sexta-feira, 26 de abril de 2013

Zeca Afonso

Jorge Adelar Finatto

 


Grândola, vila morena
terra da fraternidade
o povo é quem mais ordena
dentro de ti, ó cidade*

Uma tarde de inverno europeu em 2002, de passagem por Coimbra, onde estava para conversar com estudantes da Faculdade de Letras, ouvia a chuva bater na janela do quarto do Hotel Botânico. Meu espírito andava às voltas com António Nobre, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Eugénio de Andrade e o Mondego, esse rio que me traz saudades do Guaíba.

Em Porto Alegre, o Guaíba me dói porque não me deixa esquecer o Mondego.

A tarde já caminhava para a noitinha quando liguei a televisão na RTP (Rádio e Televisão de Portugal). Foi quando ouvi, pela primeira vez, falar dele. No dia seguinte, fui a uma loja e comprei uma caixa com dois discos.

O que há no canto do poeta, compositor e cantor português José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos - o Zeca Afonso - que faz o coração da gente bater fundo e claro?

Dentro de ti, ó cidade
o povo é quem mais ordena
terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Que emoção é esta que nos convida a sair pelas ruas de mãos dadas?

De que profundeza brota essa vaga azul de sentimento que se alteia no horizonte e depois invade a cidade, distribuindo esperança em meio ao feroz egoísmo?

Em cada palavra que pronuncia, no canto geral que celebra a vida, Zeca Afonso fala-nos da gente, da terra, do compromisso com o justo. A voz que sincera se levanta vem de uma alma sensível, sedenta de justiça, harmonia entre os homens e beleza. Vem das origens de um povo esta voz forjada no sonho e na luta.

Zeca Afonso nasceu em Aveiro a 2 de agosto de 1929, filho de pai juiz e mãe professora primária, com os quais viveu em certos períodos, tendo, em outros, ficado aos cuidados de tios e tias. Morreu em Setúbal, em 23 de fevereiro de 1987.

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
em cada rosto igualdade
o povo é quem mais ordena

O canto de Zeca Afonso, comprometido com a fraternidade, simples e rico, oferece abrigo e consolo a pessoas oprimidas do mundo inteiro. Não por acaso a belíssima Grândola, Vila Morena, é uma canção-símbolo dos novos tempos nascidos em Portugal com o movimento que se cristalizou na Revolução dos Cravos, a 25 de abril de 1974, que levou democracia ao país depois da longa escuridão da ditadura.

Nós do Brasil precisamos conhecer a obra do Zeca Afonso.

À sombra duma azinheira
que já não sabia a idade

jurei ter por companheira
Grândola, a tua vontade

Grândola, a tua vontade
jurei ter por companheira
à sombra duma azinheira
que já não sabia a idade

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* Grândola, Vila Morena, letra e música de José Afonso.
Foto: José Afonso. Fonte: imagem do Google. O crédito será dado tão logo tenha informação sobre o autor. Texto publicado em 16 de junho de 2011.