segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Hay vida antes de la muerte?

Jorge Finatto
 
photo: j.finatto
 
 
EM MONTEVIDÉU, os grafites, em geral, têm espírito. As inscrições, desenhos e pinturas em muros e fachadas das ruas montevideanas não perdoam a superficialidade. Uma vez lidos, não deixam o caminhante em paz.
 
Pressentindo que seria um absurdo virar as costas e seguir indiferente, resolvi fotografar e trazer comigo alguns. Na ocasião, eu andava caminhando nas cercanias do Teatro Solis.

Vejam este: Hay vida antes de la muerte?

A pergunta me acompanha desde então, veio com a bagagem de volta a Passo dos Ausentes.
 
Não bastassem as perplexidades e angústias de sempre, acrescentei mais esta ao meu baú de assombros.

Afinal, haverá mesmo vida antes da morte ou seremos apenas tristes fantoches com a boca colorida e olhos opacos, às voltas com o sofrimento, a indiferença, o desamparo, o desamor e a solidão?

O que sei é que há dias em que me sinto muito vivo. Parece que a morte ainda não foi inventada. Em outros, contudo, viver parece não valer um caco.

Hay vida antes de la muerte?
 
Sí, sí, sí. Pero, hay días que es mejor olvidar....
 
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Texto atualizado, publicado antes em 14 de junho, 2011.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A dureza da lei e o intérprete juiz

Jorge Finatto
 
Dura lei, mas lei. Este brocardo é curto, mas em compensação não presta. A vida em si mesma já é tão dura que eu acho um exagero de mau gosto fazê-la ainda mais dura com a dureza da lei.¹
            
ESTA FRASE é da crônica "Crime de casar", escrita por Rubem Braga (1913-1990) para o jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre, em 1939. Penso que todo juiz, ou candidato a, devia lê-la. Suscita questões importantes em torno da aplicação da lei. É uma reflexão construtiva, sutil, bem-humorada, irônica, que vem em proveito da difícil arte de julgar.
 
Acredito, como o notável cronista de Cachoeiro de Itapemirim, que a aplicação fria da lei mais escurece do que ilumina. O que é a aplicação fria? É a desconsideração do fator humano.
 
O julgador precisa considerar as circunstâncias pessoais do indivíduo e do meio que o cerca. Estamos falando de processos onde isso tem relevância, não em demandas em que a realidade objetiva se sobrepõe, como quando se discute, por exemplo, matéria técnica de natureza tributária.
 
Mas nas ações que envolvem sentimentos, o estudo e a decisão devem ir além da obviedade da regra jurídica. É necessário aprofundar o exame daquilo que a aparência muitas vezes esconde. Evidente que há uma zona cinzenta em que não é fácil fazer esta avaliação. O desafio é justamente não desistir.

Lá em cima, além, muito além da estratosfera, como diria Alencar, na região puríssima da moral absoluta, faz frio demais, e falta pressão: falta pressão sentimental. A vida humana não é possível sem uma certa pressão.²
  
A aplicação humana da lei é pressuposto essencial para fazer justiça no caso concreto, o que contribui para o aperfeiçoamento da vida em sociedade. Ninguém vive no interior de um laboratório asséptico livre de vicissitudes e imperfeições. Não significa negar validade à norma (salvo quando inaplicável ou inconstitucional), mas operar com lucidez sobre o tecido dos fatos.

A lei deve vir ao mundo real, freqüentar o ambiente humano.

A lei é uma moldura indispensável para a convivência social. O trabalho do juiz consiste em temperar a dureza da lei, sua abstração ideal, com os matizes da vida.

Na verdade, sinto que fiz muito bem em não querer ser juiz. Como simples cidadão, sou respeitador das leis: se fosse juiz, num caso desses, eu a desrespeitaria. E antes ser um bom sujeito que um mau juiz, penso eu.³
 
Se julgar fosse tão só aplicar glacialmente o regramento legal, não precisaria haver juiz. Um computador poderia fazer melhor o serviço e de forma infinitamente mais rápida e barata. Mas isto, por óbvio, não seria fazer justiça.
 
O que se espera do juiz, no ato de julgar, é que concilie conhecimento jurídico e técnica com sensibilidade e humanismo. Diante disso, discordo do mestre Rubem Braga: creio que teria sido um grande juiz.
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¹ Morro do Isolamento. Rubem Braga. Crônica "Crime de casar", pp. 55/57. Global Editora, 7ª edição. São Paulo, 2018.
² idem, p. 56.
³ idem, p. 57.
 

segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Notícia do jardim

Jorge Finatto

photo: jfinatto
 

O FATO DIGNO de humilde celebração, neste último dia de 2018, é que sou um homem que tem um jardim. Um jardim que explodiu em flores.
 
O sol de primavera e início de verão foi gentil. Não secou as flores como em anos anteriores. Nunca vi as hortênsias tão cheias de vida e cor. E também as rosas, os jasmins, as flores de mel, as buganvílias, as bolas azuis, e até umas magnólias fora de época, além de outras cujos nomes não sei.
 
Ver o jardim com este vigor anima a alma. À tardinha sento no banco de madeira e fico a admirar as criaturas florais. Respiro seus aromas, cores e pétalas.
 
Caminho entre xaxins e araucárias, cedros, caneleiras, plátanos, palmeiras e uma linda e tenra bananeira que me lembra o poeta Bashô. E quando o sol começa cair atrás das montanhas, os primeiros vagalumes salpicam o ar com suas lanternas de lume intermitente.
 
Para não dizer que não falei augúrio, espero que venham muitas luzes em 2019. E que, ao lado de assuntos sérios e aborrecidos, nosso espírito encontre ocasião de falar de flores, jardins e vagalumes. E, acima de tudo, tenhamos tempo para cultivar amor com nossas famílias e amigos. Deus seja com todos.
 

sábado, 29 de dezembro de 2018

Vive-se

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto

VIVE-SE. Do jeito que dá. Às vezes, até mesmo sem nenhum jeito.
 
Porque a única coisa realmente urgente e importante é manter-se respirando. O resto é o que vem depois. E o que vem é neblinoso, se administra. Ou não.
 
Convivemos com a dor, com a falta de amor, de encanto, de beleza, de dinheiro, com a eterna falta de sentido da existência. Enquanto isso, vive-se.
 
Vive-se em Porto Alegre, em Paris, em Sierre, em Lisboa, em Cacique Doble. Vive-se no silêncio de Rarogne e de Passo dos Ausentes. Vive-se à beira do Arroio Tega e nas cercanias do Castelo de Muzot.

Vive-se em toda parte. Principalmente, no fim do mundo.

Vive-se em secreto e em surdina, com raros, impossíveis amigos. Mas vive-se.

Vive-se apesar da corrupção que assola o Brasil e destrói tudo o que se tenta construir e até o que não se construiu, como a floresta Amazônica e a Mata Atlântica.
 
O mais que se faz é viver. De janeiro a janeiro. Com sol e com chuva. Com alhos e bugalhos. Vive-se.

Fique calmo, a realidade não merece o teu suicídio.

Vive-se na sexta, no sábado e, eventualmente, no domingo. Segunda é um enigma que nem a filosofia, nem a poesia, nem a astrologia e muito menos a quiromancia conseguem resolver. Mas o fato é que se vive.
 
Vive-se apesar do lixo nas ruas, do odor nauseante de combustível queimado, do esgoto escorrendo impune para o rio.

Vive-se em que pese o triste, insuportável e persistente racismo.

Vive-se olhando os navios que fogem para o mar.
 
Vive-se diante do olhar atônito das crianças abandonadas.

Vive-se a nostalgia das casas sem eletricidade.
 
Vive-se sem embargo dos livros não lidos. Vive-se não obstante todos os livros lidos.

Vive-se com as folhas secas do outono nos bolsos do antigo casaco.

Vive-se sem nada a perder e mesmo depois de perder tudo.
 
Vive-se sabendo que nunca mais se encontrará aquela mulher para pedir-lhe um olhar, um abraço.
 
Vive-se de mal a pior, sem eira nem beira.

Vive-se apesar dos mortos nos olhando dos velhos retratos, e dos lugares vazios à mesa.

Vive-se a vida invisível dos anônimos, dos solitários, dos desmemoriados.

Vive-se de improviso, sem ensaio, uma única vez, com o coração doendo no peito. Mas vive-se.
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Texto revisto, publicado antes em 16 de novembro, 2014.
 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Um certo Terêncio Horto

Jorge Finatto

O escritor Terêncio Horto.* Autor: André Dahmer


O ESCRITOR DESCONHECIDO, frustrado, amargurado e massacrado pela indiferença em torno de seu trabalho certamente encontrará um aliado na figura incansável e batalhadora de Terêncio Horto. Ele é a prova viva de que um autor não deve desistir jamais da luta diante da folha em branco e do pouco caso de editores e leitores.
 
Nós, esforçadas criaturas que escrevem em solitários cubículos, formamos uma invisível e numerosa família. Com poucas exceções, vivemos confinados na caverna do anonimato. Mas somos teimosos, nada de desespero. Pelejamos mesmo nas piores condições. A dura lida nos constrói.

Olhemos o exemplo do irmão Terêncio. Lá na sua clausura, qual isolado monge sentado diante da velha máquina de datilografia, ele não se entrega ao fracasso; luta de sol a sol, nuvem a nuvem, quadrinho após quadrinho, para dar ao mundo os frutos suculentos do seu duro ofício.

O Senhor Horto e seu amigo imaginário. Autor: André Dahmer
 
Terêncio Horto é desses assinalados pelas musas e pela tragédia de escolher a escrita num ambiente grosseiro e de poucas luzes como o nosso. Alcançou algum reconhecimento, mas não perdeu a rebeldia. Faz parte de uma geração de escritores em vias de extinção. A esmagadora maioria deles passou a vida sem ser notada pelos leitores, pela crítica, pela mídia e pelos vizinhos dos prédios onde moram. Nunca receberão jabutis, quatis, sagüis, sambaquis e outros importantes galardões literários nacionais. Entanto, lutam a terrível luta de trazer à luz as páginas fadadas ao fundo sombrio de injustas gavetas. 
 
Não apenas escreve bem o Senhor Horto; possui notável poder de observação (notaram o ponto-e-vírgula ali atrás? isto é estilo, senhores!). A sua visão de mundo está impregnada do caos da vida com seus intervalos (raros) de poesia e humanismo. Os temas são os mais diversos, desde remotas (e dolorosas) memórias de infância até intrincadas questões de fundo filosófico e outras, não menos tormentosas, inerentes às relações humanas. Nada escapa de sua pluma corajosa e vertical: internet, brigas de família, humilhações, desilusões, sexo, cultura, cinismo, encontros marcantes e alguns nem tanto, amizade, amor, cumplicidade, arte, literatura.
 
O Senhor Horto. Autor: André Dahmer
 
Horto não poupa a si nem ao restante da humanidade de sua ironia e de seu humor corrosivo. Porém, não perde de vista certa dose de ternura e empatia diante da tragicomédia da existência.

O escritor Horto. Autor: André Dahmer
 
Li com prazer e sentimento de vingança este Vida e Obra de Terêncio Horto, e me reconheci em muitas de suas páginas. O livro já faz parte do meu manual de sobrevivência na selva literária. De forma direta injeta ar fresco e claridade no ambiente de boçalidade do mundo das letras e das artes, além de aliviar a barra pesadíssima do cotidiano. Só resta agradecer ao quadrinista e escritor André Dahmer por nos ter revelado esse grande autor e pensador brasileiro. Com especial destaque, também, para as ótimas ilustrações.

O escritor Horto. Autor: André Dahmer
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*Vida e obra de Terêncio Horto. André Dahmer. Ilustrações do autor. Editora Schwarcz S.A., São Paulo, 2014.
 
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Texto revisto, publicado antes em 16.10.2017
 

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

O nascimento da Luz

Jorge Finatto
 
Madonna and Child. Maria e Jesus.
Autor: Rafael Sanzio, 1508
 
 
DESEJO AOS AMIGOS do blog um Natal em paz com a família, os amigos e entre os estranhos caso estejam longe de casa. Aos que estão sós e tristes, que não se deixem levar pela solidão e pela tristeza, que o Natal é o nascimento da Grande Luz que nos fala de irmandade, bondade, perdão, solidariedade e alegria de viver. Tudo isto nos trouxe Jesus Cristo com seu nascimento. Saúde a todos. 
 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Partir ou ficar

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto

2018 foi um dos anos mais difíceis. Acredito que a maioria dos brasileiros está exausta com tudo que se passou de ruim nos últimos tempos. Milhares foram embora e tantos outros continuam indo todos os dias em busca de uma vida melhor em outro país.

A sensação que se tem é de que não há saída nessa escuridão. E a vida não acontece no futuro, mas hoje, agora. É preciso tomar decisões, comer, vestir, sustentar filhos, buscar um lugar ao sol, ser um pouco feliz. E o nosso país, infelizmente, só tem produzido sombra na vida das pessoas.
 
Ninguém mais suporta notícias de corrupção e gestão ruinosa. O Brasil virou o país do não, principalmente do não à esperança. Há um imenso cansaço.
 
Seu eu fosse jovem, possivelmente buscaria outros horizontes. Entendo a busca dessas pessoas. Mas mudar de país não deixa de ser um salto no escuro. O mundo todo está em convulsão. As crises humanitárias ocorrem em diferentes partes, são milhões à procura de um lar, de um trabalho, de paz para viver. Por outro lado, aumenta a xenofobia nas nações mais desenvolvidas.
 
Seja como for, nem todos podem recorrer ao aeroporto para resolver suas vidas. A maior parte da população terá de tentar melhorar as coisas aqui mesmo, cobrando honestidade, competência e medidas concretas daqueles que assumirão o governo a partir de 1º de janeiro de 2019.

Se o novo governo for honesto como se espera, os problemas mais graves serão resolvidos. Mas mudar o Brasil não é tarefa para um só homem ou para um só governo.
 
Tornar o país um lugar para todos e não para poucos privilegiados é trabalho enorme pela frente. Começa pela cabeça de cada um, pelo próprio coração. Mudando maus hábitos e maus sentimentos. Respeitar as leis, cumprir as obrigações, sem "jeitinho" ou embustes, olhar o próximo como irmão e não como inimigo... Quem sabe não é assim que construiremos um lugar decente para viver.