Jorge Adelar Finatto
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Ilha de San Michele, ilha dos mortos
![]() |
vitrine veneziana. photo: j.finatto |
A Ilha de San Michele repousa serena diante de Veneza.
Não devemos perturbar o sossego de seus habitantes. Na gôndola em que navegamos em torno desse território calado, nada deve ser ouvido além do remo na água verde-safira. Entre os altos muros de ocres tijolos, à sombra de ciprestes, os mortos descansam na antiquíssima ínsula.
San Michele é um pequeno pedaço de terra no Mar Adriático, mas é, acima de tudo, uma metáfora.
A ilha dos mortos tem o olhar voltado desde o exílio para a República Sereníssima.
![]() |
Ilha de San Michele, ao fundo. photo: j.finatto |
A ilha-cemitério é um testemunho da brevidade humana e um alerta contra as vaidades do mundo.
Façamos silêncio, portanto, nessa viagem pelas cercanias de lugar tão despojado.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Borges e a névoa do tempo
Jorge Adelar Finatto
Gradualmente, o aprazível universo o foi abandonando; uma insistente névoa apagou as linhas de sua mão, a noite se despovoou de estrelas, a terra era insegura sob seus pés. Tudo se afastava e se confundia. Quando soube que estava ficando cego, gritou; o pudor estóico ainda não fora inventado e Heitor podia fugir sem menoscabo. "Não verei mais (sentiu) nem o céu cheio de pavor mitológico nem este rosto que os anos vão transformar." ¹
Jorge Luis Borges
Buenos Aires, calle Tomás Manuel de Anchorena, 1660. Neste endereço está a Fundación Internacional Jorge Luis Borges (http://www.fundacionborges.com/lafundacion/lafundacion.html).
Aqui se encontram objetos de uso pessoal e documentos que pertenceram a Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo, entre eles duas bengalas, manuscritos, fotografias, talismãs, medalhas, títulos, coisas curiosas como uma vestimenta de samurai, e livros, muitos livros, como as primeiras edições de suas obras, e publicações de outros escritores, como Os Lusíadas, de Luís de Camões.
O lugar é silencioso. Os iniciados na obra de Borges vêm a esta casa numa peregrinação em busca da memória do mestre. Querem ver algum sinal, algum vestígio, saber se Borges de fato existiu ou se foi só um sonho sonhado pelo outro Borges, o fantasma que vaga pelos espelhos e bibliotecas.
Na escadaria da antiga casa, paira o seu retrato. A senhora que atende o visitante é atenciosa. Informa que no andar superior será montado, em breve, o quarto do autor de Fervor de Buenos Aires (1923), Historia Universal de la infamia (1935), Ficciones (1944), El Aleph (1949), Los Conjurados (1985), entre outros. Neste espaço todos os detalhes passam pelo exame da guardiã da memória de Borges, María Kodama, viúva do escritor.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Cais
Jorge Adelar Finatto
Tem dias em que saímos
com o corpo nu
para alojá-lo na primeira copa de árvore
e chorar longe dos homens
dias em que os desejos
até os mais secretos
sucumbem apagados
na penumbra
tempo de total privação
da carne e do sonho
tardes em silêncio reveladas
intervalo entre dois mundos
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Os fundamentalistas
Jorge Adelar Finatto
”Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo? “
Fernando Pessoa, Poema em Linha Reta
Tenho medo de quem nunca duvida das próprias certezas.
A rigidez das mentes e corações é motivo de desolação. Questionar-se sobre o modo de ser e de fazer as coisas, repensar a vida, é exercício de humildade cada vez mais raro.
Estar aberto à dúvida não é fraqueza, mas capacidade de renovação.
Se a dúvida nos leva a continuar pensando e agindo da mesma maneira, está bem. Se não, muda-se.
O fundamentalismo, seja laico ou religioso, não torna as pessoas melhores nem mais felizes. Pelo contrário, espalha sofrimento, terror, morte.
O fundamentalista é dono de verdades absolutas que só ele conhece. Ele é a pérola luminosa que brilha entre os habitantes das profundezas escuras.
domingo, 17 de janeiro de 2010
O retorno dos peixinhos
Jorge Adelar Finatto
Os peixinhos estão de volta. Estavam em férias coletivas.
Regressam ao blog com saudades. Aproveitaram o período de descanso para um breve giro. Viram coisas, andaram pelas ruas das cidades com a chuva, o sol e o vento, aprenderam, procuraram ouvir o máximo possível (eles sempre ouvem muito mais do que falam).
Os peixinhos voltam animados.
Tudo de bom tem o Brasil, dizem eles. Aqui não existe um povo só: todos os povos nos habitam.
Somos o resumo, a mátria (como diz o senhor Veloso) do mundo.
Mas precisamos melhorar muito o lado humano.
É preciso tratar as pessoas como gente no país dos pássaros e das palmeiras.
Entre os dez principais problemas que enfrentamos, os dez primeiros estão relacionados com a corrupção. Depois vem o resto. Isso tem a ver com criação, formação, valores, limites.
Eu aprendi desde muito menino que a regra número um da vida é: se eu me respeito, tenho que respeitar os outros. Eu sou o outro do outro.
Somos o resumo, a mátria (como diz o senhor Veloso) do mundo.
Mas precisamos melhorar muito o lado humano.
É preciso tratar as pessoas como gente no país dos pássaros e das palmeiras.
Entre os dez principais problemas que enfrentamos, os dez primeiros estão relacionados com a corrupção. Depois vem o resto. Isso tem a ver com criação, formação, valores, limites.
Eu aprendi desde muito menino que a regra número um da vida é: se eu me respeito, tenho que respeitar os outros. Eu sou o outro do outro.
Isso não depende de pós-doutorado, e é mais importante do que qualquer título.
Viver, apesar de tudo, é sempre bom, dizem os peixinhos.
E navegar é uma maravilha.
Vamos com o rio.
_________
Foto: Fragata Sarmiento, Puerto Madero, Buenos Aires. Jorge Finatto
jfinatto@terra.com.br
Vamos com o rio.
_________
Foto: Fragata Sarmiento, Puerto Madero, Buenos Aires. Jorge Finatto
jfinatto@terra.com.br
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
Mario Benedetti
Jorge Adelar Finatto
![]() |
Mario Benedetti |
Não tive a ventura de conhecer pessoalmente Mario Benedetti. Mas pude, como muitas pessoas pelo mundo, travar conhecimento com sua obra. Lê-lo desde a adolescência, em livros comprados com grande sacrifício em sebos de Porto Alegre, era tê-lo como companheiro, caminhando na paisagem gris da cidade.
A morte de Mario Benedetti, aos 88 anos, no domingo, 17 de maio de 2009, em Montevideo, significou uma perda para os que amam a literatura feita com emoção, razão e compromisso. Sentem muito os que veem a poesia como revelação e transcendência. Sobretudo aqueles que não separam a beleza estética de uma ética do respeito ao ser humano.
Os atos de viver e de criar, em poetas como Mario Benedetti, são inseparáveis.
A arte que não busca na vida a sua razão e as suas origens está perdida.
O desaparecimento do poeta deixou o mundo um pouco mais sombrio.
A luz que escorria de seus textos alumiou generosamente a vida de muita gente, nos lugares mais distantes do seu Uruguai (nasceu em Paso de los Toros, em 14 de setembro de 1920).
A força da palavra de Mario Benedetti haverá de sobreviver à extinção física do autor, e continuará a distribuir encanto e consolo.
Os que o conheceram no refúgio da amizade, e mesmo aqueles que apenas o encontraram ocasionalmente, falam de sua bondade no trato pessoal, de sua capacidade de ouvir o outro (aptidão infelizmente quase desaparecida), do bom humor, do calor humano, da revolta contra as ditaduras, da gentileza.
Gentileza, essa outra palavra no rumo do exílio.
Caminhei com Mario Benedetti em diferentes estações da vida, na beira do Guaíba e em bairros como Menino Deus, Centro, Cidade Baixa, Moinhos de Vento, Ipanema. Nos invernos, frequentamos as mesas de cafés noturnos. Partilhamos longas conversas, e a inefável meia taça com pão e manteiga. Amizade espiritual, é certo, mas nem por isso menos verdadeira. Essa que reúne pessoas que nunca se viram em torno de um texto, pedaço de vida pulsante.
Assinar:
Postagens (Atom)