quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Ninguém é dono do poeta Fernando

Jorge Adelar Finatto

Fernando Pessoa ( à direita) com amigo no Café Martinho da Arcada, Lisboa
 

 Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho
como sempre tenho sido,
sozinho como sempre serei.¹
                                                    Fernando Pessoa
 
Nos últimos tempos tenho notado um aumento de animosidade entre alguns estudiosos da obra  e da biografia de Fernando Pessoa (1888-1935). Há como uma disputa que vem crescendo com o passar dos anos. Uma busca de afirmação pessoal a partir da maior visibilidade da obra do autor.

Existe uma briga de foice no escuro entre os que querem ser os únicos donos do Fernando e não admitem novos sócios na firma. Li textos que beiram a agressão em páginas de livros e revistas. Apontam coisas como, por exemplo, falhas na interpretação da letra do escritor que geraram escolhas supostamente equivocadas a comprometer seus textos.
 
Há evidente excesso no tom dessas manifestações, que prejudica não apenas a cordialidade do debate como a qualidade da discussão.

Precisa ficar claro que ninguém é nem será dono de Fernando Pessoa. Todo mundo sabe ou devia saber que a pátria dele é a língua portuguesa.

Minha pátria é a língua portuguesa,  escreveu no Livro do Desassossego, trecho 259.

Ele vive no idioma uma existência espiritual, a única em que encontrou um pouco de felicidade em sua vida cheia de limitações materiais, solitária e sacrificada.
 
Qualquer tentativa de apropriação de sua verdade mostra o lado pequeno de quem toma esse caminho. Lá na sua residência atual, no Mosteiro dos Jerônimos, no bairro de Belém aqui em Lisboa, o poeta deve rir-se quando toma conhecimento dessas besteiras em torno de si.

Para quem morreu sem reconhecimento, que não foi nada na vida (mesmo tendo escrito uma obra universal, sentido tudo e sido muitos em um só), há uma grande ironia nisso tudo. Disse ele:

Um dia talvez compreendam que cumpri, como
nenhum outro, o meu dever nato de intérprete
de uma parte do nosso século; e quando o
compreendam, hão-de escrever que na minha época
fui incompreendido, que infelizmente vivi entre
desafeições e friezas,
e que é pena
que tal me acontecesse.²
                                       Fernando Pessoa

Fernando Pessoa merece que o amemos pelo que é, independente de faniquitos e interesses pessoais de seus intérpretes. Dispensa proprietários.
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Casa Fernando Pessoa, Lisboa, Portugal
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=4287

¹-² Textos de Fernando Pessoa. Ponto M - 2013.