sexta-feira, 8 de março de 2013

Adeus a Chorão


Lorenzo Finatto
 

Chorão, vocalista do grupo Charlie Brown Jr., em foto de 2005 - Roberto Setton

A notícia triste diz: 

O vocalista da banda Charlie Brown Jr., Alexandre Magno Abrão, o Chorão, morreu na madrugada desta quarta-feira em seu apartamento no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Chorão tinha 42 anos e foi encontrado desacordado por seu motorista, segundo informações da assessoria da banda. A causa da morte ainda é desconhecida. A polícia foi chamada ao apartamento para fazer o trabalho de perícia e o corpo de Chorão foi levado ao IML na manhã desta quarta-feira para ser determinada a causa da morte. (publicada em http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/chorao-do-charlie-brown-jr-morre-em-sao-paulo)
 
Eu não era um fã da banda, tinha, mesmo, certo preconceito ao som que faziam – não achava bom o bastante. Fui “treinado” para pensar que nada menos do que Tom Jobim fosse digno de grande admiração. E, entre as bandas de rock brasileiras, Charlie Brown Jr. não estava entre as minhas preferidas.
Há uns 2 anos, porém, distraído, mexendo no rádio do carro, num desses engarrafamentos intermináveis no trajeto casa-trabalho, de repente ouço os seguintes versos:

Eu quero estar amanhã ao seu lado quando você acordar
Eu quero estar amanhã sossegado e continuar a te amar
Eu quero um sonho realizado, uma criança com seu olhar
Eu quero estar sempre ao seu lado, você me traz paz

Pronto. Distraído do meu preconceito, deixando rolar, como se diz, preocupado menos com parâmetros rigidamente estabelecidos e mais com o que o coração reclamava, me deixei levar.
Os versos da canção, composição do próprio Chorão (Uma criança com seu olhar, do álbum Ritmo, Ritual e Responsa, de 2008, EMI), me arrebataram. Dali em diante, passei a acompanhar de perto o grupo.
Daí minha tristeza profunda pela morte do artista.
Pelo que se pode concluir nesses primeiros momentos, o vocalista foi vítima de uma overdose de drogas. Outro jovem talentoso (não aparentava nem de longe os 42 anos, até pelo seu visual skatista) que vai embora cedo demais.
E isso numa sociedade como a nossa, em que a droga está enraizada quase que de maneira invencível. Uma pena, uma tristeza.

Eu quero um sonho realizado, uma criança com seu olhar / Eu quero estar sempre ao seu lado, você me traz paz.
 
Versos que Tom Jobim certamente abençoaria.

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Lorenzo Finatto é advogado em Porto Alegre.
Uma criança com seu olhar:

O habitante da casa de pedra

Jorge Adelar Finatto 


photo: j.finatto

 
O homem construiu em torno de si a difícil morada. Pedra por pedra, dia após dia. Era uma casa onde a tristeza e o sofrimento não podiam entrar. Os vizinhos da rua estranharam o tamanho daquela ausência.

Como podia alguém se retirar do mundo daquele jeito? A casa foi erguida em paredes de duríssimo basalto. Não tinha porta nem janela.

Às vezes o homem sentia saudades do mar e dos navios que passavam, à noite, com suas luzes no horizonte. Fazia muito frio na casa de pedra. O frio tomou conta do corpo do homem. Ele vivia os dias enrolado num grosso cobertor que o cobria do pescoço aos pés.

Não se ouviam passos nem vozes na casa de pedra. Nem gritos de alegria, nem choros.

Nos longes onde foi morar, o homem decidiu que não ia mais levantar da cama. Passou a dormir na maior parte dos dias. Raramente saía do escuro quarto. De tanto não sofrer, tinha se livrado da convivência com as pessoas.

Ninguém nunca conseguiu entrar na casa.

Uma certa tarde o homem adormeceu e sonhou com o mar. Viu os barcos coloridos na praia. Não havia ninguém na areia. Só as palmeiras olhando o azul. Ele não conseguia mais recordar nenhum rosto humano. Nem mesmo o seu, uma vez que tinha retirado todos os espelhos da casa.

A paisagem foi se apagando aos poucos, entre reflexos que pareciam o sol entrando nas águas. Naquela tarde o homem adormeceu pela última vez.

A espessa solidão se cumpriu.

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j.finatto@terra.com.br
Texto publicado em 17 de maio, 2010.