segunda-feira, 11 de março de 2013

Crônica para um vale antes que acabe

Jorge Adelar Finatto


Vale do Quilombo e montanhas. photo: j.finatto
 
Na viagem de volta a Passo dos Ausentes (o eterno retorno), paro em Gramado para o cappuccino. Enquanto estico os ossos, olho pela janela do café a paisagem da fotografia. Que nunca nos falte esta visão. 
 
Entre Gramado e Canela, na região serrana do Rio Grande do Sul, está uma das mais belas paisagens do Brasil. Um cartão-postal reconhecido internacionalmente. O Vale do Quilombo estende-se entre as duas cidades, em meio a córregos e verdes montanhas. A força desse lugar eleva o espírito e dá paz ao coração.
 
Conheço a região desde tempos imemoriais. Nasci na Serra, nela passei a infância e parte da adolescência. Passeios e acampamentos, no início dos anos 1970, abriram meus olhos para a beleza desse cenário.

Mas hoje vejo com preocupação o futuro do cartão-postal. Faz cerca de 10 anos intensificou-se o processo de urbanização em Canela e Gramado. São cada vez mais numerosas as clareiras abertas no fundo do vale e nas encostas e cumes dos montes e montanhas.  Aumenta o desmatamento.
 
A explosão imobiliária trouxe junto uma série de problemas, a começar pela deficiente rede de esgotos, fato este que se agrava na alta temporada de turismo. Além disso, nuvens de automóveis invadem as antes pacatas ruas, criando um trânsito veloz e perigoso, no qual acidentes graves passam a ser comuns.
 
Onde antes havia flores nas janelas, agora há cada vez mais edifícios.

Na estrada entre as duas cidades, multiplicam-se as lojas de venda de automóveis novos e usados, em ambos os lados da via. Proliferam diversos tipos de comércio. Este caminho que já foi rodeado de mata hoje está repleto de edificações. A tal ponto que já não se enxerga o Vale do Quilombo. Para vê-lo, é necessário esgueirar-se entre as paredes.

Não existe sequer um belvedere público na beira da estrada para admirar a vista. Na saída de Gramado para Canela, há um tímido acostamento e um corredor, protegido com mureta de concreto, no qual os visitantes se espremem para observar a natureza, sem nenhum conforto e com o barulho dos automóveis, ônibus e caminhões passando ao lado.

Os animais perdem espaço. Faz tempo que não vejo por aqui uma lebre, um graxaim, um bugio, um veadinho do campo e outros bichos como era comum.

A presença e a variedade dos pássaros já não são as mesmas. Para onde vão? Ninguém sabe. Mas decerto para um ambiente que já não encontram aqui.

O patrimônio ambiental e paisagístico é a maior riqueza das cidades serranas e isto está se perdendo. Não haverá futuro para o turismo, principal atividade econômica da região, se o crescimento desordenado, o concreto e os veículos continuarem a substituir a natureza.

Para quem, como eu, nasceu na Serra, é um triste espetáculo. Sei que a economia precisa gerar empregos e riqueza, as coisas não podem ser como no século passado. Mas sei também que o desenvolvimento não pode se dar à custa da destruição sem trégua do ambiente. 

Do jeito que vai, não está longe o tempo em que a visão das casas de madeira, flores, pinheiros, vales, penhascos, arroios e montanhas estará restrita a antigos álbuns de fotografia.
 

Série Retratos 13








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photo: Jorge A. Finatto
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