segunda-feira, 29 de junho de 2015

A hora de silenciar

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto


A arte será sempre para poucos. Só para os que se deixam tocar pela emoção. Aqueles que enfrentam o medo do desconhecido e não fogem do encontro.  Um pássaro prestes a alçar voo.
 
Os que se fecham não participam do rico universo cognitivo e sensitivo que a arte proporciona. Trancam-se dentro de si mesmos e só têm olhos para o que vai na superfície das coisas, não querem ver o que há do outro lado.
 
Não raro vivenciamos os dois estados de alma, principalmente o de querer fechar-nos para a vida, numa atitude de proteção. Se eu não sentir, não me envolvo com nada e não sofro.
 
Só que o preço que se paga para este não sofrer é muito mais alto do que aquele de abrir-se para o sentimento. Na arte como na vida.
 
O que não significa jogar-se dentro do abismo só para ver o que tem lá dentro. Ninguém pode andar por aí pela selva do mundo sem bússola e sem equipamento de sobrevivência.
 
As obras de arte não substituem o viver. Apenas realçam sua beleza, chamam a  atenção para sua grandeza, sua dignidade, destacam seu irrecusável valor e sua raridade.
 
O espírito de Deus repousa na natureza e, principalmente, nos seres humanos. O artista consegue apreender um pouco desse espírito no trabalho que realiza, tornando-o sensível para nós.
 
É preciso esforço para aproximar-se desse espírito e da beleza. O brutamontes está condenado à escuridão. Nunca experimentará a claridade no coração. Nunca saberá a diferença entre uma escultura de Rodin e um manequim de gesso abandonado numa vitrine qualquer.
 
Pensando nessas coisas, pergunto que pessoas ainda se emocionam lendo um livro, num tempo em que as palavras perderam o sentido?
 
Que raros leitores lerão as linhas desta página de internet?
 
Escrevo porque encontro ainda um certo encanto e uma esperança irracional no ato de escrever. No dia em que isso acabar, será então a hora de silenciar.
 

4 comentários:

  1. O retorno do que produzimos é algo que nos alegra e, ao mesmo tempo, nos dá uma certa esperança nesta humanidade, muitas vezes, nos limites da insensibilidade.
    A construção de cenários ficcionais, de espaços onde a emoção transita, é um exercício de contato com fontes grandiosas que estão à disposição do artista dentro dele e num outro segmento que Jung denominou inconsciente coletivo.
    mesmo que exista apenas um leitor, a arte já cumpriu o papel de tocar a alma de outro ser humano. Como nesta bela crônica confessional. Parabéns, Adelar!

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    1. Escrevo ainda por causa de amigos como tu, que perdem seu tempo precioso por aqui. Comentários como esse são um estímulo melhor que qualquer coisa. Esse teu texto merece que o amplies, é muito rico, traz uma profunda visão que nasce da experiência e do poeta sensível e criativo que és. Um forte abraço.

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    2. Segui teu conselho, aí está o poema. Valeu!

      AOS IRMÃOS DA ARTE


      construir cenários
      aonde a emoção
      transita

      buscar nas fontes
      inesgotáveis da memória
      ou sintonizar outras esferas

      é o que do artista
      se espera

      o criador
      esparge suas luzes
      sobre o breu do mundo

      mesmo que sejam débeis
      é um lume no horizonte

      honrosa missão
      a que me dedico.

      Ricardo Mainieri

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    3. Uma beleza de texto, Ricardo. Daqueles que não se esquecem. Daqueles que ficam. Um achado como poucas vezes acontece! Parabéns! Um grande abraço!

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