quarta-feira, 4 de abril de 2012

A cidade do animal solitário

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto


Depois da chuva virá a névoa.
Depois da névoa virá a noite.
Depois da noite virá o amanhecer.
Depois, silêncio outra vez.

Habitamos os Campos de Cima do Esquecimento.
Somos poucos, somos invisíveis.
 
A passagem do tempo desaba sobre nós. Um gosto de outono na alma. Pouco menos que o inverno, pouco mais que o verão. Um intermitente suspiro na estação de trem abandonada da cidade. 

Em abril, mais que em outros meses, percebemos a presença dos voláteis.

Alguns ficam dependurados nas copas das árvores e telhados, onde passam a noite com seus casacos de lã, molhados de  sereno. Outros caminham pelas ruas com as golas levantadas, sem fazer ruído.

Um grupo ocupa os bancos da Praça da Ausência, que nessa época fria mergulha no abandono.

As casas  - de madeira - fecham as janelas muito cedo. Somos poucos em Passo dos Ausentes, cada vez mais raros por viver num lugar assim, que nem sequer figura no mapa do Rio Grande do Sul.

A chama da lenha queimando nas lareiras projeta uma claridade tremeluzente, que desenha vultos nas paredes, o que dá a impressão de que existimos em maior número do que somos realmente.

Uma ilusão como outras que cercam a nossa história e até nossa existência (questionada de forma pueril e impiedosa pelos burocratas do governo em Porto Alegre).

Um grande silêncio toma conta das ruas a essa hora. O sino bateu as onze da noite.

Afundo na poltrona enrolado na manta.
Desisti por ora de conversar com os fantasmas que andam pela casa.
No outono eles ficam suscetíveis e melancólicos, não se pode dizer nada. Já é tarde.

Vou continuar a leitura desses contos de Juan José Morosoli.
O vento faz seu giro nas esquinas, vem bater nas portas e janelas.
O vento é um animal solitário.
Como nós.