sábado, 14 de maio de 2011

Palavras com pássaros dentro

Jorge Adelar Finatto


Escrever coisa leve, talvez bonita. Eu gostaria de ver o mundo com bons olhos nessa manhã de maio. Uma frase, um verso com pássaros e arroios cantando dentro. A mesa posta para o café da manhã com os amigos, a conversa e o abraço depois de tanto, tanto tempo. Caminhei através dos segredos e das almas da noite. Vi coisas e precipícios de que não quero recordar. Arrastam-se sombras no átrio da aurora. Queria dizer um barco branco com uma vela lilás nas águas calmas do amanhecer. Queria encontrar a garrafa com a urgente e cálida mensagem para os habitantes das ilhas. Os moradores das ilhas foram viver na cidade, levando as ínsulas no coração, com seu isolamento, sua inocência perdida, a distante memória dos peixes. Estou entrincheirado na primeira claridade. Um farol iridescente desliza entre as nuvens, o pássaro inaugura o canto no galho invisível dessa manhã.


___________

Foto: J. Finatto

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A vida com arte

Jorge Adelar Finatto




A arte é uma espécie de olho mágico que nos permite conhecer e viver outras vidas além da nossa. A obra que toca nossa emoção e nossa consciência é a mesma que nos retira do aqui e agora, nos faz transcender e ver além. Aí estão a música, os livros, os filmes, a pintura, a escultura, a fotografia, o artesanato (suas mil formas e materiais) e tudo o mais que as pessoas criam com desvelo e sentimento. Um prato de comida pode ser uma obra de arte, assim como uma casa limpa e arrumada com gosto, um jardim bem florido e cuidado, uma boa conversa. A natureza também está cheia de arte e graça. Por tudo isso, sou grato a Deus e aos que criam coisas capazes de aumentar nossa percepção sobre os seres e o mundo. Palavra após palavra, imagem após imagem, sentido após sentido, a gente vai se construindo a cada instante. 


____________

Foto: J. Finatto 

terça-feira, 10 de maio de 2011

A hora da solidão

Jorge Adelar Finatto



Porque a vida é breve, não há certeza de nada e a grande arte é levantar-se depois do tombo. Porque o amor roçou o coração como um vento frio e foi embora. Porque há uma casa na sombra e alguém abandonado lá dentro. Porque ele a procurou em muitos lugares. Porque sente que ela não voltará. Porque a noite chegou e ele não sabe o que fazer com o que restou da sua presença. Porque precisa vencer sozinho o medo do escuro. Porque é hora de varrer os destroços, reinventar a vida e não morrer de solidão.


______ 

Foto: J. Finatto 

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Ausência

Jorge Adelar Finatto




Eu chamo teu nome
                            no escuro
no escuro meus olhos procuram
                                       procuram
até secar de tanta espera



________

Poema do livro Claridade, Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1983.
Foto: J. Finatto
 

sábado, 7 de maio de 2011

Maureen Bisilliat: exposição de fotografias sobre o universo de João Guimarães Rosa



“Aprecio imagens aliadas à escrita, frases escolhidas definindo melodicamente a linha da orquestração. Em livros como os de Diane Arbus (1923-1971), de Nan Goldin (1953), há essa orquestração: ritmos, silêncios, acordes, vazios. A palavra, escolhida da produção literária ou pinçada do testemunho biográfico, vem da fala íntima da pessoa, destilada. Seria quase como escrever com a imagem e ver com a palavra.” (Maureen Bisilliat)

A exposição A João Guimarães Rosa permite um olhar simultâneo sobre a produção fotográfica e a produção editorial de Maureen, revelando tanto a fotógrafa como a editora de imagens e textos nesta exposição sobre Guimarães Rosa e o universo do sertão brasileiro e dos seus personagens. Os seus ensaios fotográficos foram sempre concebidos e apresentados em fortes sequências visuais que sintetizam a visão da autora sobre os universos do real e do imaginário, compondo aquilo que denomina de equivalências fotográficas das obras literárias que nortearam o seu trabalho.

Maureen Bisilliat nasceu em Englefieldgreen, Surrey, Inglaterra, em 1931. Estudou pintura com André Lhote em Paris (1955) e no Art Students League em Nova Iorque (1957) antes de se fixar definitivamente no Brasil em 1957, na cidade de São Paulo. Trabalhou como fotojornalista para a Editora Abril entre 1964 e 1972. Autora de importantes livros fotográficos inspirados em obras de grandes escritores brasileiros, expõe em 1985 em sala especial na 18ª Bienal Internacional de São Paulo. Em Dezembro de 2003, a sua obra fotográfica completa, composta por cerca de 16.000 imagens, foi incorporada no acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles (IMS) no Rio de Janeiro em função da sua inquestionável relevância no âmbito da fotografia e da cultura brasileiras.

A Casa Fernando Pessoa e o Instituto Moreira Salles sentem-se honrados em trazer esta exposição para Portugal, pois entendem que a síntese entre imagem e texto que Maureen Bisilliat realiza nesta mostra em homenagem a Guimarães Rosa possibilitará ao público português aproximar-se ainda mais deste autor da língua portuguesa que reflecte e regista na sua obra aspectos profundos e determinantes da cultura brasileira, evidenciados igualmente nas marcantes imagens de Maureen aqui reunidas.

A exposição conta ainda com o apoio do Bairro Alto Hotel.


Câmara Municipal de Lisboa
Casa Fernando Pessoa
R. Coelho da Rocha, 16
1250-088 Lisboa
Tel. 21.3913270
Autocarros: 709, 720, 738 Eléctricos: 25, 28 Metro: Rato

Notícia e imagem reproduzidas do site da Casa Fernando Pessoa. A grafia é de Portugal.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O cão vermelho

Jorge Adelar Finatto


Na seção de classificados do jornal, leio o anúncio: procura-se cão, cor vermelha, cego de um olho, que atende pelo nome de Pirata. Gratifica-se quem devolvê-lo ao dono.

Pirata, cego de um olho, vermelho, imagino que só pode pertencer a um velho homem do mar, alguém que, aposentado das artes da navegação, fixou-se no continente com o animal de estimação.

Provavelmente o cão fez a volta ao mundo várias vezes com seu capitán.

Pirata estranhou, talvez, a vida em terra, viu-se tão perdido que se perdeu na cidade. O pobre cachorro deve estar mareado com tanta violência, indiferença e falta de horizonte. No navio ele era único, o cão do seu capitán. Aqui é apenas mais um desconhecido, ninguém se importa.

A cidade não presta atenção em quem vai, em quem chega, em quem desaparece. Tudo some em suas ruas, em seus dramas, em seus obscuros labirintos. Anônimos, cada um de nós carrega sua solidão, sua dificuldade de viver, sua falta de abraço. Ainda que nos pintássemos de vermelho, como Pirata, decerto ninguém ia notar. Muitos não teríamos sequer um dono para reclamar por nós num anúncio de jornal.

____________

Foto: J. Finatto. Porto Alegre, vista do barco.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Don't leave me

Jorge Adelar Finatto
to Chet Baker




Don´t leave me
provide the night
with your suplly
of affection

fill the desert
with your steps

in secret
give me back
the daintiness
of those days

give me once again
the diamond
of your
presence

____________

Poem from the book O habitante da bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.
Foto: J. Finatto