segunda-feira, 10 de maio de 2010

As origens do Nazismo

Jorge Adelar Finatto


O Nazismo foi uma das maiores atrocidades da história humana. Conhecer suas origens e o tipo de comportamento que o gerou é fundamental para reconhecer seus sinais e evitar que a experiência se repita. O filme A Fita Branca (Das Weisse Band), dirigido e concebido por Michael Haneke, reúne numa mesma história os diferentes elementos que podem nos fazer entender um pouco da gênese deste monstruoso episódio.

Premiado com a Palma de Ouro em Cannes em 2009, e recebendo duas indicações ao Oscar em 2010, nas categorias de melhor filme estrangeiro e fotografia, A Fita Branca se passa num lugarejo da Alemanha, às vésperas da eclosão da Primeira Guerra Mundial. A comunidade é formada por camponeses, por um Barão que emprega em suas terras a maioria das pessoas do lugar, e por figuras como uma parteira, um médico, um professor, um líder religioso e jovens adolescentes.

O ambiente se caracteriza por comportamentos extremamente rígidos e pela frieza e indiferença em relação ao outro, e nesse processo personagens como o líder religioso exercem importante papel. Estranhos acontecimentos começam a ocorrer, rompendo a rotina da pacata (na aparência) aldeia, e esses comportamentos começam a ser revelados em diversos níveis.

O filme é inquietante e nos leva a pensar e repensar sobre as diversas formas de violência contra o ser humano. Encontramos a dureza do autoritarismo em suas manifestações na família, nos relacionamentos do dia a dia, na política, na escola, na religião, no trabalho, e nos defrontamos com padrões morais socialmente tolerados, alguns aparentemente inocentes, mas profundamente cruéis. Um ambiente favorável à barbárie.

Trata-se de obra que proporciona várias leituras. O excelente trabalho foi produzido em preto-e-branco, com 144 minutos de duração, que passam rapidamente.

(Assisti no Instituto NT, em Porto Alegre, rua Marquês do Pombal, 1111 (sem estacionamento). É um casarão antigo transformado em centro de cinema e de cultura. O café é um dos pontos altos desse novo espaço, oferecendo uma boa variedade de aromas e composições de sabor.) 

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Foto: Reuters, divulgação do filme.

Inversos, novo livro de Ana Luísa Amaral

Jorge Adelar Finatto



Nessa terça-feira, 11 de maio,  na cidade do Porto, em Portugal, haverá o lançamento de Inversos,  novo livro de poemas de Ana Luísa Amaral. A edição  é da Publicações Dom Quixote. O evento ocorrerá na Biblioteca Almeida Garret, às 18h30min, e  a apresentação da obra será feita por Maria Irene Ramalho. Haverá leitura de textos por Paulo Eduardo Carvalho e pela própria autora. O convite é feito pela Câmara Municipal do Porto e pela editora.
 

Ana Luísa Amaral figura entre os principais nomes da literatura portuguesa da atuallidade, com uma obra reconhecida pelo público e pela crítica. Além de poeta talentosa e premiada, leciona Literatura e Cultura Inglesa e Americana na Universidade do Porto. Neste blog publicamos uma interessante entrevista com a autora, em 02 de março passado. Nela Ana Luísa nos dá uma bela ideia de literatura e de seu trabalho, e nos alimenta com seu conhecimento e sua inspiração.


Impedido pela neblina de sair de Passo dos Ausentes, não poderei fazer a travessia do Atlântico a fim de estar presente no lançamento. Os que puderem comparecer serão recompensados pelos ensolarados versos do livro, que reúne a obra poética de Ana Luísa.

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Foto: Ana Luísa Amaral.

Entrevista com Ana Luísa Amaral:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/03/o-tempo-de-construir-palavra.html
 

domingo, 9 de maio de 2010

Poetas e poesia*

José Saramago


Não será com todos nem será sempre, mas às vezes acontece o que estamos vendo nestes dias: que, por ter morrido um poeta, aparecem, em todo o mundo, leitores de poesia que se declaram devotos de Mario Benedetti e que precisam de um poema que expresse o seu desconsolo e talvez também para recordar um passado em que a poesia teve lugar permanente, quando hoje é a economia que nos impede de dormir. Assim, vemos que de repente se estabelece um tráfico de poesia que deve ter deixado perplexos os medidores oficiais, porque de um continente a outro saltam mensagens estranhas, de factura original, linha curtas que parecem dizer mais do que à primeira vista se crê. Os decifradores de códigos não têm mãos a medir, há demasiados enigmas para decifrar, demasiados abraços e demasiada música acompanhando sentimentos que são demasiados: o mundo não poderia suportar muitos dias desta intensidade emocional, mas tão-pouco, sem a poesia que hoje se expressa, seríamos inteiramente humanos. E isto, em poucas linhas, é o que está sucedendo: morreu Mario Benedetti em Montevideo e o planeta tornou-se pequeno para albergar a emoção das pessoas. De súbito os livros abriram-se e começaram a expandir-se em versos, versos de despedida, versos de militância, versos de amor, as constantes da vida de Benedetti, junto à sua pátria, aos seus amigos, ao futebol e alguns boliches de trago largo e noites mais largas ainda.

Morreu Benedetti, esse poeta que soube fazer-nos viver os nossos momentos mais íntimos e as nossas raivas menos ocultas. Se com os seus poemas saímos à rua – lado a lado somos muito mais que dois –, se lendo “Geografias”, por exemplo, aprendemos a amar um país pequeno e um continente grande, agora, segundo as cartas que chegam à Fundação, recuperaram-se momentos de amor que deram sentido a tempos passados, e quem sabe se presentes. Isso também o devemos a Benedetti, ao poeta que ao morrer fez de nós herdeiros da bagagem de uma vida fora do comum.
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*Publicado com autorização da Fundação José Saramago
http://www.josesaramago.org/
Texto extraído do blog O Caderno de Saramago
http://caderno.josesaramago.org/.
Publicado originalmente em 19/05/2009.
A grafia é a de Portugal.

Imagem: Produzida pela Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, acerca da leitura de poemas de Mario Benedetti, por ocasião do primeiro ano de sua morte.

sábado, 8 de maio de 2010

Canção da bruma

Jorge Adelar Finatto




Senhor
quando chegar
          a minha vez
de cruzar a ponte
deixa eu levar comigo
no alforje de nuvem
          os dias de sol

as tardes
de outono

os pinheiros
da serra onde
                   nasci

deixa eu levar
o som do riacho

as antigas
conversas
da Rua São João

me concede
a memória
dos amigos
da infância

na bruma
que serei
me alcança
um bosque
e pássaros
para tecer
a minha casa    

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Poema do livro O habitante da bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998. 
Foto: J. Finatto


sexta-feira, 7 de maio de 2010

O prisioneiro da torre

Jorge Adelar Finatto


O tempo é uma torre da qual somos prisioneiros.

A distração é, talvez, a melhor maneira de aproveitar cada migalha de segundo. Esse estado de alma em que só caminhamos no presente. Sentimos que é bom estar vivo, e vivemos.

Mas como fazer pra viver por inteiro o instante?

A obsessão com a passagem do tempo só gera mais tempo perdido.

A evasão de nós mesmos, um olhar em torno da nossa ilha, um passeio sentimental com o outro, o foco em algo diferente de nós.

A nuvem rosa é um pássaro voando contra o azul.

O relógio de pêndulo sem pêndulo, calado, na parede da torre.

A areia para de escorrer na ampulheta, ou escorre mais lentamente, quando convivemos com os companheiros de travessia.

Estamos a bordo do pequeno planeta azul.

Carregamos no alforje o suprimento das manhãs.

O coração pulsa no tempo.

Estamos vivos.

Assim seja.

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Foto: J. Finatto

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Nefelindo e o aeroplano

Jorge Adelar Finatto


Juan Niebla, o músico cego que toca bandoneom na estação de trem abandonada,  traz dentro de si uma luz que cresce e se projeta nos outros, sempre que coisas nefastas acontecem em Passo dos Ausentes.


O aeroplano está destruído no chão da Praça da Ausência. O pouso forçado aconteceu na tarde de sábado. As pessoas estavam em suas casas, encolhidas em volta do fogão a lenha, quando ouviram o forte barulho.

Nefelindo Acquaviva foi encaminhado ao hospital, onde se recupera do infortúnio. Um milagre, segundo o médico. Foi a oitava queda nos últimos dois anos. Quando o colocaram na cama, depois dos procedimentos de urgência, estava com a cabeça e o tórax enfaixados. Através de gestos demorados, pediu lápis e papel.

"Ninguém alimente ilusões. Eu não vou desistir", escreveu com a letra trêmula.

O pioneiro da aviação de Passo dos Ausentes é obcecado pela ideia de ir até Porto Alegre num aparelho mais pesado que o ar por ele próprio inventado no galpão-oficina do fundo do quintal. A aeronave de Nefelindo é uma espécie de motociclo voador pintado de branco com uma águia negra desenhada nas laterais. O piloto fica dentro de um tipo de casulo. Na parte de trás tem uma chaminé e um pouco mais à frente um par de asas. Ao lado do casulo existe um pequeno bagageiro acoplado.

Como essa coisa voa é um mistério que somente Nefelindo conhece.

Naquela trágica manhã, ele decolou da pista improvisada perto do galpão, alçou voo rasante sobre as cercas, árvores e telhados. Quando contornava a torre da igreja, em direção ao sul, o motor soltou estouros e começou a falhar. O objeto voador identificado como Águia Negra perdeu altura rapidamente. Mergulhou na copa de um velho plátano e, em seguida, veio abaixo. Quem assistiu à queda – houve algumas testemunhas - não entende como Nefelindo sobreviveu. Saiu cambaleando da Águia Negra antes de desabar no chão.

A história é sempre a mesma. Trabalha durante meses na preparação da aeronave. Um belo dia fecha a casa onde vive sozinho, coloca a mala de couro no bagageiro, liga o motor e parte. Poucos minutos depois, cai.

Nefelindo usa o capacete de couro marrom e a manta branca que pertenceram ao avô, piloto na Primeira Guerra Mundial.

- As pessoas não se dão conta do que está acontecendo, costuma dizer. Estamos cada vez mais solitários e perdidos. Não temos sequer estrada em condições de chegar e sair daqui. Nem no mapa do Rio Grande do Sul nós aparecemos. Estamos cercados pela neblina e pelo mato. Ninguém sabe da nossa existência. Somos ruínas vivas.

Na noite que se seguiu ao desastre, Juan Niebla, o músico cego que toca bandoneom na estação de trem abandonada, foi até o jardim do hospital e executou canções perto da janela do quarto do invencível aviador.

Juan Niebla traz dentro de si uma luz que cresce e se projeta nos outros, sempre que coisas nefastas acontecem em Passo dos Ausentes.

Longe do mundo, caminhamos na névoa. Precisamos do calor uns dos outros. Somos poucos e invisíveis.

Nefelindo tem a nossa têmpera. Luta para atravessar as brumas da solidão. Como todos nessa cidade perdida, carrega a vocação para os altos vôos.

O resto, como diz, são os riscos de estar vivo e sonhar.

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Foto: J. Finatto

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Os desolados

Jorge Adelar Finatto




As manhãs fogem do escuro. A solidão é um negro capuz que se veste nos retirados da dor.

Tive medo de ver os escombros. Os difíceis haveres do abandono. Havia uma mulher chorando. Quem? Não divulguei.

O coração humano gira em tristes remoinhos. O traçado torto da vida. Quem puder se segure, senão cai no perau. Eu, quando escuto gente chorando, sinto breu andando à volta.

Coisas que vi. Meu coração barroco.

Aquele choro me doeu. Mas eu fui. Foi quando meus olhos a divulgaram. A mulher era uma visão sob a pérgula. Eu não sabia o que era beleza até aquele dia. Estava sentada num banco de pedra cercado de camélias vermelhas, ao lado da fonte. Havia uma escada com seis degraus que terminava no ar. Ligava lugar nenhum a parte alguma.

A casa desmoronada no íntimo da pessoa.

A mulher, sua tristeza na alma, aquela ruína. Me aproximei no cuidadoso jeito. Era uma tarde de junho como essa. E fria, fria. A mulher - a visão - fez sinal para eu parar e esperar. O que fiz nos respeitos. Ela se levantou, arrumou o vestido, olhou o céu. Entre as duas mãos largou a face molhada, os cabelos de linho, depois seguiu sozinha. Eu fui ao mundo.

Eu vivia num lugar perdido, arrostando sol e vento, sem eira nem beira. Os loucos dias no sanatório do mundo. Os ermos.

Caminhos que se andam.

Um dia de fina luz de primavera ela apareceu, veio em minha direção, pegou no braço meu esquerdo. Caminhou, caminhamos. Em silêncio. Palavras que se dizem sem falar.

A brilhante estrela caiu no meu caminho.

O punhal que me rasgava por dentro, vermelho, foi saindo, saiu.

Nos acolhemos, reunimos as raras pertenças.

Me tornei sentimento. Sentimentos.
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Foto: J. Finatto. Jardim Botânico, Rio de Janeiro.