sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Setembro, setembros

Jorge Adelar Finatto
































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Fotos: J.Finatto

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sete anjos velam à beira do poeta

Jorge Adelar Finatto


Sete anjos velam à beira do poeta. A primavera deitou lilases na cidade.  Os olhos estão apagados. As mãos nada mais seguram, nem flores, nem lápis, nem vento. Recorda o longo caminho de passos perdidos: não encontrou seu coração.  Sete anjos velam enquanto o poeta afunda na escuridão. Sete noites, sete estrelas, sete nuvens. Lembra os desaparecidos, os medos noturnos, a seca garganta da solidão, a poesia triste e inútil que cultivou. Sete anjos velam enquanto o poeta cai no esquecimento. Adormece num banco da pequena praça. Um fantasma caminha nas cercanias com seu boné e sua manta. Os anjos em suas vestes  brancas velam o poeta em volta daquele banco. Sonha com Henrique, sonha com Heitor. O difícil silêncio dos que partiram. Depois sente um ermo de fundo de pedra. Em volta da praça nascem hibiscos amarelos, vermelhos, brancos e um outro, de uma estranha cor que não tem nome.

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Desenho: J. Finatto, bico-de-pena, 1979.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O dinheiro do enterro

Frederico Vasconcelos

Dona Marineide dos Santos é uma mulher simples, de poucos recursos e letras. Não é dada a escrever cartas. Mas numa emergência, no dia 4 de novembro, usou o serviço de vale postal da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, em Tietê, interior de São Paulo, para remeter R$ 265 a um parente, em Ribeirão Branco (SP). Era a sua parte nas despesas do sepultamento de um familiar.

Dona Marineide não lida com números. Não sabe que, naquele dia, os Correios realizavam 16,7 milhões de entregas, entre as quais a sua remessa, tão emergencial. Mas o que representa um vale postal entre dois municípios, num universo de encomendas e mensagens telemáticas que exigem um exército de 80 mil empregados?

Dona Marineide desconhece as pesquisas que indicam que os Correios são a instituição de maior confiabilidade no Brasil. Sua dolorosa experiência, contudo, mostrou que o seu dinheiro, tão esperado, não chegou ao destino.

Dona Marineide não conhece a lei sobre os serviços postais, que regula os direitos e obrigações dos Correios, mas foi se informar sobre o extravio. No dia 25 de novembro, Sílvio Faria Filho, agente dos Correios, confirmou por carta que o dinheiro não entrara na agência de Ribeirão Branco.

Dona Marineide não sabe que a lei que regula o serviço postal dispõe que os Correios devem "promover formação e treinamento de pessoal sério ao desempenho de suas atribuições". Não tinha por que duvidar do sr. Sílvio, que dizia que seu dinheiro se extraviara por "falhas da burocracia".

Dona Marineide mora no campo, mas assiste à televisão. Deve ter imaginado que a tal crise chegou a um ponto em que os Correios não tinham como devolver o seu dinheiro. A crise é brava, mas os Correios ainda dispõem de fôlego para aplicar algo como mil vezes o vale postal extraviado para patrocinar uma mostra na Bienal.

Dona Marineide e seus parentes ficaram sem ver a cor do dinheiro. Mas o que representa seu vale postal diante dos R$ 45 milhões que os Correios gastam para agências premiadas de publicidade nos dizerem que os serviços postais brasileiros estão entre os mais avançados do mundo?

Dona Marineide deve ter horizontes limitados; não sabe que os Correios investem R$ 500 milhões por ano para comprar equipamentos e melhorar as técnicas de atendimento. E que obtiveram financiamento externo para contrato de R$ 31,5 milhões com duas multinacionais, que fornecerão novo sistema para rastrear objetos. Quem sabe, no futuro, extravios como o de seu vale postal não ocorrerão.

Dona Marineide não sabe o que é globalização e neoliberalismo, não deve atinar para os tais mecanismos de proteção aos consumidores. Sabe quanto custa uma passagem de ônibus para reclamar o reembolso do que lhe é devido, mas não tem idéia do que sejam as "falhas da burocracia".

Dona Marineide não lê jornais e não deverá ficar sabendo por esta coluna que, 50 dias depois de sua angústia, os Correios -em menos de uma hora- confirmaram a grande injustiça e anunciaram que o dinheiro estaria disponível na agência, naquele dia.

Dona Marineide não imagina, mas a estatal só foi ágil depois que um jornalista levou o fato ao conhecimento da assessoria da presidência da empresa, em Brasília. Convenhamos, diante da complexidade da burocracia, tratava-se apenas do dinheiro para o enterro de um anônimo, não é mesmo?

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Este texto foi originalmente publicado na Folha de São Paulo, edição de 04/01/1999. O blog agradece a autorização para publicação. 
Frederico Vasconcelos é jornalista, repórter especial da Folha de São Paulo. Mantém o Blog do Fred (blogdofred.folha.blog.uol.com.br) ,  um dos mais importantes e acessados da área do sistema judicial brasileiro.
Pelos seus trabalhos, recebeu, entre outros, o Prêmio Esso, o Prêmio Bovespa de Jornalismo, o Prêmio BNB de Imprensa, o Prêmio Icatu de Jornalismo Econômico e foi finalista do "Premio a la Mejor Investigación Periodística de un Caso de Corrupción", do Intituto Prensa y Sociedad e Transparency International Latinoamérica y El Caribe.
Nas horas vagas, dedica-se a outro teclado: toca piano (Jazz e MPB).
E-mail: fvasconc@folhasp.com.br

Ilustração: arte do blog

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Os fascistas

Jorge Adelar Finatto

Os fascistas
escolhem sempre
as prisões
à benignidade do sol

mas os poetas
continuarão
violando
as sombras

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Poema do livro O Habitante da Bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Conversa sobre livros

Jorge Adelar Finatto


Na última sexta-feira, dia 10/9, encontrei-me com cerca de 220 alunos da Escola Estadual João Correia, em Canela, para uma conversa sobre ler e escrever, livros e leitura. Os meus interlocutores eram meninos e meninas de sexta a oitava séries, na faixa etária dos 11 aos 16 anos. O convite da escola surgiu a partir da doação que fiz de exemplares de meu livro Memorial da Vida Breve.

No início do encontro, falei da importância dos livros na minha vida. Cada livro abre portas e janelas no coração e na mente, ajuda nas nossas escolhas, a construir caminhos. Destaquei o ato de escrever e, principalmente, ler.

Escrever, até como desabafo, é uma forma de se conhecer melhor e conhecer o outro. Nem todo mundo precisa tornar-se escritor, mas todos deveriam escrever.


Escrever e ler são atos de busca-vida.

Alunos leram alguns poemas do livro. Na voz deles, os textos ganharam vida, ficaram até mais bonitos. Outros estudantes fizeram pinturas sobre o que leram, que ficaram expostas na parede.

Gostei muito do interesse, das perguntas, das manifestações e da troca que o encontro proporcionou. Saí de lá enriquecido e mais feliz do que quando cheguei.  E, pelo que senti , esses adolescentes têm condições de ir longe  e melhorar o  país. Merece ser ressaltado o trabalho da direção e dos professores, aos quais agradeço na pessoa da professora Andréia Padilha Jardim.
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Foto: ilustração dos alunos sobre textos do livro Memorial da Vida Breve, Editora Nova Prova, Porto Alegre, 2007.

sábado, 11 de setembro de 2010

Arrumar a biblioteca, arrumar a alma

Jorge Adelar Finatto

Fazia perto de 20 anos que não arrumava os livros no capricho. Muitas mudanças de casa e de cidade deixam a gente com um  jeito andarilho, desorganizam nossas coisas.

Não há biblioteca que resista aos  cansativos itinerários dos caminhões de mudança da vida de juiz.

Meus livros rasgaram comigo o mapa do Rio Grande do Sul. Nunca nos separamos. Não são apenas folhas de papel. Existe vida pulsando nessas páginas.

Passei cerca de três semanas, em julho, na dura lida de subir na escada, baixar livros das estantes, tirar pó, consertar páginas e capas feridas, agrupar os volumes por gênero e áreas do conhecimento, pôr em ordem alfabética e, finalmente, subir na escada novamente e colocar cada livro no seu lugar.

Aproximadamente mil livros compõem o acervo, entre  obras de poesia, contos, romances, ensaios, novelas, crônicas, diários, biografias, artes, filosofia, artigos, reportagens, etc. Os jurídicos estão num lugar à parte.  Alguns volumes me acompanham desde a adolescência. Comprei-os a partir dos 17 anos, com o salário do primeiro emprego que consegui (porteiro noturno da escola particular onde estudava).

Não venho de uma família de leitores. Os livros não faziam parte dos objetos da casa, não existiam no nosso cotidiano de gente pobre, salvo alguns estritamente necessários na escola, comprados com sacrifício.

Costumo lembrar esta história: certa ocasião, minha mãe comprou uma máquina de costura e junto com ela ganhou dois livrinhos de brinde, duas antologias de poesia, uma de poetas brasileiros e outra, portugueses (são os mascotes da biblioteca). Foram os primeiros livros de literatura que entraram lá em casa.

Muitas e muitas famílias não podem ter um único livro. A sobrevivência leva todos os tostões. O certo é que cada família tenha condições de comprar livros. Nenhuma família sem livros, essa será sempre uma nobre luta. Enquanto isso não acontece, as empresas poderiam criar o hábito de dar livros de presente aos seus clientes.

Voltando à arrumação das estantes, terminada a tarefa, me senti outra pessoa, alguém que podia alegrar-se e orgulhar-se de ver os livros organizados depois de tanto tempo.

A alma ficou mais leve, porque sei que agora, enfim, Saramago vizinha com Sartre, Manuel Bandeira tece boas conversas com Manoel de Barros e Jorge Luis Borges, enquanto Cecília Meireles e Maiakóvski trocam confidências e dão-se as mãos nas caminhadas que fazem pelo bosque cheio de vida e silêncio da biblioteca.

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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Gullar, palavra na escuridão, completa oitentanos

Jorge Adelar Finatto


10 de setembro de 1930, Rua dos Prazeres, São Luís, capital do Maranhão. Nasce José Ribamar Ferreira. No dia de hoje, cercanias da primavera brasileira, ele completa 80 anos. José Ribamar Ferreira e Ferreira Gullar são a mesma pessoa, o  último é o reconhecido poeta, que resgatou da escuridão gentes, nomes, histórias, dias, vidas que, de outra forma, estariam afundados no subsolo do esquecimento.

O seu Poema Sujo, entre tantos, trabalha a matéria fugidia  e delicada do oblívio, inventa luz e instala memória onde havia uma  espessa camada de pó e silêncio. Constrói sentidos em busca do ser-no-mundo. O poema vertido em forma, em som,  em terra, em lenta e invisível lágrima.

O poeta carrega muitas vozes, muitas vidas, na sua voz, na sua vida.

A Ferreira Gullar, no seu dia, todas as manhãs e palavras, e um pedido: por nós, seus leitores, continue construindo poemas em busca da aurora. 

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Texto sobre o Prêmio Camões 2010, atribuído a Gullar, no post de 07/06.

Foto: Ferreira Gullar. Site oficial do poeta:
http://literal.terra.com.br/ferreira_gullar/