sábado, 19 de abril de 2014

Os desolados

Jorge Adelar Finatto

photo: J. Finatto


As manhãs fogem do escuro.

A solidão é um negro capuz que se veste nos retirados da dor.

Tive medo de ver os escombros. Os difíceis haveres do abandono. Havia uma mulher chorando naquele breu. Quem? Não divulguei.

O coração humano gira em estranhos círculos. O traçado torto da vida. Quem puder se segure, senão cai no perau. Eu, quando escuto gente chorando, sinto sombra andando à volta.

Coisas que vi. Meu coração barroco. Aquele choro me doeu. Mas eu fui. Foi quando meus olhos divulgaram os dela. A mulher era uma visão. Eu não sabia o que era beleza até aquele quando.

Estava sentada num banco de pedra ao lado de uma camélia vermelha, perto da fonte. Havia uma escada com seis degraus que terminava no ar. Ligava parte alguma a lugar nenhum.
 
A casa desmoronada no íntimo da pessoa.

A mulher, sua triste alma, aquela ruína. Me aproximei no cuidadoso jeito. Era uma tarde de outono como essa. O amarelo, amarelos.

A mulher - a visão - fez sinal para eu parar e esperar.

O que fiz nos respeitos. Ela se levantou, arrumou o vestido, olhou o céu. Entre as duas mãos largou a face e os cabelos de linho, depois seguiu sozinha. O tempo andou.

Eu vivia no lugar perdido, arrostando sol e vento, sem eira nem beira.

Os meus loucos dias no sanatório do mundo. Os ermos. Caminhos que se andam. Lágrimas que correm.

Um dia de fina luz de primavera eu a reencontrei. Ela veio na minha direção. Havia muita dor, mas havia esperança. Pegou no braço meu. Caminhou, caminhamos. Em silêncio. Palavras que se dizem sem falar.
 
Aconteceu a brilhante estrela caindo no meu caminho.

O punhal que me rasgava por dentro foi saindo, saiu.

Nos acolhemos, reunimos as raras pertenças.

Me tornei sentimento. Sentimentos.

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Texto publicado em 03/05/2010.