sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Pedaços de vida

Jorge Adelar Finatto


Claudionor, o Anacoreta, recebeu-nos como irmão na sua caverna no Contraforte dos Capuchinhos. Fazia um frio de - 2º . Dormimos em volta do fogo armado no chão. Não foi possível  observar o céu com o famoso telescópio do nosso anfitrião, por causa da espessa névoa. Nas noites claras, ele costuma mirar o universo à procura de sinais de Deus.

Pelas cinco e meia da manhã, Claudionor preparou o café, passado como antigamente, em saco de pano, a chaleira de água fumegando. O pão que ele faz não tem nada parecido neste mundo. Depois da oração (de mãos dadas, como quer Claudionor) e do abraço, embarcamos, Juan Niebla  e eu, no Besouro Vermelho e seguimos viagem.

Niebla não precisa que o conduzam, anda por todo lugar com  seus secretos sensores e sua bengala. O comprido capote preto,  os óculos escuros, redondos, de tartaruga, o bandoneón pendurado no ombro e uma rara sensibilidade  fazem dele um ser único.

A estrada que desce até São Francisco de Paula tem uma inclinação severa e perigosa. A visão deslumbrante do encontro dos Campos de Cima do Esquecimento com os Campos de Cima da Serra entontece o viajante. Entusiasmado com a abertura da exposição de fotografias, na tarde de hoje,  em Gramado, Niebla tocou algumas músicas durante o percurso,  dentro do side-car. 

Dois loucos viajando num motociclo musical  pelas sinuosas estradas da serra. Andamos com a cara no frio, rasgando o vento.  Coração aceso.

Retratos são esses instantes efêmeros, pedaços de vida, recolhidos num luminoso olhar.

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Foto: J. Finatto, da exposição Retratos. Abertura hoje, 18h, na Cafeteria Bello Gusto, Gramado, Av. Borges de Medeiros, 2193, centro.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Retratos, exposição em Gramado

Jorge Adelar Finatto



Estou saindo agora de Passo dos Ausentes com o velho motociclo Besouro Vermelho. Levo no side-car meu amigo Juan Niebla, o músico cego que toca bandoneón na estação de trem abandonada da cidade. Começamos a atravessar o Vale do Olhar em direção ao Contraforte dos Capuchinhos.

A densa neblina fecha todos os caminhos. O frio é intenso e venta como sempre. Vamos devagar pela estrada de chão batido, escorregadio. Contornamos os abismos com medo e  esperança. A cabeleira branca  de Niebla voa pelas bordas do boné de couro marrom. Pretendemos dormir hoje na caverna de Claudionor, o Anacoreta. Dali partiremos cedo na manhã de sexta e percorreremos 100 quilômetros adiante e para baixo, até São Francisco de Paula. Depois, Canela e, enfim, Gramado, estação final. 

Saímos dos Campos de Cima do Esquecimento, a 1800 metros de altitude, e vamos para os Campos de Cima da Serra,  que ficam a 800 metros do nível do mar.

O motivo da viagem é a inauguração da minha exposição Retratos, que ocorrerá amanhã, 12/11, às 18h, no Café Bello Gusto, em Gramado. O fundo musical do evento estará  nas mãos de Juan Niebla. No programa, peças de Piazzolla, irmãos Gershwin, Villa-Lobos e Hermeto Pascoal.

Alberta de Montecalvino promete receber os que aparecerem com o espumante moscatel Postal da Ausência acompanhado de fatias do delicioso bolo caseiro que só ela sabe fazer. A entrada, assim como o abraço, é de graça. Quem quiser confirmar presença pode ligar e falar com Mocita de La Vega.
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Foto da exposição Retratos: J. Finatto

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Construção

Jorge Adelar Finatto


Eu sou o que me construo
entre um apocalipse e outro
uma aurora e outra

Sou como essas partículas
de luz
que se expandem no espaço
flutuam nas alturas solitárias

Traço o poema
entre um abismo e outro
uma alegria e outra
e avanço
apesar do nevoeiro

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Poema do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
Foto: J. Finatto

terça-feira, 9 de novembro de 2010

José e Pilar

Jorge Adelar Finatto


Uma perda irreparável o acabar de cada dia. 
José Saramago*

Assisti ao documentário José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes, que está sendo lançado no Brasil e em Portugal. O filme mostra como era o cotidiano dos últimos anos de vida do escritor e poeta português José Saramago ao lado de sua mulher, a jornalista espanhola Pilar Del Rio. Saramago morreu em 18 de junho passado, aos 87 anos, na ilha de Lanzarote, situada no arquipélago espanhol das Canárias, onde vivia. A filmagem estendeu-se por três anos.

A sinceridade e a abertura do escritor ao deixar-se mostrar na vida doméstica e no trabalho são tocantes. Não há pose, há o José Saramago inteiro, homem e cidadão.  Coisa rara nesses dias. Frases espontâneas, simples e profundas, comentários sobre a vida, a morte, os direitos humanos, a difícil situação do planeta, tudo ele compartilha com a naturalidade de quem conversa em volta da mesa. Aquele que nasceu de uma família muito  pobre, na aldeia de Azinhaga, e que consolidou uma carreira literária depois dos 50 anos, tem uma solidez de princípios, integridade e humanismo comparável à das rochas vulcânicas da ilha onde viveu.

O documentário capta o escritor em sua casa e viajando pelo mundo, dentro de aviões, aeroportos, hotéis, em sessões de autógrafo, conferências, entrevistas, homenagens e no dia-a-dia com Pilar Del Rio. Pilar não é apenas coadjuvante do primeiro Prêmio Nobel de Literatura de Língua Portuguesa (1998), é a companheira que trabalha incessantemente, com seu talento e suas ideias, interlocutora permanente. Impressiona o quanto o casal se amava e se completava, cada um com sua individualidade, ambos personalidades fortes.

De tudo que li e vi de Saramago, com o acréscimo deste excelente documentário, fica-me a impressão de que ele foi o escritor mais lúcido, solidário e comprometido com o lado humano que tivemos nas últimas décadas em todo o mundo.

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* Frase dita pelo escritor no documentário.
Foto: José e Pilar. Cena do filme. Divulgação.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Alberta de Montecalvino

Jorge Adelar Finatto



Veneza é o sonho de toda Colombina. Eu passei a vida em Passo dos Ausentes. O que é esse lugar? Um território perdido no vento. A neblina, o frio e a chuva povoam a cidade o ano inteiro. Habito com amargura e ironia esta estação de fim de mundo.

Casei-me aos 16 anos com Dom Alberto de Montecalvino, o Solitário da Biblioteca. Na época ele contava 69 anos. Desde aquele quando, passei a viver neste austero castelo de basalto e vidro. Hoje tenho 70 anos, sou deveras viúva e, às vezes, me perco nos salões da memória. As intermitências.

Daqui de cima, na larga janela da biblioteca, avisto o Contraforte dos Capuchinhos. Gosto muito dessa visão porque por ali é que se vai embora de Passo dos Ausentes. Mas nunca passei naquela estrada. Dom Alberto me pediu que jamais o fizesse. Os medos. Atendi o bom homem. Passaram-se os anos.

O muito amado do meu coração é Pedrolino. Dom Alberto sempre soube, suportou, era como um pai pra mim. O meigo Pedrolino. Amoroso e fiel. Seu amor é casto e resignado. Tem as delicadezas.

Arlequim é o senhor das labaredas. Inconstante e fútil. Nunca vem ao meu coração. Tem meu corpo, jamais minha alma. Com ele muito me rio, é engraçado, leviano. Incapaz de amar alguém além de si mesmo. Não tem sentimento.

O corpo tem fome e a fome seus apetites. Arlequim é malicioso, egoísta, por isso sabe agradar quando quer. Pedrolino é terno, quase um menino, vai direto ao assunto. Não conhece as sutilezas.

Quem pudera reunir, na mesma pessoa, as gratas virtudes. O mundo humano foi bordado imperfeito, eu sei. Tal felicidade ninguém merece.

Ambos os dois, Arlequim, o devasso, e Pedrolino, o amado, são a minha devoção. Cada qual no seu momento. Sou a Senhora da Biblioteca. Viúva mui constante em negras vestes de luto. Os respeitos a Dom Alberto. Tenho a minha idade. Cultivo as devoções, no discreto.

Não me julguem tão depressa. Poupem-me da vossa moral de almanaque. De metafísica e solidão o cemitério está cheio. Conheço os reveses. Eu vivo os enquantos.

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Foto: J.Finatto
Texto publicado no blog em 14/6/10.

Baltasar Garzón espera condenação por investigação de crimes do franquismo amnistiados*


O juiz espanhol Baltasar Garzón afirmou-se hoje convicto de que está a ser preparada uma sentença condenatória contra si, depois ter sido processado por prevaricação por querer investigar os crimes do franquismo amnistiados.

Garzón, 55 anos, disse no entanto que não se arrepende da iniciativa que tomou, apesar da mesma ter levado à suspensão das suas funções como magistrado da Audiência Nacional a 14 de Maio passado.

“O que quero é que esta situação transitória termine e que haja um resultado qualquer que ele seja, mas se me perguntar qual pode ser, claramente penso que o julgamento está já estabelecido e pré-determinado”, disse aos jornalistas, à margem do Estoril Film Festival, iniciativa na qual participa como convidado.

Questionado sobre qual será a decisão da justiça espanhola, respondeu: “Nesta altura é difícil pensar que não é uma sentença condenatória”.

“Não se chegaria até aqui se não fosse para um resultado desses”, considerou o juiz que se tornou conhecido por ter conseguido em 1998 a detenção do ex-ditador chileno Augusto Pinochet e lutou também contra a impunidade de crimes da ditadura argentina.

“Não posso arrepender-me daquilo que decidi em função da atividade judicial com análise das resoluções e das leis aplicadas ao caso, interpretando-as com o objetivo de investigar esse crimes e proteger as vítimas”, afirmou, sublinhando que atuou com base em queixas das associações de memória histórica e de vítimas particulares e seguindo o procedimento que tinha tomado em casos similares.

Baltasar Garzón defendeu que é importante que a investigação se faça e lembrou que as queixas contra si partiram de grupos da extrema-direita espanhola.

“Essa investigação é necessária, é conveniente e pode ser defendida legalmente”, disse, acrescentando que, com base na lei interna (espanhola) e na própria legislação internacional sobre direitos humanos e em resoluções dos tribunais internacionais, “é verdadeiramente difícil assumir que se tenha cometido um delito”, ao fazer a interpretação que fez.

O juiz manifestou-se desejoso de que haja uma decisão, embora ainda não tenha sido apontada qualquer data para uma decisão do Supremo Tribunal de Espanha, onde o caso está a ser apreciado.

Aos jornalistas, Baltasar Garzón não deixou de notar que, numa primeira fase, até à sua suspensão de funções da Audiência Nacional a tramitação do processo avançou “de forma rápida ou normal” e desde então isso não tem acontecido.

“Ninguém gosta de estar sentado no banco dos réus”, respondeu o juiz em resposta a uma pergunta sobre como se vê nessa situação, mas sublinhou que a acusação foi feita “por defender uma interpretação da lei, por defender a investigação de crimes que têm a categoria de crimes contra a humanidade” e considerando que “é uma vergonha para Espanha que não se investiguem estes crimes”.

O ‘super juiz’, como é muitas vezes designado, está actualmente como consultor no Tribunal Penal Internacional (TPI), funções que exercerá até Dezembro e não sabe se continuará.

“Em princípio o período (de funções no TPI) ficará concluído em Dezembro. Não estou a pensar fazê-lo (continuar), mas se me pedirem ficarei com gosto, porque o trabalho é interessante e há muitos casos abertos nos quais estou a trabalhar como consultor e estaria interessado em acompanhá-los”, afirmou o juiz, sem desvendar o que pensa fazer no futuro.

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*Notícia extraída do site da Fundação José Saramago em 7/11/2010
http://www.josesaramago.org/  


Fonte: publico.pt

A grafia é a de Portugal.

Cláudio Accurso na Feira do Livro

Jorge Adelar Finatto

No país desigual que temos, os saberes em
ciências sociais estiveram presentes em sua modelagem ou servem apenas para explicá-lo?

Essa frase de Cláudio Accurso nos dá uma ideia do percuciente caminho que percorreu na elaboração de Aportes de Desenvolvimento Econômico, obra que autografará nesta segunda-feira, às 15h30min, na Feira do Livro de Porto Alegre.

Economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Accurso não se limita ao domínio exemplar da técnica do seu metiê. Vai muito além, a bordo do substrato humanista que impregna o saber científico. Leva-nos a pensar com sentimento, provando, uma vez mais, que não existe sabedoria longe do coração.
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Lançamento da Editora da UFRGS, IEPE e Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas da universidade federal.