quinta-feira, 22 de março de 2012

Vida bonsai

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto
    
A `A a´´´´´ á ``a~a~a~a

Escrever é devorar o mundo com palavras.

á~â ``a  á`a

O escritório é um lugar silencioso, recolhido. O mapa das viagens sonhadas e nunca realizadas repousa sobre a mesa, cheio de anotações.

Alguns cravos vermelhos respiram na terra escura, no vaso perto da janela.

                                    b c d e f

Ao longe, a mata e a verde silhueta das montanhas. O voo azul e esquivo das últimas andorinhas nas escarpas, antes da partida ao hemisfério norte (a sempre procurada primavera).

O bonsai carrega dois figos pendentes sobre a escrivaninha.

A fonte, no velho tronco escuro, leva água para cima e para baixo, num movimento que lembra o incessante moinho circular da vida.

                                           l j m n hh   hh   çrt xt

O som da água escorrendo é mergulho e passagem dentro da luz.

A presença das pequenas coisas levanta a palavra da escuridão.

O outono inaugura novas seivas nos caules, nos corpos, nas almas.

O pássaro cabe na mão. Um livro é uma coisa singela. Um só olhar desvela todo o horizonte.

Vida pequena, vida possível, vida inventada

                                              uu uah  uauhhh   iih  êêêê

 

Bonsai de palavras, fresta de claridade no breu da escrita.

Letras brilhando na tela, voando como andorinhas, se projetando na infinita nuvem virtual. Em busca talvez de um olhar que as resgate da grande dispersão.

Agora é tempo de respirar fundo, habitar os aposentos interiores do outono, soltar palavras como pandorgas ao vento.


4 comentários:

  1. O refúgio em meio ao silêncio e às lembranças interiores onde os objetos fazem a mediação.
    Terno convívio com as palavras que, com sensibilidade, se agrupam e se tornam esta crônica mágica.

    Abs.

    Ricardo Mainieri

    ResponderExcluir
  2. Ricardo.

    Belas palavras essas que trazes, de quem gosta de soltar pandorgas e tem jeito de lidar com o verbo e o vento. (Eu nunca consegui soltar uma pandorga de verdade, elas sempre caíam. Mas admiro a arte dos que conseguem. O importante é vê-las brilhando lá no céu!)

    Um abraço, caro poeta!

    JF

    ResponderExcluir
  3. Esta crônica, como algumas outras tuas, me renderam um neologismo: magilírico

    Abs.

    Ricardo Mainieri

    ResponderExcluir