quinta-feira, 11 de junho de 2015

Ler e escrever

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto. grafite de F. Pessoa no Chiado, Lisboa, 2007

Ler é uma maneira de ser feliz mesmo estando rodeado de infelicidade. O livro é o meio de transporte mais simples e portátil que existe. Com ele fazemos grandes viagens sem sair do lugar, sem passaporte, sem medo de avião.
 
Escrever é um jeito de suportar as realidades da vida e, sobretudo, uma maneira de não se matar diante das imensas adversidades e frustrações. Um modo de ir além dos ossos do cotidiano.

O processo da escrita traz em si a alegria da realização, mas traz também um bocado de angústia e sofrimento junto.

Poucas pessoas tiveram uma vida mais sem graça do que Fernando Pessoa (1888-1935), cujo 127º aniversário de nascimento se comemora neste sábado, 13 de junho. E, no entanto, está entre os grandes gênios literários da humanidade. Através da poesia viajou todo o universo sem sair de Lisboa.

A sua poesia o salvou e de alguma forma nos salva também.
 
Ele foi pobre materialmente, viveu encostado nos parentes, deparou-se com o paredão duro, cinza e desumano do mundo, mas nos deixou um legado espiritual imenso. Ele bebeu muito. Mas sua verdadeira cachaça foi sempre o escrever. Nele operou-se o milagre da palavra escrita como poucas vezes acontece.

Feliz aniversário, Fernando.
 

terça-feira, 9 de junho de 2015

Aniversário de Fernando Pessoa

 
Imagens do poeta, Casa Fernando Pessoa 
 

A seguir, informe da Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, a respeito das celebrações do 127º aniversário de nascimento de Fernando Pessoa (nasceu em 13 de junho de 1888, em Lisboa, e ali faleceu em 30 de novembro de 1935).

Nos dias 12 e 13 de Junho, sexta e sábado, a Casa Fernando Pessoa celebra o aniversário de Fernando Pessoa, no espaço da CFP e na Feira do Livro de Lisboa.

Começamos o brinde no dia 12, sexta, às 17h00, com o lançamento do livro O Meu Tio Fernando Pessoa, uma antologia de textos do autor, organizados pela sobrinha Manuela Nogueira.
Dia 13, sábado, às 15h20, à hora a que, em 1888, nascia Fernando Pessoa, arranca na CFP o recital Pessoa Grande às Mais Pequenas. Ainda na CFP propomos uma visita guiada especial à casa habitada pelo autor: às 17h00, em português e com desconto de aniversário.
A celebração na Feira do Livro de Lisboa conta com a oficina para crianças e famílias, Descalçar Botas d'Elástico, às 18h00, e o regresso de Café Orpheu - Segundo Turno, às 18h00 e às 21h00, com um programa transversal a cruzar a música, a performance e a imagem.
E, em dia de aniversário, as prendas são para quem nos visita: a entrada na CFP tem um desconto de 50% e são várias as oportunidades na nossa loja-livraria.

Todos os detalhes de programação em www.casafernandopessoa.pt
Vemo-nos por cá, até breve.
___________
O barbeiro de Fernando Pessoa:

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Passos nas cercanias do oblívio

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto. Estação das Águas Moinhos de Vento


Uma parte dele diz que já esqueceu. Não tem lembrança de tal pessoa. Esqueceu a cor dos cabelos, dos olhos. O jeito de falar e de sorrir, quando se encontravam.

A mão não guardou a forma dos seios. Se havia doçura no beijo?, não tem memória.
 
A outra parte, porém, lembra até o perfume daquela mulher, o modo que ela tinha - só ela - de retirá-lo do poço escuro, o calor dos corpos entrelaçados.

Recorda com ternura os passeios na estação das águas, entre palmeiras imperiais, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre.

As vozes de ambos ainda se ouvem nas tardes longínquas.
 
Esta é talvez a parte mais doída. Mas é a mais viva. A que faz com que ele se sinta menos só na cidade abandonada.

O tempo é um mistério e uma armadilha. 30 anos passam num instante.
 

domingo, 7 de junho de 2015

Fama

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 

É possível
que ele seja
o maior poeta vivo
do edifício

trata-se, claro,
de mera
probabilidade:

o prédio é muito habitado
lápis e papel todos têm
sensibilidades contidas
trabalham na calada

mas até o momento
que se saiba
nenhum vizinho
lhe retira os louros
e ele pode dormir
tranquilo

_________

Do livro O habitante da bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Tratado geral das marés

Jorge Adelar Finatto 
 
photo: jfinatto


O rio noturno, povoado de estrelas, atravessa a cidadezinha em busca do mar. Na volta, traz o céu pintado de azul, conchinhas para guardar segredos e peixes para iluminar a vida.
 

terça-feira, 2 de junho de 2015

Verde

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 

Das minhas cinzas faço um verde
nesse verde nasce um menino
eu sou o menino que acompanha este menino

somos filhos da fome do dia
como os potros que morreram cedo
nossos irmãos

na nossa rua nenhum deus mora
eis porque choramos quando o dia acaba
ou brilhamos como duas adagas ao sol

nossa canção
a invasão dos dias
nossa matéria
o que está na sombra e não tem nome

________

Do livro de poemas Claridade, Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Editora Movimento, 1983.

 

domingo, 31 de maio de 2015

A rosa vermelha

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 
Ultimamente aquela frase não saía da cabeça de Maria Eulália:
 
A morte é um preço alto a ser pago por uma rosa vermelha.
 
Desenterrou-a, como um raro diamante, do conto A Rouxinol e a Rosa,¹ do escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900).² A triste beleza dessas palavras tocou-a profundamente.
 
Algumas pessoas passam pela vida tão em silêncio que ninguém lhes presta atenção. Levam a existência tão distantes do amor que mais vegetam do que vivem. Vivem, por assim dizer, a cappella.
 
Em algum momento algo desmoronou dentro da nossa personagem. O mundo em volta foi perdendo a cor, o sabor e o sentimento. O calor humano começou a rarear.

Na ilha solitária onde foi habitar, Maria Eulália não tinha a quem oferecer e nem de quem receber uma rosa vermelha.
 
Pensou que não podia procurar alguém que não via há muitos anos para oferecer a rosa. Seria vista talvez como louca ou supercarente. Detestava a ideia de demonstrar que estava afogada em solidão.
 
Naquele dia de fim de maio, descobriu que, para algumas pessoas, o único jeito de receber uma rosa vermelha é a morte. Aí percebeu a terrível verdade escondida na frase de Wilde. E soube então, com lágrimas no coração, que ela fora escrita para gente como ela.

Nesse momento teve a certeza de que não estava disposta a pagar o preço. Secou os olhos, arrumou-se e foi até a floricultura onde comprou um buquê com doze rosas vermelhas que colocou no centro da mesa da sala de jantar.

Depois, como era sábado, prendeu o cabelo e foi limpar o apartamento. 
____________
 
¹Oscar Wilde. Contos Completos. Edição bilíngue. Editora Landmark, São Paulo, 2013.