quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Viver um pássaro

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto. Tucano
 

A ventura de viver na montanha é conviver com as aves. A casa vive cercada desses seres delicados e cantantes. Belas criaturas, habitam os ninhos que constroem nas árvores ou nos buracos dos troncos (como os tucanos). Cantam durante o dia (espantando os males) e, como se não bastasse, podem voar para onde lhes dá na veneta.
 
Deus, quando inventou as aves, estava num dia muito inspirado. A começar pelas cores vivas e contrastantes com que as pintou. O canto nem se fala.

Tem gente que gostaria de ser super-homem, dono da rua, grão-vizir do bairro,  rei do mundo. Eu queria ser pássaro.
 
Tenho grande admiração por essa família que oferece seu canto e sua plumagem sem nada pedir ou esperar em troca. Dão de bom coração o que de graça receberam. 

Das espécies que me visitam na varanda do escritório (onde deixo frutas escolhidas para eles), o tucano é um dos mais coloridos e grandes. Faz sombra e afugenta os pequenos. Não tem um cantar bonito como os outros. É uma voz cava, rascante, amadeirada e sem graça (sem querer ofender o meu amigo).

Costuma pousar no galho diante da janela que dá para o Vale do Olhar. Fica olhando o escritório de perfil, uma figura egípcia.

- O que esse sujeito com óculos de fundo de garrafa está assim me olhando, no meio de pilhas de livros, estantes, quadros e relógios, quando podia estar voando aqui fora? - é a pergunta que leio nos olhos do irmão tucano.

Ora, é essa justamente a indagação que também me faço.

O improvável voo adunco do tucano atravessa o ar colorindo a tarde, percurso entre duas árvores, dois galhos, duas visões de mundo, duas referências no universo.

O rumor de um milagre batendo asas na luz da primavera.

photo: j.finatto