segunda-feira, 24 de junho de 2013

Mensagem encontrada numa garrafa 97 anos depois

Jorge Adelar Finatto 
 
photo: Dave Leander. fonte: abc News*
 

A garrafa é pequena e transparente. Foi encontrada por Dave Leander quando ele fazia um mergulho, a 9 metros de profundidade, no rio St. Clair, em Detroit, no estado americano de Michigan. O brilho do vidro chamou-lhe a atenção. Aproximou-se e observou que dentro havia um papel escrito. Trouxe a garrafa à superfície.
 
Retirou a rolha de cortiça com cuidado e pegou o documento. Na verdade, um recibo de pagamento da passagem do navio utilizado para chegar ao local, um parque em uma ilha. No verso o breve texto escrito a lápis: "Having a good time at Tashmoo." Em tradução livre, "Estamos passando bons momentos em Tashmoo". Data: 30 de junho de 1915.

A frase está assinada por Selina Pramstaller e Tillie Esper, então muito jovens. Tashmoo era o nome do parque onde elas estavam, em Harsens Island, e também o nome do navio que levava as pessoas do continente até lá. 
 
Dave Leander encontrou a garrafa em junho de 2012. Ao saber do achado, a Sociedade Histórica Harsens Flats solicitou-lhe a garrafa com o documento para fazer parte do acervo de seu museu. Marcaram para o mês que vem uma exposição com a garrafa e outros materiais que registram as viagens dos habitantes de Detroit ao parque, entre o final do século XIX e início do XX. Na ocasião, pretendem reunir no local possíveis parentes das duas jovens.

A notícia daquele dia na vida de Selina e Tillie atravessou o tempo e chegou até nós a bordo da pequena garrafa que atiraram às águas quase cem anos atrás. Poucas palavras manuscritas a lápis, que sobreviveram às autoras e trouxeram ao futuro a imagem daquele dia de sol e encantamento na ilha. Um documento mínimo e luminoso também.

A frase foi tudo que sobrou daquele dia. As seis palavras fizeram presentes a memória e a alegria de Selina e Tillie.

Quem coloca mensagem escrita dentro de uma garrafa, jogando-a ao mar, ou ao rio, alimenta a esperança de que um dia alguém a encontre e leia.

A palavra escrita, dentro e fora de garrafas, é um modo de lutar contra o esquecimento. No íntimo de cada um, o desejo de prolongar a vida no texto, de fazê-la maior, mais humana, menos frágil. Ansiamos ressuscitar nos olhos de quem lê.

As cartas, os bilhetes, as mensagens eletrônicas, os poemas, os livros, os blogues, também são maneiras de sobreviver. 

Tudo se escreve para fugir da casa do oblívio.

A palavra, ao contrário de nós humanos, permanece. É capaz de carregar por séculos  a nossa efêmera felicidade, a nossa esperança, o nosso desespero.

É tudo que fica de um dia feliz numa ilha ensolarada. Às vezes, é tudo que fica de uma vida.
 
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Message in a bottle (by Christina Ng)
http://abcnews.go.com/US/michigan-message-bottle-mystery-solved/story?id=19438661
 

sábado, 22 de junho de 2013

O calepino de Dante

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto. Venezia


O VENTO geme como um bicho malferido nas esquinas, sacode as placas na rua, portas, janelas, enlouquece os ponteiros do relógio da estação de trem abandonada de Passo dos Ausentes.

Um lamento emana do interior do sino da igreja da praça.

Um cenário de filme de assombração. Aqui acontecem coisas do outro mundo.
 
Os fantasmas somos nós, habitantes dessas terras frias e invisíveis situadas nos Campos de Cima do Esquecimento.

Lá fora, a chuva molha a solidão da rua. Somos peixes no aquário, nadando de um lado para outro dentro de casa, tentando enxergar, sentir alguma coisa nesse enorme vazio. Peixes à procura de qualquer coisa mais que silêncio e oblívio. Agora que o inverno chegou.
 
Vivemos nessas remotas e íngremes alturas, no sul do continente, entre inóspitas nuvens.

Este lugar é a última estação antes do fim do mundo.

photo: jfinatto. Venezia

Os poetas sabem do que eu falo, não digo coisas inaugurais (quem me dera). Digo o trivial da humana condição e não mais do que isso: quireras.

Neste território pequenino existem coisas de espantar.

Um dia, não me lembro quando, andava eu numa fondamenta (caminho que vai à beira de um canal) distante e perdida de Veneza. Caminhava do meu jeito naquela cidade, isto é, olhando as coisas de perto por causa da difícil visão (óculos fundo de garrafa).

Naquela cidade tudo é insondável, úmido labirinto, e eu, quase cego, gosto de me perder em labirintos.

As janelas das casas daquela fondamenta, onde cheguei não sei como, tinham flores e cordas com roupas estendidas secando, mas não havia ninguém morando nelas. Uma doideira. O vento percorria o canal assobiando uma canção terna e delicada, sem começo nem fim.

Descobri, então, o vetusto casarão de uma livraria abandonada. A livraria ficava mais ou menos perto da Ponte de Rialto, no Grande Canal. Entrei lá abrindo uma porta escura e muito pesada, difícil de empurrar.

Canal veneziano. photo: j.finatto

Sentei numa cadeira de couro marrom diante de uma mesa. Ao lado um pequeno vitral amarelo e azul deixava penetrar um sopro de luz solar. Estantes repletas de livros se projetavam para o interior.

Descobri sobre a mesa um calepino de capa lilás.

Abri o caderno, quase encostando os olhos nele. Na terceira página estava escrito: Dante Alighieri, 1319. Li sem fôlego as primeiras anotações do mestre florentino.

Só então percebi do que se tratava, o tesouro que tinha em mãos: eram esboços de poemas misturados a notas de diário, rascunhos de cartas e pequenos desenhos.

A música que o vento tocava lá fora, me dei conta quase sem poder acreditar, era a Valsa dos Ausentes, de Pixinguinha.

O mundo é muito pequeno, o mundo é um suspiro.

Antes de sair da estranha livraria, guardei o calepino de Dante no fundo do meu alforje. Desde aquele insólito evento nunca mais nos separamos. Nunca antes contei esta história.

(Às vezes me pergunto se isso de fato aconteceu ou terá sido um sonho, o espírito aturdido por esses ventos andarilhos de Passo dos Ausentes, nas longas e inóspitas madrugadas.)

O calepino de Dante é o consolo que trago na vida. Quando o leio, como nessa hora longínqua, sentado na cadeira de palha diante da mesa do escritório, tomando café preto com biscoitos de polvilho, esqueço tudo de ruim.

O medo de morrer não encontra asilo nessa hora quase solene.
 
Nem tudo é solitude nesses caminhos.

Passagens luminosas habitam o breu.

Tem orquídeas e magnólias povoando o jardim lá fora. Ramos novos brotam entre as folhas secas.

Um tempo de busca-vida, este.

Esta página, notícia do invisível.
 
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Texto revisto, publicado anteriormente em 10/12/12.
 

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Primavera do Brasil (o tempo das magnólias em flor)

Jorge Adelar Finatto
 

photo: j.finatto



Quem podia imaginar que a primavera do Brasil chegaria em pleno inverno!


(É bom ver o povo nas ruas, lutando pela sua primavera, em paz.)

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Jogos Olímpicos 2016:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2011/07/jogos-olimpicos-de-2016.html
 

terça-feira, 18 de junho de 2013

Presença

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto
 
 
Me tens aqui lutando
com secas palavras
para iluminar a treva
que nos reúne
em torno do lume
do poema

me tens aqui solidário
beirando a primavera
beirando os trintanos
com raros bens materiais
e nenhum privilégio
de credo ou classe

às vezes louco
às vezes patético
com poucos seres humanos
pra repartir
alguma coisa

me tens aqui poeta
num país injusto e sofrido
caminhando à beira de um rio

a sujeira flutua nas águas
os pobres equilibram-se
em perigosas palafitas

me tens aqui poeta lírico
cada dia mais lúcido

como a primavera
eu invado de repente
a sala adormecida
o coração desabitado

não tenho uma saída
para os dramas
que andam por aí

sequer possuo soluções
plausíveis
para os atrapalhos
cotidianos

o que posso oferecer
e ora ofereço
é essa canção discreta
para dissipar a sombra

um braçada de flores
no inverno

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Do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

O escolhido de Deus

Jorge Adelar Finatto

photo: Auguste Rodin. Fonte: Wikipédia

 
Paris (Novembro, 2011). Sempre penso que Deus fala através dos artistas. Acho que eles têm a missão de continuar a criação do mundo. Carregam a centelha divina capaz de revelar a beleza escondida. A iluminação do calabouço da condição humana faz parte deste desígnio.

Fui visitar o Museu Rodin. Esse homem foi um artista abençoado. As esculturas que fez em materiais difíceis como mármore e bronze são absolutamente belas. Mesmo um admirador eventual não fica indiferente diante de tanta beleza.


"A Catedral", escultura de Auguste Rodin, Museu Rodin, Paris. photo: j.finatto


Deus colocou nas mãos, no coração e na mente de Auguste Rodin (1840 - 1917)  um talento especial para esculpir, pensar e sentir o mundo - e ele soube, com muito trabalho, aproveitar a graça recebida (para nosso proveito e encanto). Chegamos a duvidar que um ser humano seja capaz de realizar tamanha obra em quantidade e qualidade. São esculturas divinas.

Eu poderia ficar na frente de um pedaço de mármore uns dez anos e, pelo que sei de mim, não sairia sequer um traço, quanto mais uma simples escultura. Rodin, no entanto, criava enquanto trabalhava diariamente na dura pedra ou no bronze, como se fosse um pedreiro erguendo uma casa.


Le Penseur (O Pensador), de Rodin. photo: J.finatto

Teve como secretário particular o então jovem poeta Rainer Maria Rilke, um dos mais importantes que o mundo conheceu, autor das Elegias de Duíno, entre outras obras. Rodin exerceu forte influência na arte do poeta, que tinha grande admiração pelo escultor. Rilke publicou uma monografia sobre Rodin em 1903.

Deus distribui talentos a todos, a cada um de um jeito. O segredo está em descobrir a capacidade que nos destinou e depois trabalhar, trabalhar e trabalhar. Dar o nosso melhor para tornar a vida menos sofrida, mais bonita, eis aí um bom projeto, nesse planeta onde tantas vezes nos sentimos exilados da luz na escuridão.
 

Le Baiser (O Beijo), de Rodin. photo: J. Finatto

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Texto revisto e acrescido de fotos; publicado anteriormente em 24/11/11.
 

domingo, 16 de junho de 2013

Os livros e a ilha do coração

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto
 

Encontrar um escritor capaz de nos emocionar é um verdadeiro achado. Escrever com clareza e desenvoltura é uma coisa. Trabalhar o pensamento e a emoção no texto exige arte.
 
Estava lendo um escritor que tem cerca de 70 livros publicados, entre romances, novelas, artigos e crônicas. Por que esse autor não me diz quase nada?, eu me perguntava. Porque sua palavra não toca a minha emoção.
 
Não basta uma grande quantidade de livros, uma imaginação inventiva e espaços generosos na imprensa para conquistar o leitor. Tem que ter algo mais. Esse algo, ao menos pra mim, tem a ver com sentimento.
 
Por isso é tão difícil achar um autor no meio dos mares de livros. Por isso me apego tanto aos escritores que conseguem me fazer pensar e sentir ao mesmo tempo. São esses que habitam a ilha do meu coração.
 
A volúpia de publicar muito e de ser devorado pelos leitores às vezes faz um autor se perder. Ser bom de venda e de mídia não significa ser um bom escritor, embora faça bem para a vaidade, para a vida social e para o bolso.

No final, a última palavra só o tempo pode dar. Balzac e vários outros venderam bem seus livros em vida e eram grandes escritores.
 
Não carrego mais a ilusão de fazer livros de papel. É muito raro conseguir espaço no meio editorial. Existem muitos autores e poucas oportunidades. Autores bons de marketing são sempre bem-vindos. Não é o meu caso. Não sei, também, se o que escrevo interessa a alguém.

A busca da qualidade do texto, de fazer uma escrita com arte (sempre tão exigente), é vista com reserva e foge ao interesse imediato do mercado editorial.
 
Mas eu sou antes de tudo um leitor. Espero que os autores fora do comércio continuem seu trabalho. Não desistam, insistam, resistam, sobrevivam no ofício.

São os textos que tocam o coração, impressos ou eletrônicos, que nos ajudam a viver em nossas solitárias ilhas.

Que a escrita seja um ato de vida e de esperança.

O breve clarão de uma lanterna num tempo escuro.

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Escrever na língua portuguesa:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/05/escrever-na-lingua-portuguesa.html
 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

A minha viagem a Marte

Jorge Adelar Finatto 
 
photo: Marte. Fonte: Nasa

  
Outro dia li que uma empresa européia está recebendo inscrições de interessados em colonizar o planeta Marte. Os primeiros colonizadores chegarão ao planeta vermelho em 2023. Mas tem um porém: não há previsão de retorno à Terra. É uma passagem só de ida. A explicação é que faltam recursos técnicos para a volta e os custos financeiros da viagem são altíssimos.

As candidaturas serão recebidas até 31 de agosto próximo. A idéia é enviar 24 astronautas, em grupos de quatro, dois homens e duas mulheres, para a colonização. Tem mais um porém: deve haver a reprodução humana durante a missão. Os futuros colonos viverão em casas de 50 metros quadrados e cultivarão os próprios alimentos. 
  
Fico pensando se vale a pena ser colono em Marte. Até poderia passar uma temporada por lá. Sei o que é viver longe do mundo. É que tenho habitado entre as nuvens, nas alturas de Passo dos Ausentes, o que me deu um certo sentido de distanciamento. Mas a impossibilidade de voltar à querência amada é difícil de aceitar.
 
A questão da reprodução obrigatória, entre colegas de trabalho, é coisa que me intriga. Astronautas em geral são pessoas muito ocupadas, a dura lida do espaço não permite muitas distrações. E eles usam aquelas roupas pesadas e bufantes. Isso sem falar que flutuam quase o tempo todo pela ausência de gravidade. Como conciliar essa situação com o ato de reprodução da espécie? E ainda por cima com colega de missão, na obrigada. Não vejo muito clima.

E se uma astronauta engravidar e tiver o bebê? Como o filho assim concebido, numa relação entre colonos do espaço, reagirá depois que souber que veio ao mundo como parte de um manual de instruções? Aceitará bem ou será mais um revoltado solto na galáxia?
  
Haverá boas creches e escolas em Marte? Haverá uma biblioteca e um café? Como serão as tardes de domingo em Marte?

Se ao menos tivesse, na vasta planície marciana ou dentro de alguma cratera, uma casa velha de madeira, com cheiro de campo ao amanhecer, e um rádio elétrico com válvulas coloridas para ouvir música e notícias da Terra...

Vou curtir as belas paisagens do planeta gelado aqui mesmo, pelo telescópio caseiro. E não vou me surpreender se daqui a pouco passar um menino astronauta correndo atrás de uma bola no chão cor de caramelo e os pais atrás, empurrando um carrinho de bebê.
 
 
photo: pôr do sol em Marte. Fonte: Nasa

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Nasa:
A solidão do planeta errante:
Vestígios de vida no planeta Terra: