quatro da manhã, na cabine metálica, a dez mil metros de altitude, e no escuro?

Assisto, em geral, a dois ou três filmes, após ter lido muitas páginas do livro de viagem, a revista de bordo e as outras compradas antes de embarcar. Depois escuto música, especialmente se é bossa nova, gênero que nos transmite a ideia de que voar vale a pena e que, mesmo na solidão, pode haver poesia.

De vez em quando, sintonizo a pequena tela no canal da rota, onde aparece a posição da aeronave. Quando mostra a passagem pelas ilhas vulcânicas de Cabo Verde, na costa da África, sinto um certo alento. A viagem de doze horas se encaminha para a parte final.

O surgimento da aurora ilumina o oceano, colhe o pássaro em pleno voo. Nas suas entranhas, os primeiros movimentos dos viajantes a acordar. É servido o café da manhã. A insônia agora tem companhia. A vida segue para quem dormiu e para quem não dormiu. O novo dia chega cheio de vida para todos.  A grande ave, enfim, vai pousar. Graças a Deus.

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photo: j.finatto