quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Raios riscam a escuridão e assustam o silêncio

Jorge Adelar Finatto


Imagem: site da Secretaria Nacional de Defesa Civil:
http://www.defesacivil.gov.br/desastres/recomendacoes/raio.asp
 
 

As nuvens são fábricas de raios.

Escutei no rádio que entre a noite de domingo e a madrugada da segunda-feira caíram sobre o Rio Grande do Sul 5.344 raios devido às tempestades. Existe um órgão estatal encarregado de verificar a eletricidade na atmosfera que apura o fenômeno. Junto com os raios veio chuva de granizo com algumas pedras do tamanho de um ovo.
 
Conforme se noticiou, o Rio Grande do Sul é o 4º estado com maior incidência de raios no país, 5 milhões, 180 mil descargas por ano.
 
Em Passo dos Ausentes, raios, trovões, relâmpagos nos afligem o ano inteiro.  Quando o tédio é muito lá no céu, as autoridades celestes mandam uns raios sobre nossas cabeças, mesmo em dias de sol e pouca nuvem, só pra ver o pessoal levar um susto e não esquecer quem manda.

Os ateus passam mal aqui nos Campos de Cima do Esquecimento, porque não conseguem explicar, através da razão, as coisas fora do entendimento que nos acontecem. Não bastassem as angústias normais da vida de todo vivente (de onde venho, para onde vou?), eles ainda têm de engolir em seco o que está além das aparências.
 
Não sei como os técnicos do governo fazem pra contar as descargas elétricas. Os dados divulgados são minudentes: 5.344 raios, em poucas horas, nem mais nem menos.

Haverá o cargo público de contador de raios? Acho que não. Ofício assim tão perigoso e barulhento, quem havia de querer? Sei lá.
 
O que sei é que há mais mistérios entre o risco do relâmpago e a escuridão das almas do que supõe a nossa vã sabedoria.
 

domingo, 30 de setembro de 2012

Paris, um passeio literário

Jorge Adelar Finatto

 
photo: j.finatto


Aquela era uma suave manhã de outono em Paris, novembro, 2011. Saí do hotel disposto a rever, descobrir e fotografar prédios onde viveram escritores e pensadores que admiro, entre o final do século XIX e início do XX. Um percurso entre o Quartier Latin, Montparnasse, Jardin du Luxembourg e Saint-Germain-des-Prés. Os canteiros e vasos floridos do Jardim do Luxemburgo, onde está o palácio do senado da França, brilhavam em suas muitas cores. Comecei por ali a caminhada.
 
photo: j.finatto

Como qualquer cidade, Paris vive nos detalhes. Na capital francesa, eles não são poucos e têm a ver com o ambiente de suas ruas, parques, praças, cafés, museus, o rio Sena, isso tudo aninhado numa arquitetura preservada, numa cultura e numa história que influenciaram o resto do mundo. Paris é o cenário onde muitos homens e mulheres de diversas origens viveram e criaram, construindo obras que se tornaram referência.

O melhor jeito de conhecer é andar a pé, tomando cuidado para não ser atropelado. O trânsito de veículos é pesado. Em Paris, as pessoas também andam com pressa e preocupadas, nas ruas e calçadas. E, como no restante do planeta, em Paris não se vivem tempos cordiais.

A Paris humana, gentil, berço da cultura e lugar de convivência, que tanto se presta ao assim chamado turismo cultural, está visceralmente ligada ao passado. As três primeiras décadas do século XX, por exemplo.

Nas cercanias do Jardin du Luxembourg, encontramos o edifício nº 27 da Rue de Fleurus. O apartamento-estúdio alugado em 1903 por Léo Stein, irmão da escritora e animadora cultural Gertrude Stein (ambos americanos), neste lugar, tornou-se importante ponto de encontro de artistas e escritores até 1938, quando o senhorio retomou o imóvel.

photo: j.finatto

Gertude ali viveu com o irmão e depois com a companheira Alice B. Toklas. O filme Meia-Noite em Paris, de Woody Allen, dá uma ideia de como eram aquelas reuniões.

photo: j.finatto

Entre os frequentadores, havia gente como Picasso, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e sua mulher Zelda, e muitos outros. Na época, a cidade foi destino de artistas e intelectuais de várias partes do mundo, principalmente americanos. Gertrude Stein, que gostava de passear pelo Luxembourg, teria então criado a expressão Geração Perdida para identificar os escritores vindos da América.

Não muito longe, na Rue Descartes, nº 39, situa-se o edifício onde o poeta Paul Verlaine viveu o último ano de sua vida e morreu, em 1896. No mesmo edifício, Hemingway alugou um quarto no último andar em 1921.

photo: j.finatto

No térreo, está localizado o restaurante La maison de Verlaine, onde o atendimento é humano.

photo: j.finatto

Descendo em direção à Notre Dame, encontramos, na rue Le Goff, nº 10, o Hôtel du Brésil, no qual o pai da psicanálise, Sigmund Freud, viveu durante um ano. Que eu saiba, esta foi a única "estada" do grande pensador e médico no Brasil.

photo: j.finatto

Não posso deixar de imaginar que pelo menos em algum dia, num momento de descanso, o então jovem Sigmund ficou a pensar sobre como seriam os brasileiros, as nossas palmeiras, praias e cidades. Não sei, porém, se disso lhe veio alguma claridade ou inquietação. Talvez ambas.

photo: j.finatto

Na rua Victor Cousin, nº 8, diante da Universidade Paris-Sorbonne (IV), está o Hotel Cluny Sorbonne; nele, há muito tempo, passou um período o poeta Arthur Rimbaud.

photo: j.finatto

Rimbaud, pelo visto, gostou muito do seu quarto, quando escreve Neste momento, eu tenho um quarto bonito.


photo:j.finatto

Ao lado, bem na esquina, na rue Cujas, nº 16, está o Hôtel des 3 Collèges, onde viveu García Márquez e lá escreveu, em 1957, o livro Ninguém escreve ao coronel, sua segunda obra. O escritor colombiano tinha então 29 anos, era jornalista e passava por sérios apertos financeiros. Diz-se que, vivendo uma fase de depressão, Márquez descia todos os dias até a portaria do hotel atrás de alguma carta da Colômbia, que nunca chegava.

photo: site do hotel https://www.3colleges.fr/fr/

Uma pequena circulada por esses lugares torna livros e autores mais presentes. A leitura de Paris é uma festa, de Ernest Hemigway, nos oferece um belo mapa dessa Paris literária, mexendo com a emoção e a imaginação da gente.

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Texto publicado em 11 de abril, 2012.
 

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Pilar, José e a rosa

Jorge Adelar Finatto 
 
photo: j.finatto
 
Todas as manhãs Pilar del Río cuida da rosa que cultiva ao lado da antiga oliveira que abriga, entre suas raízes, as cinzas do escritor português José Saramago (1922 - 2010), primeiro e até agora único Prêmio Nobel de Literatura de língua portuguesa.
 
photo: j.finatto

O fato acontece por volta das 9h na pequena praça em frente da Fundação José Saramago, na Rua dos Bacalhoeiros, em Lisboa, perto do Tejo.

Pilar também tira o pó do banco de mármore como se em seguida alguém fosse ali sentar para ler um livro ou simplesmente descansar à sombra da oliveira, transplantada da aldeia de Azinhaga, na Província do Ribatejo, onde nasceu Saramago. 
 
photo: j.finatto
 
Esta é a primeira atividade do dia da jornalista espanhola, viúva do escritor, que preside a fundação. O edifício onde está instalada leva o nome de Casa dos Bicos e pertence ao município. Foi construído no século XVI e  teve por modelo o Palácio dos Diamantes, em Ferrara, Itália. 
 
photo: j.finatto. Casa dos Bicos
 
A rega, o cuidado da flor, do lugar, da memória.
O cálido gesto de Pilar vale um milhão de palavras.
Um homem só morre de verdade quando deixa de ser amado.

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José Saramago, presença e falta:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2011/06/jose-saramago-presenca-e-falta.html

Pilar del Río: "Não há democracia" (jornal Expresso, Portugal):
http://expresso.sapo.pt/pilar-del-rio-nao-ha-democracia=f747258
 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Bagagem

Jorge Adelar Finatto
 

photo: j.finatto
 

Trago esses poemas comigo
eles me acompanham
desde a infância
veem a minha tristeza
me iluminam nos dias
de inverno

carrego comigo
esses poemas
e cheguei vivo
ao cais deserto

ratos caminhavam
solenes na praça
a cidade dormia
um sono de pedra
o mundo afundou
talvez fosse abril

não importa
- diz o coração
não importa:

dos meus fantasmas
eu sou o mais feliz

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Do livro O Fazedor de Auroras, J. Finatto, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
  

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A invasão dos balões misteriosos

Jorge Adelar Finatto

photo de balão*
 

Um estranho balão singrou os ares e montanhas de Passo dos Ausentes em junho de 2010. O fato provocou um grande alvoroço na pequena cidade. Não estamos acostumados com coisas voando por cima das nossas cabeças.

Porém, o que no início foi motivo de admiração e espanto, depois tornou-se razão de preocupação.

Outros balões e dirigíveis, de cores e formas variadas, passaram a cruzar, nos últimos tempos, nosso espaço aéreo, vindos sabe Deus de onde. Demoram-se em voos lentos e circulares, a observar-nos sem a menor cerimônia, e depois desaparecem pelos lados do Contraforte dos Capuchinhos.

As aparições misteriosas dos aerostatos começam a causar apreensão, principalmente entre os fantasmas, que transitam livremente pelas nossas ruas, habitam os sótãos, telhados e as copas de árvores. Eles vivem por aqui desde tempos imemoriais sem ser incomodados. Sempre conviveram bem com os vivos. Se forem descobertos por olhos indiscretos, seus dias entre nós estarão contados.

Palomar Boavista, astrônomo-mor, e Claudionor, o Anacoreta, foram convocados para explicar as possíveis razões das incômodas e coloridas visitas, em reunião extraordinária da Sociedade Histórica, Geográfica, Filosófica, Literária, Geológica, Astronômica, Teatral e Antropofágica de Passo dos Ausentes, que tem na presidência Don Sigofredo de Alcantis, o velho filósofo guardião da nossa memória.

Somos uma cidade invisível a 1800 metros de altitude na região serrana a nordeste do Rio Grande do Sul. Condições atmosféricas intratáveis nos isolam do resto do mundo, desde que por aqui chegaram nossos antepassados, um grupo de índios guaranis e padres jesuítas que conseguiram fugir e sobreviver à destruição dos Sete Povos das Missões, levada a cabo por exércitos espanhóis e portugueses no século XVIII. Os sobreviventes fundaram Passo dos Ausentes em 1759.

Lugar íngreme, difícil de sair e mais ainda de chegar, está situado no topo de antiquíssimo maciço de montanhas de rude basalto na Serra da Ausência.

O açoite implacável dos ventos nos fustiga o ano inteiro.

Vivemos na região conhecida pelo nome de Campos de Cima do Esquecimento. Não estamos no mapa do Rio Grande do Sul (nem ao menos um pontinho). Não existimos oficialmente. Tramita um processo junto aos órgãos da administração do Estado, desde o ano de 1805, no qual pedimos o reconhecimento da nossa comunidade, com sua história e cultura, e a inclusão nos mapas.

As respostas sempre foram negativas. Dizem que não há provas concretas da existência desse lugar e menos ainda de que aqui vivem pessoas. Não fosse patético, seria cômico.
 
photo de balões e dirigíveis. autor: Jean-Pierre Clatot (AFP)

Nos tomam por seres imaginários. O governo mandou no passado duas expedições para nos procurar, uma em 1936 e outra em1989, isso depois de muita insistência de nossa parte.

Ao comando de geógrafos e historiadores de gabinete e muy pouco saber, as tais expedições perderam-se no caminho, desistiram e foram embora. O lugar é quase inacessível devido à acidentada topografia que envolve os imensos paredões de basalto, cobertos de verde mata, córregos e pinheirais. Além das névoas eternas, as chuvas recorrentes e o frio intenso nos separam do mundo.

Claudionor e Palomar, após alguns dias de estudos, expuseram à ansiosa assistência as duas prováveis explicações para os balões e dirigíveis.

Com voz grave e pausada, Palomar disse que a primeira hipótese é a de que estamos sendo visitados por seres de outro planeta, que consideram Passo dos Ausentes a melhor porta de entrada na Terra, um lugar invisível que não chama de ninguém a atenção.

- A segunda, menos plausível - acrescentou Palomar, figura magra, alta e de farta barba branca -, é que se trata de observadores aéreos do governo para nos localizar. Diante do fracasso das expedições terrestres do século passado, estariam enviando novas equipes para investigar. Essa hipótese beira a quimera, diante da incompetência e desinteresse dos homens que dirigem o Estado, ontem como hoje.
 
Don Sigofredo de Alcantis após tomou a palavra. Para ele, a primeira explicação seria a menos perigosa.

- Se forem seres de outra esfera cósmica, não haverá qualquer problema ou dificuldade, porque alguns esquisitos a mais por aqui não vão fazer a menor diferença. Estamos habituados a toda sorte de estranhamento. Mas se for gente do governo querendo nos espionar, aí tudo de ruim pode acontecer. No dia em que o asfalto e a política chegarem a Passo dos Ausentes, será o nosso fim. A invisibilidade ainda é a nossa melhor arma contra o desaparecimento.

O silêncio que se seguiu fez com que se ouvisse o espesso rumor do vento nas folhas das altas palmeiras da Praça da Ausência.

Para espantar o frio e os arrepios interiores, Mocita de La Vega, secretária-geral e musa amantíssima dos vetustos bardos presentes, serviu-nos seu licor de leite com noz-moscada.

Somos invisíveis. Não nos vêem e não nos sentem. Habitamos os Campos de Cima do Esquecimento.

Juan Niebla, o músico cego que toca bandoneón na estação de trem abandonada da cidade, executou Adios Nonino, de Astor Piazzolla, ao final da sessão. Com tanto sentimento que até mesmo Claudionor, o Anacoreta, não pôde evitar o brilho de uma lágrima.


photo: j.finatto

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Texto revisto, publicado originalmente em 9 de julho, 2010.
Outras referências de Passo dos Ausentes:
Alberta de Montecalvino:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/07/alberta-de-montecalvino.html
A cidade perdida: as origens
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/09/cidade-perdida-as-origens.html
A misteriosa expedição da Nasa a Passo dos Ausentes:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2011/08/misteriosa-expedicao-da-nasa-passo-dos.html
A viagem do balão vermelho:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/06/viagem-do-balao-vermelho.html
*O crédito da photo do balão será dado quando conhecida a autoria
 

sábado, 22 de setembro de 2012

A primavera na cidade, a quem interessar possa

Jorge Adelar Finatto 
 
Começa, enfim,
a primavera no Brasil.
Assim seja.
  
 
photo: j.finatto
 


photo: j.finatto



photo: j.finatto


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photos colhidas na Exposição de Orquídeas de Gramado, Rio Grande do Sul, 21 de setembro, 2012.
 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A visita dos pássaros

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto
 
O cenário tumultuário dos últimos dias – ventos, chuvas, raios, trovões -  revela uma passagem difícil para a estação das cores e perfumes que chega depois de amanhã.
A primavera abre caminho a duras penas na escuridão.
Na varanda do escritório, tenho o meu viveiro de pássaros livres. Iluminam os dias, pousam nos galhos que se encostam no balcão, passam boa parte do tempo buscando as frutas que  sirvo nos pequenos potes. São muitos. Adoram banana. Também gostam de maçã, mamão e laranja.

photo: j.finatto

Os pássaros retribuem o alimento com sua presença, seu canto e sua cor. Sabem ser agradecidos a quem lhes quer bem. Mesmo nos dias escuros de inverno eles aparecem. Nos encontramos em todas as épocas do ano.
Convivemos como bons amigos, cada um cumprindo o ofício de viver e partilhar.

photo: j.finatto

Os meus/nossos pássaros se misturam agora ao cheiro dos jasmins que amadurecem e tudo fica ainda mais bonito.
A permanência da vida contra o medo e a falta de claridade.

photo: j.finatto