terça-feira, 27 de agosto de 2013
Notícias da neve
Jorge Adelar Finatto
photos: j.finatto. Neve em Canela. 27/8/2013 |
Caminhar pelo jardim é uma maneira de andar dentro de si mesmo por veredas interiores. Foi o que fiz há poucas horas atrás, em busca da companhia suave das plantas e do aroma dos jasmins de inverno.
O que encontrei foi a neve caindo, caindo, em silêncio em volta da casa. Peguei a Coruja e fiz essas imagens. Depois tudo ficou muito mais branco e fofo, mas aí eu já estava em casa, fugindo do frio de -2º C.
O que encontrei foi a neve caindo, caindo, em silêncio em volta da casa. Peguei a Coruja e fiz essas imagens. Depois tudo ficou muito mais branco e fofo, mas aí eu já estava em casa, fugindo do frio de -2º C.
Bem-vinda sejas, neve de quase setembro!
photo: j.finatto. 27/8/2013 |
photo: j.finatto. 27/8/2013 |
photo: j.finatto. 27/8/2013 |
photo: j.finatto. 27/8/2013 |
A fala de Pedrolino
Jorge Adelar Finatto
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photo: j.finatto. Venezia. Os mascarados |
Pertenço à ordem dos amorosos sem camélia.
Os que amaram e se pensaram amados sem o ser. Os que saíram cedo da festa. Os quase.
A dama. Meu coração perdido no infinito tabuleiro. O mundo é lugar de barbaridades. Dor, dores.
Chamava-se Alberta, Alberta de Montecalvino. Pertencia à nobre estirpe dos Albertos, de Passo dos Ausentes. Foi quando a vida aconteceu.
O sol brilhou entre as nuvens. Iluminou a escuridão da vida minha. O triste que eu sou.
A Commedia dell'Arte invadiu a minha existência. Pedrolino, Pierrô.
A Commedia dell'Arte invadiu a minha existência. Pedrolino, Pierrô.
Estava na janela da mansarda, como sempre, olhando a vida passar.
Então ela atravessou a rua. Trazia a sombrinha vermelha, o vestido branco, laço azul na cintura. Os sapatinhos amarelos. Olhou pra mim e sorriu. Rasgou minha solidão.
Então ela atravessou a rua. Trazia a sombrinha vermelha, o vestido branco, laço azul na cintura. Os sapatinhos amarelos. Olhou pra mim e sorriu. Rasgou minha solidão.
Bailei no ar como folha de plátano no outono, lentamente fui cair a seus pés. Desci correndo, pulando os degraus da escada em espiral. Segui o inefável perfume. Enfim, alcancei a dama.
Perguntei se podia fazê-la feliz. Sim, sim.
As iluminações.
Passamos a freqüentar a Praça da Ausência, nas tardes ocres daquele outono. Um dia peguei-lhe na mão. Meu coração cavalo louco. Não dormi durante três noites.
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photo: j.finatto. Venezia |
Passamos a freqüentar a Praça da Ausência, nas tardes ocres daquele outono. Um dia peguei-lhe na mão. Meu coração cavalo louco. Não dormi durante três noites.
Alberta meu sentimento. Camafeu cravado na minhalma. Ela me deu o lencinho branco perfumado, a letra A bordada em lilás. Guardei-o num lugar secreto, bem no fundo de mim.
Aqueles eram dias de ora-veja.
A dama, o tabuleiro, eu nunca aprendi a jogar.
Não canto outros amores, que não os tive, e, se os tivesse, silenciaria.
Não canto outros amores, que não os tive, e, se os tivesse, silenciaria.
Então Arlequim apareceu. Os ódios pularam dentro de mim.
Arlequim e seus guizos, seus versos de algibeira, sua palavra sem valia, seu alaúde. Ser miserável.
Arlequim e seus guizos, seus versos de algibeira, sua palavra sem valia, seu alaúde. Ser miserável.
Arlequim disse coisas, deitou falas, expandiu-se em canções. Antes calasse.
Bazófias.
Bazófias.
Arlequim se espalha no mundo. Faz ares. Blasona. Explorador de amores, ladrão de musas. Arrebatou o coração de Alberta, os suspiros, até o corpo de violino que eu nunca toquei.
Eu calado sonhador do fim do mundo. Os devaneios da alma. Voltei só pra mansarda. Nem acreditei.
Quem me visse, a face esculpida da dor. Veio o inverno. Invernos.
O vero solitário da rua triste. O que olha a vida da janela. O que foi quase feliz.
O sem camélia.
_______________
Texto publicado em 09 de junho, 2010.
Do livro Calado sonhador do fim do mundo. Editora Vésper, 2010, Passo dos Ausentes.
Outros detalhes do drama de Pedrolino em A fala do Arlequim, post de 30/10/10, e Alberta de Montecalvino, de 8/11/10.
domingo, 25 de agosto de 2013
O barco abandonado e a gaivota solitária
Jorge Adelar Finatto
photo: j.finatto. local: rio Guaíba. a gaivota está na parte mais alta do barco. clique na imagem |
Era uma vez um velho barco.
Tão, mas tão afundado no tempo, que não pôde mais navegar pelo seu amado rio Guaíba. Nem levar passageiros em direção à Lagoa dos Patos e depois desembocar no Oceano Atlântico para ir ao Rio de Janeiro, viagem que tanta alegria lhe dava quando era mais moço.
O tempo caiu verticalmente sobre o ferro, o curvou e enferrujou.
O vetusto barco foi abandonado sem piedade. Esquecido, mergulhado em lembranças, ele naufragou em si mesmo, em sua espessa solidão.
Passou a morar na beira do Guaíba onde o deixaram à deriva.
O barco perdeu o gosto de viver.
Um dia uma gaivota decidiu habitar a solidão do barco abismado. Ela também era solitária e costumava voar sobre a estrutura que era antes uma ruína que uma embarcação. Sofria ao ver a triste situação do pobre barco. Pensou que ele poderia ser um bom ninho metálico, amplo, arejado, iluminado e com muitas aberturas. Além disso, encontraria nele talvez um bom amigo com muitas histórias pra contar.
Eles conversaram, ela expôs seu plano (estava tão entusiasmada que perdia o fôlego no meio da fala). O barco concordou de imediato (sim, sim, sins, foi o que disse), o coração batendo forte no peito. Ela então se mudou de mala e cuia para dentro da nova casa, aquele bonito ninho de ferrugem colorida.
O barco ficou tão feliz com a idéia, que desistiu de precipitar-se na profundeza das águas (pensamento cada vez mais freqüente nas suas depressões de final de tarde).
Agora ele tinha um motivo pra viver: servir de abrigo para a jovem e bela gaivota. Ela começou a trazer-lhe notícias frescas dos movimentos no rio (navios que chegavam e partiam, roteiros de viagem, direção dos ventos, rumo das nuvens), e também lhe contava novidades da cidade no continente.
A solidão do barco ganhou assim uma querida companhia. Passou a ser conhecido como o velho barco da gaivota solitária. Ele, que renasceu do fundo do esquecimento. Ela, que ganhou um amigo de verdade e um porto seguro na vida.
Dizem que desde então nunca se viram duas criaturas mais felizes nas águas do Guaíba.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Um olhar sobre a lua
Jorge Adelar Finatto
Estou olhando pela janela do escritório, madrugada alta, nessa hora em que o silêncio é tão intenso que dá para escutar o orvalho. Espero palavras para escrever alguma coisa.
A Lua vai longe e alta sobre as montanhas.
A chegada da Lua cheia, na terça-feira passada, 20 de agosto, foi um rotundo acontecimento.
Estava eu em viagem, regressando a Passo dos Ausentes pela estrada íngreme de chão batido no Contraforte dos Capuchinhos. Tinha ainda muito chão pela frente - ou muito céu - até chegar aos 1800 metros de altitude da nossa cidadezinha. Foi quando avistei aquela beleza.
A Lua imensa se levantava pouco acima dos telhados das casas do campo e das árvores da mata. Parecia estar tão perto que poderia estender o braço e tocar nela com a ponta dos dedos, talvez até fazer um desenho na sua superfície. Era possível ver o relevo do solo e das crateras. Depois de vários dias de Lua nova, o luar resplandecia em toda luminosidade.
Se alguém atravessasse a paisagem lunar de bicicleta naquele instante, seria visível de onde eu estava. O ar transparente, sem luzes da cidade, permitia ver o universo inteiro.
O fato é que eu tinha a Lua nas mãos naquela subida da Serra.
Desci da caminhonete, fiquei olhando, admirando. Um cheiro bom de erva do mato andava no ar. Como eu não trazia a velha Coruja comigo, fiquei sem poder fotografar as lindas feições do nosso satélite natural.
Eu procurei na internet imagens do luar de terça-feira e encontrei essas do fotógrafo Leo Fontes.**
O fato é que eu tinha a Lua nas mãos naquela subida da Serra.
Desci da caminhonete, fiquei olhando, admirando. Um cheiro bom de erva do mato andava no ar. Como eu não trazia a velha Coruja comigo, fiquei sem poder fotografar as lindas feições do nosso satélite natural.
Eu procurei na internet imagens do luar de terça-feira e encontrei essas do fotógrafo Leo Fontes.**
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photo: Leo Fontes, O Tempo online |
Valho-me, em boa hora, das belas fotos publicadas no jornal O Tempo*, online, de Minas Gerais, de autoria do Leo (ao qual agradeço a generosidade de autorizar a publicação aqui no blog). É um trabalho artístico de rara felicidade: a Lua cheia iluminando Belo Horizonte naquela noite.
Então, como não havia nada mais importante a fazer naquele momento do que admirar a Lua, me sentei no degrau da porta da caminhonete e comecei a descascar e comer laranja, olhando a Lua que era essa mesma da foto do Leo.
Depois de algum tempo, ela começou a diminuir, se distanciar, fazendo seu itinerário. Essa Lua, em outros tempos, foi vista pelos primeiros homens e mulheres que habitaram a Terra.
Luminosa testemunha da história humana a pouca distância acima da nossa cabeça.
Depois de algum tempo, ela começou a diminuir, se distanciar, fazendo seu itinerário. Essa Lua, em outros tempos, foi vista pelos primeiros homens e mulheres que habitaram a Terra.
Luminosa testemunha da história humana a pouca distância acima da nossa cabeça.
____________
*O Tempo:
**site oficial de Leo Fontes:
http://leofontes.com/
Passo dos Ausentes:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/06/cidade-perdida-as-origens.html
http://leofontes.com/
Passo dos Ausentes:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/06/cidade-perdida-as-origens.html
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
Maiakóvski: a última esperança
Jorge Adelar Finatto
Não vivi até o fim o meu bocado terrestre.
Sobre a Terra
não vivi o meu bocado de amor.
Maiakóvski (trecho do poema A propósito disto, 1923)¹
A insuficiência da vida, onde não viemos para passar férias ou viver em harmonia, mas para enfrentar toda sorte de vicissitudes e incertezas, com raras intermitências de felicidade e paz, é um dos principais motivos que levam o ser humano a procurar na arte um pouco de consolo e transcendência.
Um dos mais belos poemas que já li é A propósito disto, do poeta russo Vladímir Maiakóvski (1893-1930). Ele lutou ao lado dos bolcheviques na Revolução Russa de 1917 e depois, na sua área, que era escrever poemas, pintar cartazes (no Museu da Revolução, contavam-se mais de três mil pintados por ele e cerca de mil frases poéticas para o front²), realizar recitais viajando por todo o país, debater, falar sobre a função da arte, compor peças teatrais, colaborar na imprensa.
Maiakóvski fez o que pôde para a realização dos ideais revolucionários. Acreditava no novo homem que haveria de nascer com a revolução, sem vis mesquinharias, avesso à brutal exploração, solidário, aberto ao amor e ao diálogo, disposto a construir uma sociedade e um planeta bons para todos.
Empenhou-se com aguda sensibilidade de grande poeta. Foi um caso raro de escritor que trabalhou em função de uma causa, sem contudo diminuir o valor de seu fazer literário. Conseguiu ser um imenso poeta, mesmo vivendo os difíceis dias da revolução, nela empregando seus esforços. Mas entre a crueza da política e a alma sensível havia contradições que com o tempo se tornariam maiores e insuperáveis. Disse ele uma ocasião:
Não sei como se juntaram em minha cabeça os versos e a revolução.3
Um dia cansou, exaurido na luta, nas incompreensões, na pequenez e na sordidez de muitos dos que queriam, pretensamente, mudar a realidade (afinal, digo eu, os camaradas tomaram o poder e, uma vez nele, aparelharam o Estado, eliminaram a oposição e revelaram-se, com o tempo, iguais a tantos tiranos em qualquer parte do mundo. Veja-se o longo período de Stalin).
Ouçamos Emílio Carrera Guerra em seu excelente A vida de Maiakóvski:
Não bastavam o gênio, as provas de sinceridade, o trabalho árduo e honesto do poeta, para que seus inimigos fossem aplacados, para que seus adversários o deixassem em paz. Ao contrário, seu êxito crescente fazia com que mais se encarniçassem contra ele. 4
Maiakóvski não encontrou o novo mundo por que tanto ansiou e lutou, não teve tempo para viver e amar em paz. Deixou para o futuro o encontro definitivo com sua amada Lila Brik.
Com uma única bala no velho revólver, o poeta disparou contra o coração na noite de 14 de abril de 1930. Terminava, assim, num ato de desespero, antes de completar 37 anos, a vida de um dos maiores poetas que a humanidade conheceu.
Em 12 de abril, escreveu a carta de despedida. Nela estava transcrita, em meio ao texto, parte do poema no qual trabalhava, À plena voz:
A todos!... Eu morro, não culpeis disso a ninguém. E nada de falatórios. O defunto tinha horror a isso.
Mamãe, minhas irmãs, meus camaradas, perdoem-me, isto não é um meio (não o aconselho a ninguém), mas para mim não há outra saída. Lili, ama-me. (...)
Como se diz
"O incidente está encerrado"
O barco do amor
quebrou-se contra a vida quotidiana
Estou quite com a vida
Inútil passar em revista
as dores
as desgraças
e os erros recíprocos.
Sede felizes! 5
Sete anos antes, em 1923, Maiakóvski escreveu este que é um dos poemas absolutos que nos legou, A propósito disto. Neste texto, imagina o futuro limpo de podridões, no qual se encontra o laboratório das ressurreições humanas. Nesse ambiente, o poeta vê o calmo químico, a vasta fronte franzida em meio à experiência.
E acrescenta: num livro, intitulado Toda a Terra, o cientista procura um nome, alguém a quem ressuscitar no século XX. Ao encontrar o poeta nas páginas do livro, o químico fica em dúvida e acaba desistindo dele, busquemos matéria mais interessante!
Diz, por sua vez, o poeta:
Será então minha vez de gritar
daqui mesmo,
desta página de hoje:
"Pára, não folheeis mais!
É a mim que deves ressuscitar!" 6
Para um cristão, o cientista seria Deus, tratando de ressuscitar os mortos no fim do atual sistema de coisas. A esperança do poeta, por outro lado, é a mesma de todo mundo (ou pelo menos de muitos): voltar à vida, tornar a viver, sair do fundo da caverna escura (tal como Lázaro*) para uma vida plena, sem tantos sofrimentos, doenças, problemas, angústias, tragédias e o inevitável abismo da morte.
Prossegue Maiakóvski, na sua/nossa esperança:
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o enxame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe! 7
Maiakóvski fez o que pôde para a realização dos ideais revolucionários. Acreditava no novo homem que haveria de nascer com a revolução, sem vis mesquinharias, avesso à brutal exploração, solidário, aberto ao amor e ao diálogo, disposto a construir uma sociedade e um planeta bons para todos.
Empenhou-se com aguda sensibilidade de grande poeta. Foi um caso raro de escritor que trabalhou em função de uma causa, sem contudo diminuir o valor de seu fazer literário. Conseguiu ser um imenso poeta, mesmo vivendo os difíceis dias da revolução, nela empregando seus esforços. Mas entre a crueza da política e a alma sensível havia contradições que com o tempo se tornariam maiores e insuperáveis. Disse ele uma ocasião:
Não sei como se juntaram em minha cabeça os versos e a revolução.3
Um dia cansou, exaurido na luta, nas incompreensões, na pequenez e na sordidez de muitos dos que queriam, pretensamente, mudar a realidade (afinal, digo eu, os camaradas tomaram o poder e, uma vez nele, aparelharam o Estado, eliminaram a oposição e revelaram-se, com o tempo, iguais a tantos tiranos em qualquer parte do mundo. Veja-se o longo período de Stalin).
Ouçamos Emílio Carrera Guerra em seu excelente A vida de Maiakóvski:
Não bastavam o gênio, as provas de sinceridade, o trabalho árduo e honesto do poeta, para que seus inimigos fossem aplacados, para que seus adversários o deixassem em paz. Ao contrário, seu êxito crescente fazia com que mais se encarniçassem contra ele. 4
Maiakóvski não encontrou o novo mundo por que tanto ansiou e lutou, não teve tempo para viver e amar em paz. Deixou para o futuro o encontro definitivo com sua amada Lila Brik.
Com uma única bala no velho revólver, o poeta disparou contra o coração na noite de 14 de abril de 1930. Terminava, assim, num ato de desespero, antes de completar 37 anos, a vida de um dos maiores poetas que a humanidade conheceu.
photo: j.finatto |
Em 12 de abril, escreveu a carta de despedida. Nela estava transcrita, em meio ao texto, parte do poema no qual trabalhava, À plena voz:
A todos!... Eu morro, não culpeis disso a ninguém. E nada de falatórios. O defunto tinha horror a isso.
Mamãe, minhas irmãs, meus camaradas, perdoem-me, isto não é um meio (não o aconselho a ninguém), mas para mim não há outra saída. Lili, ama-me. (...)
Como se diz
"O incidente está encerrado"
O barco do amor
quebrou-se contra a vida quotidiana
Estou quite com a vida
Inútil passar em revista
as dores
as desgraças
e os erros recíprocos.
Sede felizes! 5
Sete anos antes, em 1923, Maiakóvski escreveu este que é um dos poemas absolutos que nos legou, A propósito disto. Neste texto, imagina o futuro limpo de podridões, no qual se encontra o laboratório das ressurreições humanas. Nesse ambiente, o poeta vê o calmo químico, a vasta fronte franzida em meio à experiência.
E acrescenta: num livro, intitulado Toda a Terra, o cientista procura um nome, alguém a quem ressuscitar no século XX. Ao encontrar o poeta nas páginas do livro, o químico fica em dúvida e acaba desistindo dele, busquemos matéria mais interessante!
Diz, por sua vez, o poeta:
Será então minha vez de gritar
daqui mesmo,
desta página de hoje:
"Pára, não folheeis mais!
É a mim que deves ressuscitar!" 6
Para um cristão, o cientista seria Deus, tratando de ressuscitar os mortos no fim do atual sistema de coisas. A esperança do poeta, por outro lado, é a mesma de todo mundo (ou pelo menos de muitos): voltar à vida, tornar a viver, sair do fundo da caverna escura (tal como Lázaro*) para uma vida plena, sem tantos sofrimentos, doenças, problemas, angústias, tragédias e o inevitável abismo da morte.
Prossegue Maiakóvski, na sua/nossa esperança:
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o enxame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe! 7
O poema, belíssimo, continua. O grito de Maiakóvski em direção ao futuro, para ser ouvido pelo químico no laboratório das ressurreições, certamente será escutado e atendido um dia, pois poucos como ele souberam pedir, com tanta fé, por uma nova oportunidade na vida.
______________
1. O poeta-operário. Antologia poética. Vladímir Maiakóvski. p. 154. Tradução e estudo biográfico de Emílio Carrera Guerra. Cìrculo do Livro S.A. São Paulo, 1991.
2. idem, p.30.
3. idem, p.13.
4. idem, p.66.
5. idem, p.95.
6. idem, p. 154.
7. idem, pp. 155-156.
*Lázaro, o levantado dos mortos
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/08/lazaro-o-levantado-dos-mortos.html
O crédito da foto será dado assim que conhecida a autoria.
______________
1. O poeta-operário. Antologia poética. Vladímir Maiakóvski. p. 154. Tradução e estudo biográfico de Emílio Carrera Guerra. Cìrculo do Livro S.A. São Paulo, 1991.
2. idem, p.30.
3. idem, p.13.
4. idem, p.66.
5. idem, p.95.
6. idem, p. 154.
7. idem, pp. 155-156.
*Lázaro, o levantado dos mortos
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/08/lazaro-o-levantado-dos-mortos.html
O crédito da foto será dado assim que conhecida a autoria.
terça-feira, 20 de agosto de 2013
A navalha do avô
O Cavaleiro da Bandana Escarlate
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photo: Jean-Claude Bernardet como o avô fonte: divulgação do filme |
No fundo, apesar de me sentir meio fora de lugar nesse ambiente competitivo e cansativo do festival (quem agüenta ver tantos filmes?), sou um cinéfilo sentimental.
O cinema faz parte da minha vida desde tenra idade, desde quando o médico da nossa pequena Passo dos Ausentes (Dr. Fredolino Lancaster, hoje com 96 anos) projetava filmes sobre um lençol branco estendido na parede externa de sua casa para todos assistirem.
O mundo está explodindo? A vida anda insuportável? As frustrações acumulam-se? O blog tem raros leitores? Vou ao cinema em busca de renascimento.
Mas quero falar do presente e do daqui pra frente. Assisti a um belo curta-metragem nesse 41º Festival de Cinema de Gramado, que se encerrou no sábado, A navalha do avô (São Paulo, 2013), direção de Pedro Jorge.
O filme me tocou por trazer uma história de amor familiar entre um neto (Bruno), jovem universitário, e seu avô José. Bruno precisa dedicar parte de seu cotidiano para cuidar do avô doente. O adolescente é interpretado por Kauê Telloli e o velho, pelo escritor e crítico Jean-Claude Bernardet, ambos muito bem.
No início, Bruno reluta em conviver e acompanhar o avô em coisas como feira, barbearia, porque isso não tem a ver com sua juventude. Aos poucos, porém, passa a entender o mundo do avô e suas dificuldades, ficando a seu lado nas poucas atividades que ainda lhe restam.
Um momento de suspense é quando Bruno é levado a fazer a barba de José com a velha navalha deste. É que o dono da barbearia recusa-se a fazê-lo, alegando dificuldades com a pele do velho. Com isso, as idas à barbearia para ver os amigos, um dos poucos passeios do avô, terminam.
Bruno afia a navalha no estilo antigo. Quando começa a raspagem, a interferência intempestiva da avó faz com o jovem se assuste e a navalha...
É um filme em que a história e a emoção se constroem na medida certa, trazendo ao espectador uma sensibilidade escondida, um mundo pouco comum no cinema e na tv, que é o do afeto familiar e da consideração em relação aos mais velhos.
O filme me tocou por trazer uma história de amor familiar entre um neto (Bruno), jovem universitário, e seu avô José. Bruno precisa dedicar parte de seu cotidiano para cuidar do avô doente. O adolescente é interpretado por Kauê Telloli e o velho, pelo escritor e crítico Jean-Claude Bernardet, ambos muito bem.
No início, Bruno reluta em conviver e acompanhar o avô em coisas como feira, barbearia, porque isso não tem a ver com sua juventude. Aos poucos, porém, passa a entender o mundo do avô e suas dificuldades, ficando a seu lado nas poucas atividades que ainda lhe restam.
Um momento de suspense é quando Bruno é levado a fazer a barba de José com a velha navalha deste. É que o dono da barbearia recusa-se a fazê-lo, alegando dificuldades com a pele do velho. Com isso, as idas à barbearia para ver os amigos, um dos poucos passeios do avô, terminam.
Bruno afia a navalha no estilo antigo. Quando começa a raspagem, a interferência intempestiva da avó faz com o jovem se assuste e a navalha...
É um filme em que a história e a emoção se constroem na medida certa, trazendo ao espectador uma sensibilidade escondida, um mundo pouco comum no cinema e na tv, que é o do afeto familiar e da consideração em relação aos mais velhos.
Foram bem merecidos os prêmios conquistados: Prêmio de Melhor Ator para Kauê Telloli; de Melhor Roteiro para Francine Barbosa e Pedro Jorge, e o Prêmio Canal Brasil.
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O Cavaleiro da Bandana Escarlate, menestrel medieval e livre-pensador, faz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado para o blogue a convite de Alberta de Montecalvino. Como o blogue não tem mecenas, o Cavaleiro paga todas as suas despesas e acha que está muito bem assim.
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