quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Meus amigos

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto
 
Não esqueçam
de me visitar
nas noites
de inverno
quando o medo
cobra caro
e as feridas
não deixam mentir


insolúvel jogo
de espelhos
entre mim
e o que fui

ando bêbado
pela casa
meu coração
é operário
desempregado
com filho pra criar
mulher feia
sem crédito no armazém

me enrosco
em invenções
inúteis
pra repartir contigo
um espaço de ternura

sinto umas
coisas estranhas
caminharem atrás de mim
um cano de fuzil
um casal de velhos famintos
um câncer
e me desagrada não ser
como certos fantasmas

 
convoco o
silêncio e
suas raízes

inauguro a
manhã

não, eu não sou
uma estrela
um rio
um barco
nada se compara
ao que sinto

preciso todos
ao redor da mesa
principalmente
os desaparecidos
como certos crepúsculos
que a gente vê
fogem e nunca mais


___________
 
Poema do livro Claridade, Jorge Adelar Finatto, co-edição Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Editora Movimento, Porto Alegre, 1983.

3 comentários:

  1. Amigo, é muito cedo pra falar de invernos
    Pois que até eu ainda os vejo longe
    Convoquei, já em outono, a primavera
    Que tomo emprestado à esperança
    Pode ser fria a falta de sorrisos
    Pois sinceros abraços há tão poucos,
    Mas há, e me pertencem e mesmo longe
    Eu os tomo em meus braços vazios
    E, incondicionalmente, os amo.

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    1. Escrevi esse poema nos meus 23/24 anos, depois publicado em 1983. De certa forma é o testemunho de um tempo e de um sentimento. Enfim, a vida. É isso mesmo, Marina, temos de amar os abraços que temos.

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    2. Sim, eu vi a data da publicação do poema. Poeta já nasce poeta.
      Mas quero dizer: Quando me refiro a braços vazios, na verdade são cheios de preces, pelos amados, ao Deus fiel e onipresente.

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