sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Conde de Lautréamont e as magnólias

O Cavaleiro da Bandana Escarlate

As magnólias só se entregam a quem foge das salas fechadas, numa tarde azul.


photo: j.finatto

Saio a passear na tarde azul de Gramado (enfim, o azul voltou), fugindo da sala escura do cinema, numa espécie de vingança, após esses dias de claustro. Levo comigo o poeta Isidore Ducasse (Montevidéu, 1846 - Paris, 1870), que me acompanha nessa aventura ao Festival de Cinema. O amável e tristonho Conde de Lautréamont, como gosta de ser chamado, habita o velho e grosso volume de Os Cantos de Maldoror.   

Como é de seu costume, Lautréamont resolveu sair das páginas do livro e me faz companhia durante a viagem. Ele gosta de ficar na mesinha diante da janela do quarto de hotel. Escreve coisas a lápis num antigo calepino. Às vezes, levanta-se e olha a cidade e seus telhados. Observa o Vale do Quilombo em frente. Ali, de vez em quando, uma águia mergulha em diagonal entre os penhascos, após emitir estridente guincho.

Com sua roupa do século XIX, colete e gravata de lacinho, anda a meu lado pelas ruas calmas. Fica muito admirado de ver tanta gente jovem conversando animadamente, entrando e saindo dos cafés, do cinema, ocupando a praça, tirando fotografias. Tudo tão diferente da minha triste vida em Montevidéu e Paris - confidencia.


photo: j.finatto

Fica encantado com o brilho das magnólias que povoam a cidade. Elas se parecem muito com aquelas que havia no jardim lá de casa, na Ciudad Vieja, diante do Rio da Prata - diz o poeta.

O meu amigo tem razão de emocionar-se. As magnólias são o grande espetáculo de Gramado e do resto da serra gaúcha no inverno. Contudo, poucos se dão conta disso.

As magnólias só se entregam a quem foge das salas fechadas, numa tarde azul.

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O Cavaleiro da Bandana Escarlate, menestrel medieval e livre-pensador, faz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado para o blogue a convite de Alberta de Montecalvino. Como o blogue não tem mecenas, o Cavaleiro paga todas as suas despesas e acha que está muito bem assim.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Na tarde fria e nevoenta de Gramado, todos somos celebridades

O Cavaleiro da Bandana Escarlate

photo: j.finatto

Alguns haverão de encontrar encanto em sair do cálido quarto de hotel, abandonar a leitura da antologia de contos de Juan Carlos Onetti e mergulhar na paisagem gelada e nevoenta de Gramado para assistir filmes no Festival de Cinema. Tenho lá minhas dúvidas sobre isso.


photo: j. finatto

No hotel onde estou hospedado há tantos astros, estrelas, diretores e gente envolvida com cinema, que até um anônimo como eu chama a atenção. Tenho participado de variadas rodas sobre temas relacionados ao mundo da tela grande. Não que eu queira. Simplesmente me pegam pelo braço no corredor, no café, no jardim, como se fosse um deles, e me levam pra lá, pra cá.


photo: j.finatto

Não é de bom tom perguntar-se o nome dos outros nesse ambiente, supondo-se que entre nós, celebridades, existe o recíproco reconhecimento. A mim chamam-me Carlos, o Carlinhos do 707. Pertenço agora à malta. Eu, que sou como um peixe navegando nesses mares de Deus, sempre gostei deste nome e já agora me sinto à vontade com a nova identidade.

Um diretor famoso cismou de dizer, num desses encontros, que, no início da carreira, trabalhou como meu assistente num filme, que eu lhe dei a primeira oportunidade. Espantado, tentei dizer que não, não era bem assim. Mas ele imediatamente retrucou:

- Além de tudo, humilde.

Os presentes aplaudiram. Limitei-me a esboçar um tímido aceno.

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O Cavaleiro da Bandana Escarlate, menestrel medieval e livre-pensador, faz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado para o blogue a convite de Alberta de Montecalvino. Como o blogue não tem mecenas, o Cavaleiro paga todas as suas despesas e acha que está bem assim.

Festival de Cinema de Gramado 2011. Com licença, realidade: chegou a hora da ilusão (V)

O Cavaleiro da Bandana Escarlate


photo: j. finatto

Troféu Oscarito. A cerimônia de entrega do Troféu Oscarito a Fernanda Montenegro, 81 anos, ontem à noite, no Palácio dos Festivais, foi simples e emocionante. A grande dama do teatro, cinema e televisão mostrou, em poucas, justas e ternas palavras, a sua nobreza, serenidade e qualidade humana. Lembrou do extraordinário ator Oscarito, que chegou a conhecer, e também do ator Ítalo Rossi, com quem trabalhou várias vezes, que morreu na semana passada. Fernanda, não bastasse o talento que Deus lhe deu, é alguém que nos transmite dignidade, confiança, gratidão, carinho. O teatro encheu-se de aplausos para a atriz.


Fernanda Montenegro, à direita. photo: j.finatto


La lección de pintura. Um belo longa-metragem chileno, com fotografia intensa e impecável. O diretor Pablo Perelman disse que retirou a história de uma pequena novela (não mais do que 35 páginas) de um escritor de seu país que também era pintor, já falecido, adaptando-a. Um menino filho de mãe solteira, numa cidadezinha do interior do Chile, considerado um gênio da pintura, tem sua trajetória bruscamente interrompida pelo golpe militar contra Salvador Allende. Há também a complexidade psicológica dos personagens, a narrativa precisa e humana. É um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos.

As híper mulheres. Impressionante longa brasileiro, na linha do documentário. Aborda o povo indígena Kuikuro, do Alto Xingu, no estado do Mato Grosso.  O filme trata do maior ritual feminino daquela região, o Jamurikumalu. Mostra a cultura daquele povo e, nela, a forte presença feminina em relação àquele rico universo. Dirigido por Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro.

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O Cavaleiro da Bandana Escarlate, menestrel medieval e livre-pensador, faz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado para o blogue a convite de Alberta de Montecalvino.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Festival de Cinema de Gramado 2011. Com licença, realidade: chegou a hora da ilusão (IV)

O Cavaleiro da Bandana Escarlate


photo: j.finatto


Depois de um dia trevoso, submerso em chuvas, no fim de tarde o astro-rei mostrou a tímida face entre as pesadas nuvens. Tão reticente chegou, cedo partiu. A névoa veio e tomou conta de Gramado. Na noite, mais chuva. Este foi o cenário dessa segunda-feira, 08 de agosto.

O Festival de Cinema, nesta 39ª edição, começou oficialmente na sexta-feira, com os salamaleques de costume, e se estenderá até o próximo dia 13.

O tempo é curto, a esperança de bons filmes é longa. 

Conforme prometido no post do dia 10 de julho, aqui estou para as primeiras impressões. E começo por onde devia terminar.

Conclusão. Os cineastas brasileiros podiam inspirar-se um pouco no trabalho de seus colegas argentinos e fazer um cinema melhor. Uma temporada na Argentina seria de grande valia para o nosso cinema.  A arte cinematográfica que se realiza no vizinho país do Rio da Prata está num patamar bem mais elevado do que a feita aqui na Terra de Santa Cruz. Se há algum nacionalista incomodado na sala, favor não atirar neste comentarista-por-acaso.

Medianeras Buenos Aires. Este filme argentino, exibido na noite de sábado, vem no caminho do belo cinema produzido no país irmão, nos últimos 20 anos, pelo menos. Concorrente ao prêmio de melhor filme estrangeiro, conta a história de um homem e uma mulher, ambos jovens, solitários, vizinhos que nunca se encontram. Vivem perto, mas ignoram a existência um do outro. Medianeras são paredes que separam os edifícios. O filme fala de solidão, de incomunicabilidade, da dureza da vida na cidade. Direção de Gustavo Taretto.

A melhor idade.  Entre os quatro curtas-metragens exibidos na mostra competitiva, na tarde de segunda, o que mais me chamou a atenção foi A melhor idade, dirigido por Angelo Defanti. Conta a história de um velho de 70 anos, viúvo que vive sozinho, doente de diabetes, em estado avançado. Tendo de escolher entre o tratamento da doença, cujo sinal mais visível é uma enorme ferida na perna direita, e o pagamento mensal da assinatura da tv a cabo, escolhe esta última. "Aos 70 anos, quem precisa de pernas?", é a pergunta que faz o irônico Antenor. A interpretação de José Wilker, no papel do velho, é excelente.

Polaroid Circus. Direção de Marcos Mello e Jacques Dequeker, este curta foi filmado em Paris. A personagem Maria sai pela cidade a fotografar artistas de rua com sua Polaroid, tendo como fundo musical o envolvente solo de saxofone de um músico negro e cego que toca seu instrumento nas margens do Sena. O trabalho apresenta dois grandes momentos: a brilhante fotografia de Jacques Dequeker e a ótima trilha sonora de Alexandre Guerra. O filme é bom, no geral, mas acho que a história poderia ser melhor.

La lección de pintura. A minha boa expectativa para esta terça é o chileno La Lección de pintura, dirigido por Pablo Perelman, que passará logo mais às 19h.

Rubens Ewald Filho. Antes disso, pretendo ir ao Hotel Serra Azul, às 15h, para ouvir o lúcido crítico e estudioso Rubens Ewald Filho falar sobre cinema.

Fernanda Montenegro. A grande atriz brasileira será homenageada no Palácio dos Festivais, às 20h45min, com o Troféu Oscarito. Estarei lá com minha emoção e meu aplauso.

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O Cavaleiro da Bandana Escarlate, menestrel medieval e livre-pensador, faz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado para o blogue a convite de Alberta de Montecalvino.

Canção sem acordes

Ricardo Mainieri


photo: j.finatto



Deixarei o conformismo
jogado na lata de lixo.

Despirei os uniformes
do cotidiano
o bom-dia formal
o sorriso-gatilho no rosto.

Estou enjoado
frases feitas
pratos feitos
da revolta que não é feita.

Sou um homem
no macrocosmo dos espelhos
tonto
mas não vou tombar.

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Do livro A travessia dos Espelhos. Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1990.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Os sinos de bambu

Farandolino Brouillon

photo: j.finatto

No pátio em volta da casa, habitam sinos de bambu. Sempre é bom tê-los por perto. Passam sossego e iluminam o espírito. Um deles está pendurado na caneleira, em cujo tronco se enroscam e brotam os primeiros jasmins, antecipando a primavera.

Os sinos soam suavemente ao leve toque do vento.

Esta é a música que gosto de ouvir nas manhãs e tardes andarilhas de agosto. Quando acontece de madrugada, e acontece de estar acordado, também aprecio ficar ouvindo.

A melodia que nasce dos sinos de bambu nunca se repete, nunca é a mesma. Cada uma tem um jeito único.

Às vezes os sinos tocam ao mesmo tempo, conversando entre si.

É bom fechar os olhos e caminhar no bosque de sons dos sinos de bambu.

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Farandolino Brouillon é poeta em Passo dos Ausentes.

sábado, 6 de agosto de 2011

Tara McPherson, a persistência do coração

Jorge Adelar Finatto


A artista desenha figuras femininas com um buraco em forma de coração no peito. São os rompimentos amorosos, as duras perdas, o dilaceramento dos afetos, num mundo que se esforça por afastar o sentimento da vida humana.


Sempre me surpreende a capacidade dos humanos em fazer arte, apesar da estrovenga em que o planeta está mergulhado, mercê do grande empenho destrutivo dos donos do poder e do dinheiro em todos os países do mundo.

Conheci uma breve mostra do trabalho da americana Tara McPherson. Ela nasceu em São Francisco, Califórnia, em 1976.

Quando surge uma artista como Tara, em condições de observar as coisas do mundo e traduzi-las para nós em forma de arte, devemos agradecer a Deus por isso.

A absurda cultura do consumo e a imposição de personalidades patéticas como referência de valor artístico e sucesso midiático deixam pouca margem ao pensamento crítico e criativo. É raro alguém desenvolver criatividade em meio a padrões tão rígidos de valorização do pueril.

Tara desenha figuras femininas com um buraco em lugar do coração no peito. São os rompimentos amorosos, as duras perdas, o dilaceramento dos afetos, num mundo que se esforça por afastar o sentimento da vida.

Os corações ausentes do peito das musas podem significar, também, entrega, estão batendo em outra parte, no corpo dos seres amados, nessa viagem incandescente e visceral pelo cosmos  à procura do outro que nos enxergue na multidão, nos acolha e nos salve do frio da solidão.

Às vezes, a figura feminina flutua leve pelo ar, com o buraco no lugar do coração, numa espécie de felicidade.




Em outras pinturas, os corações femininos aparecem sangrando.

A artista desenvolve uma estética pop com raízes na história da pintura universal. Não despreza a tradição, pelo contrário, aproveita-a. E segue seu caminho.

Tara costuma falar do amor aos amigos e do respeito ao próximo comos valores essenciais em sua vida. Gosto muito disso, pois revela um ser humano sensível ao outro e não preocupado apenas com o próprio umbigo.

Visitei o site oficial dela e o coloquei entre os meus favoritos.

A obra em construção de Tara McPherson revela traços em busca de sentimento, claridade e beleza. 

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Reproduções de pinturas de Tara McPherson a partir do site oficial da artista:

Leia entrevista da artista na revista Zupi:
http://www.zupi.com.br