quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Aveiro

Jorge Finatto
 
Moliceiro na Ria de Aveiro. photo: jfinatto
 
AVEIRO é uma cidade cordial. É isto que sinto conversando e andando por aqui. Um passeio de moliceiro pela Ria de Aveiro é uma beleza. A cidade tem canais que se formam a partir do encontro das águas do mar com o rio Vouga. A Ria resulta desse encontro. Quem gosta de cidades de rio ou mar, como eu, sente-se em casa.

painel com azulejos, Aveiro. photo: jfinatto
 
O tratamento dos habitantes é simples e gentil. O centro histórico, o casario, as igrejas, as ruas e vielas, os doces de ovos moles, tudo faz a gente querer ficar e, depois, voltar. Lugares que gostei muito de conhecer: o Hotel Moliceiro, os restaurantes Maré Cheia e O Augusto, além de A Barrica com seus doces que são verdadeiro tormento para diabéticos.

a Ria de Aveiro. photo: jfinatto
  

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Bolonha

Jorge Finatto 

photo: jfinatto

HÁ CIDADES que têm museus. Há cidades que são museus. Acervos viventes com habitantes, casas, cores, monumentos, ruas, pontes, histórias... Bolonha é um museu vivo. O passado de muitos séculos está presente. Ontem e hoje se encontram. O tempo já não é esquecimento. É memória em cotidiana construção.
 
photo: jfinatto
 
photo: jfinatto

No primeiro dia na cidade, no Casco Velho de Bolonha, fiquei com a impressão de que poderia ser atropelado a qualquer momento, tal o trânsito caótico pelas ruas e vielas. Um movimento intenso e em velocidade de lambretas, carros e bicicletas surgindo por todo lado. Um situação de aflição. Multipliquei os cuidados.  Mas sobrevivi. Deus é pai!
 
photo: jfinatto
 

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Café Odeon

Jorge Finatto
 
Rio Limmat. Zurich. photo: jfinatto

Zurich, 11 de fevereiro - DEPOIS de uns dias em Thun e Annecy, vem Zurich. Cinco horas de trem desde a França. A gente chega quadrado. Mas tudo vale a pena. Passando a fronteira sente-se que a Suíça é outro planeta. A população resumida a 8 milhões e quatrocentas mil pessoas, uma organização e um modo de viver que vêm de muitos séculos fazem deste país um lugar à parte. Tudo é feito para funcionar e funciona num nível elevado.
 
Igreja Protestante Grossmünster, Zurich.
photo: jfinatto
 
A democracia direta, em que os cidadãos decidem pelo voto as coisas que realmente importam, faz toda a diferença. Não se resumem a votar de quatro em quatro anos em governantes sobre os quais em geral pouco ou nada se sabe, e cujos resultados disso nós, brasileiros, bem conhecemos. Um país rico e trabalhador. Evidente que tem defeitos, mas no básico todos têm o necessário, têm direitos respeitados, uma vida. A ostentação não é um defeito suíço. São austeros sem ser misantropos. 25% da população, segundo andei lendo, são imigrantes.
 
Hoje passei no Café Odeon, tomando um cappuccino. Existe desde 1911. Desde sempre freqüentado por artistas, poetas, escritores, políticos, cientistas, entre eles Stefan Zweig, James Joyce, Albert Einstein, Toscanini, Mussolini, Tristan Tzara, Klaus Mann, Lenin, Sommerset Maugham, Friedrich Dürrenmatt.
 
Café Odeon, Zurich. photo: jfinatto
 
E caminhei à margem do Rio Limmat, verde-azul transparente, com suas nuvens, barcos e aves refletidas na face ondulante. Um frio de rachar, mas nada que um ausentino não possa suportar com calma.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Trens suíços

Jorge Finatto
 
Castelo na cidade de Thun. photo: jfinatto, 08.02.19
 

Thun, Suíça - 09.02.2019 - Os trens suíços funcionam no horário. Os relógios suíços, dizem, são implacáveis com o atraso. Eu gosto de andar de trem e aqui na Suíça é o que mais faço (junto com outras coisas simples). É um belo lugar no mundo. 
 
E gosto de relógios. Mas continuo com meu relógio comprado em 1995, no interior do Rio Grande do Sul, na cidade onde trabalhava. Em dinheiro de hoje deve ter custado por volta de 200 reais.  Deve estar valendo agora em torno de 20 ou 30 reais, se tanto. Mas não troco por nenhum outro.
 
Eu não viajo pra fazer compras. Claro, o dinheiro não dá pra isso. Mas se tivesse dinheiro, também não faria compras. Minto: compro livros e revistas em bancas de jornal e livrarias. Que me dão um trabalho enorme na hora de arrumar a mala pra voltar. A minha cachaça.
 
No mais é caminhar pelos lugares, conhecer, ouvir música, fotografar, tomar café, cheirar, ir a livrarias e lugares bons, como os Pastéis de Belém, a Livraria Cotovia, a Casa Fernando Pessoa e o Oceanário, em Lisboa, ou o Kunstmuseum de Zurique.
 
Viajar, estar em trânsito, tem o poder de pôr em suspenso as nossas preocupações. A sensação de movimento, de pé na estrada, e a descoberta de coisas novas e boas (algumas nem tanto) alimentam o espírito. Depois ficam as memórias.
 
Longe dos problemas e das correntes do cotidiano, podemos navegar pra fora do continente da angústia e dos medos. Um pouco que seja. E, com o descanso do excesso de realidade, podemos encontrar caminhos que antes pareciam inviáveis. Quem viaja abre o coração, não se mata nem pensa mal da vida. E o ser humano volta a parecer gente.
 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A boneca de trapo

Jorge Finatto
 
photo: j.finatto *
 
ERA UMA DESSAS TARDES que antecedem o outono em Passo dos Ausentes. O ar outonal nos deixa mais sensíveis. Talvez pela mudança das cores na natureza e pela queda das folhas. As seivas concentram forças, evitando qualquer desperdício. Em dias assim, é uma sorte estar vivo.
 
Enquanto atravessava a Praça da Ausência, encontrei uma boneca de trapo caída no chão. Era feita de velhos panos coloridos. Os olhos eram dois botões verdes.
 
Os cabelos, fios de lã repartidos em duas tranças. A boca, um pequeno risco vermelho, e sorria.
 
Apesar de perdida, a boneca não parecia muito triste. Carregava um leve toque de melancolia no semblante, que desapareceu quando a levantei.  Acomodei-a no banco da praça, embaixo de um salgueiro, ao lado do lago.
 
Fui embora, não sem alguma dor. No início quis levá-la comigo, dar-lhe novo lar. Mas desisti ao pensar que quem a perdeu (uma criança tudo leva a crer) voltaria para buscá-la. Seria de cortar o coração não encontrar a sua boneca de trapo.
 
Viver tem dessas coisas. Nem sempre podemos ter o que nos encanta. Nem sempre, como no outono, a vida se exalta em delicadas mutações.
 
Num dia, o céu azul nos ilumina, habitado aqui e ali por nuvens cor-de-rosa, o coração bate harmonioso. Noutro, pensamentos escuros, pesados, se espalham e a gente só imagina besteira.
 
A boneca de trapo me lembrou coisas que perdi na vida. Perdi e me conformei. Porque nada, absolutamente nada, nos pertence nesse mundo.
 
Tudo que temos é emprestado, a começar pela vida. Um dia teremos de devolver. Nada é verdadeiramente nosso.

Salvo, talvez, o meigo sorriso de uma boneca de trapo.
______
 
*Boneca artesanal da região serrana do Rio Grande do Sul.
Texto revisto, publicado em 16 de março de 2011.

domingo, 27 de janeiro de 2019

Graciliano, tanto mar

Jorge Finatto
 
Estátua de Graciliano Ramos.
Maceió. photo: jfinatto
 
PASSEI uns dias em Alagoas, quase todos na Praia do Francês. Descobri o mar mais lindo que vi até hoje. No início, achei o pessoal introvertido. Mas aos poucos, puxando conversa aqui e ali, descobri pessoas afáveis, gentis, educadas, mais reservadas que expansivas. Um lugar que pretendo voltar.
 
Entre outros motivos (além de rever o mar morno, verde e hialino), para conhecer o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga. Território de resistência e de afirmação do povo que veio da África na maldição dos navios negreiros e que aqui fundou um país. O Brasil profundo é criação do negro.
 
photo: jfinatto
 
Um dia fui até a Livraria Leitura, no Parque Shopping, em Maceió. Estava na terra do grande Graciliano Ramos e não podia deixar de comprar um livro dele. Escolhi Alexandre e outros heróis, livro de causos alagoanos contados por Graciliano. Textos escritos depois de publicados seus romances fundamentais. Obra de excelência, portanto. Graciliano, autor de Vidas Secas,  está entre os autores que mais li.
 
Em Maceió o carro percorreu a avenida à beira-mar ao longo da qual estão as belas praias da capital. Foi lá que pedi ao motorista para parar a fim de eu fotografar a estátua de Graciliano Ramos. O escritor diante do mar verde-azulado sem fim. Sem fim como o espírito, o engenho e a arte do velho Graça.
 
 photo: jfinatto
 

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Saudade do mar

Jorge Finatto
 
Praia do Francês. photo: jfinatto
 
O MAR, sempre ele, leva o pensamento longe, muito longe, muito além da África que está em frente, basta seguir sobre uma linha reta e ela nos levará direto para uma praia africana. Aqui da Praia do Francês, em Alagoas, esta proximidade da Mãe Terra África é ainda maior do que no Rio Grande do Sul.
 
O azul desse mar que ora é verde chega a doer nos olhos. Caminhando, vemos os peixes e a areia a nossos pés, tudo muito claro, ensolarado. Água morna e transparente,  boa de se deitar nela e ficar olhando o céu, uns poucos brancos retalhos de nuvem sobre o azul.
 
Praia do Francês. photo: jfinatto
 
Infinito lá e cá no mar. Parece que esses momentos nunca terão fim. Decerto nunca terão. Porque isso tudo foi feito para viver e brilhar. Para deleite de Deus e nosso.
 
Daqui alguns dias virá outra viagem, frio, neve, caminhos molhados, mala nas costas, trem. Perambular noutras querências. De querência em querência, a vida pulsando, mundo grande, maior do que os nossos sonhos. Coração batendo diante de tanta beleza.
 
Praia do Francês. photo: jfinatto
 
photo: jfinatto