domingo, 7 de fevereiro de 2016

Souvenir de inverno

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto., fev. 2016, Suíça, Alpes

 
A vida são umas quinquilharias de viagem que a gente vai guardando nas gavetas da memória. Os dias são folhas caídas do calendário que o vento leva pelo ar. Depois já não estamos à janela.
 
Mas há essa sempre presente, irrecusável esperança de um amanhecer em meio ao treva-mundo. Uma janela de mansarda aberta ao sol, numa manhã de inverno. Como agora em Lucerna.
 
Uma mulher apareceu de repente, quando eu estava parado, na Ponte da Capela. Disse-me em francês germânico, olhando-me nos olhos: eu faço desenhos, senhor, e não comi nada o dia todo. O que eu podia fazer com essa aparição trágica? Perguntou se eu compraria um desenho seu.

Sim, sim, claro. Abriu a pasta e de lá retirou alguns. Escolhi um do Lago Lucerna, bonito. Solitário e bonito. Fazer desenhos dá mesmo fome. É como fazer versos. Viver de arte é uma danação, madame. Paguei os 15 francos suíços que pediu, porque a vida por cá é muito cara.

Ela me olhou admirada, agradeceu e foi-se na neblina. Eu permaneci ali, olhando a água azul.

Essas entidades aparecem do nada e puxam assuntos obscuros. Se eu não vivesse num lugar chamado Passo dos Ausentes, habitado por fantasmas, talvez me angustiaria.

O fato é que está todo mundo precisando de um aconchego. Os que mais precisam não se dão conta e fazem sofrer os outros.

Só os abraços ficarão.
 

2 comentários:

  1. As viagens são momentos em que estamos com a alma mais receptiva. Acontecem, mesmo, fatos pitorescos nestes momentos. Eu, também, fui abordado por uma mulher, esotérico, que dizia prever acontecimentos. Vendia bonecas de pano, na praia de Balneário Camboriu. Depois de muito papo, sob o olhar meio desconfiado dos outros fregueses, ele disse para mim e minha companheira que teríamos vida longa. Ufa, bem melhor do que prever nossa morte afogado no mar de esgotos de Camboriú.

    Abraço do Ricardo Mainieri

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    1. Ricardo. Viajar é, de algum modo, ir ao encontro do outro, dos outros, do diferente de nós e do nosso dia a dia. Isto faz bem e aproxima. No dia em que a Terra for um lugar melhor, todos viajarão e verão que o planeta é quintal comum e ninguém é dono de nada. Um grande abraço.

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