terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A inesperada bromélia

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto
 

Conheci uma bromélia que me fez sonhar. Nos encontramos por acaso na floricultura. Estava de passagem, fazendo um descanso em meio à viagem de Porto Alegre a Passo dos Ausentes.

Não tinha idéia de levar uma planta comigo. Queria só animar o coração entre as cores e aromas do ambiente floral.

Quando a vi no vaso cor de alumínio, na estante em minha frente, fiquei encantado.

Tenho no quintal de casa muitas bromélias. Em geral são plantas bonitas e algo ásperas. É uma beleza serena, sem ostentação de vaidade.

A bromélia estava lá diante de mim, com uma delicadeza de forma e uma cor rosa como poucas vezes vi. Carregava no corpo duas flores lilases. Olhei-a durante um certo tempo, apreciando a harmonia estética que dela emanava.

Percebi que não poderia seguir viagem sem a bromélia. Ficaria me torturando depois.

Não é sempre que a maravilha acontece na vida da gente. Quando isso ocorre, não devemos aprisioná-la de modo egoísta, mas é justo querer mantê-la por perto o tempo que for possível.

A pequena bromélia está agora comigo no escritório. Estamos felizes porque estamos vivos e juntos, nessa reunião silenciosa e delicada de livros e plantas.
 

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Fados de Lisboa

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto. Bairro Alto, Lisboa
 

O fado é uma música boa de ouvir, cantar e recordar. É uma das razões que me fazem gostar de Lisboa, perambular pelas ruas do Rossio, da Alfama, do Chiado, do Bairro Alto e da Mouraria.
 
Nesta época de frio em Portugal, é bom comer castanhas quentes vendidas nas ruas em cones de papel. E visitar cafés como o Martinho da Arcada, inaugurado em 1782, na Praça do Comércio, à beira do Tejo.

Nele Fernando Pessoa escrevia, recebia amigos, bebia, comia, ficava só. Ainda hoje sua mesa está lá, sempre com uma flor no vaso que a enfeita. O Martinho é monumento nacional português e tem em sua direção a pessoa gentilíssima e especial que é Antóno Souza. Além de oferecer o melhor da cozinha portuguesa, é importante referência em eventos culturais.


photo: j.finatto


Há uma certa melancolia na alma portuguesa. E há também ternura, calor, esperança. Nenhuma arte fala disso tão bem como o fado.

O fado são as marcas deixadas no coração de alguém que viveu, amou, se emocionou, sofreu e não desistiu do sentimento.

Amália Rodrigues está para o fado como Fernando Pessoa para a poesia. São dois expoentes que mostraram ao mundo o modo de ser e de sentir português.

Nos últimos dias tenho ouvindo discos de jovens fadistas. Katia Guerreiro, Ana Moura, António Zambujo, Mariza, Dulce Pontes, Camané, entre eles. Essa geração de artistas dá novos ares ao gênero, sem virar as costas para a tradição.

Existe uma renovação em curso nas letras das músicas, que expressam uma visão de mundo atual, e no uso de outros instrumentos e também no jeito de cantar.

Não posso estar em Lisboa por agora. Sinto falta das noites passadas na Tasca do Chico, no Bairro Alto, a beber um vinho e ouvir o fado. Me transporto para lá nas asas das canções.

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Alma de fadista:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2011/11/alma-de-fadista.html

Fado, um modo de sentir o mundo:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2011/11/fado-um-modo-de-sentir-o-mundo.html

A pátria da língua portuguesa:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/01/a-patria-da-lingua-portuguesa.html
 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Heráclito e o espelho

Jorge Finatto
 

photo: j.finatto. vôo sobre o Guaíba
 

Heráclito de Éfeso (540 - 480 a.C) disse que ninguém entra ou se banha no mesmo rio duas vezes. Na aguda percepção de pensador, que não só pensava como vivia o pensamento, tudo muda incessantemente, o homem, o rio e todas as coisas.
 
Para o filósofo, tudo está em movimento. O mundo é a unidade dos opostos. Dia e noite, sol e chuva, doença e saúde, agudos e graves, macho e fêmea, inverno e verão, guerra e paz fazem parte de um todo. Um só existe diante do seu contrário. 
 
Heráclito acredita, porém, que um pensamento sábio governa tudo. Há uma justiça no cosmos que orienta o destino dos seres e dirige a vida. Os eventos ocorrem na hora certa.
 
Nós não somos sempre os mesmos, mudamos. O nosso corpo muda constantemente através das células, o pensamento ganha altura por meio da contemplação, da meditação e da ação.

Esperemos, digo eu, que as mudanças nos levem a ter mais sabedoria e mais bondade (que a maldade, o seu oposto, está sempre de prontidão e agindo).
 
O rio não é o mesmo. O tempo escorre, eterna mutação, a alteridade sempiterna das águas, o vôo premonitório das aves.
 
Nada é o mesmo. Não paramos de mudar. Só na morte não há transformação. O outro que vai ali adiante sobre o antigo esqueleto somos nós.
 
Às vezes, diante do espelho, pergunto quem é aquele que me observa do outro lado. Será mais feliz do que todos os que vieram antes dele? Estará mais só? Será mais humano?

Ninguém se vê duas vezes do mesmo modo no espelho. É sempre outro que está lá.
 
Essa manhã ele nem sequer me olhou nos olhos. Tomou café, escovou os dentes, fez a barba automaticamente, passou a mão nos cabelos e foi por seus caminhos. Passou o dia distante de mim. Longe, longe. Um perfeito estranho mora no espelho. 
 
Num momento em que ele se distraiu, olhei através da janela do gabinete e vi um pássaro atravessando o céu sobre as águas do Guaíba.

E vi belas nuvens brancas cruzando o rio. À medida que passavam, sua forma, sua cor e seu interior foram mudando, até que veio a chuva. O outro sentiu desalento. Eu fiquei feliz, porque a chuva me dá felicidade. Sim, felicidade.
 
É impossível deter esse rio, essas nuvens, esse pássaro, esse outro que me escapa no fundo do espelho e teima em me levar por caminhos onde não quero ir.

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Dados sobre Heráclito em Dicionário dos Filósofos. Denis Huisman. Livraria Martins Fontes Editora Ltda. São Paulo, 2004.
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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Série Retratos 9 (cais de Porto Alegre)

 
 




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Autor da photo: Jorge A. Finatto
Pedidos de cópia ou reprodução podem ser feitos ao autor pelo e-mail j.finatto@terra.com.br
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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Queremos a eternidade perdida de volta

Jorge Adelar Finatto
 

photo: j.finatto
 
 
Eu tinha muitas coisas para te escrever, contudo, não quero estar escrevendo com tinta e pena. Espero, porém, ver-te logo, e havemos de falar face a face. (A Terceira de João, 13, 14)
 
A nossa passagem pela vida não se eterniza senão através da palavra escrita. Afinal, é a arte, por enquanto, a única eternidade de que dispomos.

A obra do escritor e do artista é essa tentativa de resposta à imensa interrogação que nos envolve.

Estamos soltos e sozinhos no cosmos a bordo do pequeno planeta azul. E não temos nada além da promessa de Deus para nos resgatar e livrar do buraco negro do esquecimento.

Queremos a eternidade perdida de volta.
 
A palavra anda à procura de transcendência, de algo vivo e duradouro, alguma coisa que não se perca, que nos livre do peso das horas e do vórtice da transitoriedade.

Escrever é uma maneira de afirmar que a morte não terá a última palavra.

O texto olha os seres, suas histórias e sentimentos. 

Para isso foram criadas as palavras, para essa eternidade de papel e tinta, para essa busca do encontro.
  
Levantar todos os dias, folhear um livro, olhar a cara no espelho, sair de casa, ir à vida, é um ato de enorme coragem.
 
Qualquer texto, poema, romance, conto, diário, anotação no guardanapo, no caderno ou na tela do computador, tenta salvar o instante que passa.

Escrevemos e lemos enquanto não se realiza a promessa.
 

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Amor

Jorge Adelar Finatto


 
Amor, filme do diretor e roteirista austríaco Michael Haneke, coloca em discussão os limites de alguém que se torna cuidador de uma pessoa inválida. E o próprio sentido de viver daquele que é cuidado em condições de invalidez. Com excelentes desempenhos de Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, a obra é uma das candidatas ao Oscar de melhor filme deste ano. As premiações serão conhecidas em 24 de fevereiro próximo e adianto que Amor já tem o meu voto.
 
Saí do cinema com a sensação de ter sido atropelado por um trem. Chocado por ver até onde pode chegar o desespero das pessoas diante de uma situação em que a doença muda completamente a vida para pior. O nosso despreparo em lidar com a dor, o sofrimento e a iminência da morte é enorme.

No caso do filme, um casal de professores de música, ambos aposentados, vê-se diante da doença da mulher. De repente, Anne sofre um derrame, um lado do corpo fica paralisado. A paralisia é progressiva, chegando ao ponto de não poder mais fazer nada por si, passando a depender em tudo do marido Georges.

O casal, na faixa dos 80 anos, foi companheiro por décadas, partilharam a vida, a profissão e a família (tem uma filha casada e netos). Amor propõe o problema de como enfrentar a doença de uma pessoa querida. Georges recusa-se a internar Anne, passa a assisti-la integralmente, com o auxílio eventual de uma enfermeira (conto só o início da história e paro por aqui).

O grande mérito do filme, a meu ver, é trazer à reflexão as diferentes maneiras de encarar esta situação.
 
Os avanços da medicina fazem com que se viva mais hoje. Algumas doenças não matam como antes, a vida é prolongada. Às vezes a pessoa sobrevive com prejuízos da saúde mental (sai do ar ou passa por períodos de ausência) e física, necessitando de atenção permanente. O que fazer?
 
Alguns optam por "terceirizar" os cuidados, pagando uma clínica ou hospital. Para quem tem dinheiro e não quer "se incomodar" é o mais cômodo, sem dúvida. Paga-se e está tudo resolvido. Será?

Anne fez o marido prometer que não iria colocá-la no hospital e ele atendeu. A partir daí entram em cena questões éticas e práticas.

O fato é que, se hoje vivemos mais do que antes, precisamos estar preparados para cuidar uns dos outros em caso de doença. Mas em geral ninguém está.

A sociedade na qual vivemos, embalada pela publicidade, funda-se no ideal do consumo sem limites e da felicidade eterna. As aparências valem mais do que tudo (vide a maior parte do que se publica no facebook, as caras e bocas das fotografias, etc.), acredita-se ou finge-se acreditar que viver passa sempre longe da dor.

A vida, nessa visão de pouca valorização do humano, deve ser só prazer, glamour, crescimento individual, conquistas, realizações, viagens, sexo, bem-estar total e constante. Não se vê o sacrifício em prol do outro como uma possibilidade. Todo limite ao prazer precisa ser afastado, qualquer sofrimento, escondido.
  
A tendência predominante diante do infortúnio é de querer terceirizar os cuidados com a doença. Mas até que ponto isso é eticamente aceitável? O amor, a ternura e o respeito acabam quando se apresenta o tempo mau?

Penso o seguinte, na busca de possíveis respostas.

Se eu amo fulana(o), se vivi com fulana(o) a maior parte da minha vida, se tive filhos com fulana(o), se viajei e fui feliz com ela(e), se juntos construímos uma história, uma família, um patrimônio, é razoável abandonar fulana(o) quando ela(e) adoece e não pode cuidar de si mesma(o)? E quando fulana(o) não me reconhece mais, porque a doença me apagou de sua mente? Fulana(o) não será mais fulana(o) por isso, devendo ser descartada(o) da minha vida?
 
Fulana(o) ainda é fulana(o), só que agora doente. A consciência diz que devo fazer tudo ao meu alcance para cuidá-la(o). É o mínimo ético no caso. Vai ser difícil, a vida vai ficar duríssima, a alegria vai diminuir muito, mas faz parte da nossa condição. Vou buscar ajuda, principalmente na família, para manter a pessoa em casa.
 
Um dia, talvez, eu serei o fulano e não gostaria de ser abandonado, "suicidado" ou simplesmente assassinado "por amor", tendo em vista as minhas notórias limitações. Porque enquanto houver um sopro de vida e consciência pretendo continuar vivo, tentando prosseguir.

Haverá situações em que alguém não poderá ser cuidador, por impossibilidade física, emocional ou material. Aí a solução será diferente, provavelmente com hospital ou clínica.
 
Falar é fácil, eu sei. Fazer é outra história. Não existem soluções prontas. Estou apenas pensando e sentindo alto com você, raro leitor.

Mas não me entra na cabeça saltar fora da carroça no momento em que o outro torna-se o doente ou o demente da relação. Sempre lembrando que posso vir a ser o outro do outro.

Viver e amar é mais que um anúncio de bebida, lingerie, automóvel ou férias numa praia paradisíaca. E mais belo também, apesar de tudo.

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A fita branca, outro filme de M. Haneke, trata das origens do nazismo:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/05/as-origens-do-nazismo.html

Jean-Dominique Bauby:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/04/o-prisioneiro-do-escafandro-e-o-bosque.html 

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Escrito do amor perecível

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto. São Francisco de Paula
 

Poderia jurar amor eterno à pequena borboleta que agora cruza a beira do lago. Ela carrega no coração, como eu, a melancolia antecipada da partida iminente do jardim.

Está escrito que nosso tempo é breve. Teremos de deixar o jardim que tanto amamos. E não sabemos o que nos espera além dele. Talvez exista um outro jardim depois desse.
 
Levaremos a saudade dos dias vividos entre as flores, as fontes, os córregos, as árvores. Não concordamos, claro, com dias assim tão escassos. Mas o que fazer? Nosso coração pulsa nas têmporas.
 
Os dias ruins e a rotina nunca nos tiram a vontade de viver. 
 
A borboleta escreve minúsculos bilhetes que vai soltando ao vento. Amamos as magnólias, as rosas, as nuvens e os hibiscos.

Escreveu a borboleta estas palavras na folha de um plátano:

Eu só queria mais um dia para estar no jardim e dizer do meu amor a cada um dos seus habitantes. Quero que ao menos recordem de mim quando lerem estas palavras.

Lembrem meus voos silentes e suaves. De como amei o farelo, o miúdo da vida.

Estou prestes a deixar o jardim e isso me dá tanta tristeza.

Quero deixar escrito este amor perecível.

Antes de cair e secar no chão.