quinta-feira, 21 de março de 2019

Giorgio Morandi, traços de Bolonha

Jorge Finatto

Atelier. Casa Morandi. photo: jfinatto
 

OLHANDO OS TONS pastéis dos edifícios, arcadas, praças e monumentos de Bolonha, tem-se a impressão de que a cidade nasceu da paleta de seu pintor Giorgio Morandi. A transparência das cores, a leveza geométrica dos traços do grande artista da Via Fondazza estão profundamente enraizadas nas formas e matizes da cidade. Morandi e Bolonha pertencem-se. A cidade e o pintor vivem um dentro do outro.

Seria talvez uma ousada metáfora dizer que Bolonha nasceu da imaginação de Morandi. Mas não seria uma mentira descabelada...

Casa Morandi, atelier. photo: jfinatto

Na Via Fondazza encontra-se a casa onde ele viveu e trabalhou, hoje Casa Morandi. Ali encontram-se alguns de seus objetos pessoais, o atelier com a cama, quadros, livros, o chapéu, material de pintura, instrumentos de trabalho, etc. Olhando-se as cores e tons das casas da Via percebe-se que a cidade foi sempre a inspiração primeira na obra do artista. Sobriedade e ousadia, o caráter doméstico das fachadas, com suas portas, paredes e janelas, a vida social existente, tudo remete a um ambiente muito particular.

Natureza-morta. Museu Morandi, Bolonha. photo: jfinatto

Visitei o Museu Morandi, não muito distante da Casa. Lá encontram-se muitas de suas pinturas, embora haja peças do acervo em outras partes e coleções. Um sentimento de equilíbrio e suavidade compõe os traços do pintor nas naturezas-mortas, flores e paisagens. Olhar estas obras faz bem ao coração.

Paisagem. Museu Morandi. Bolonha. photo: jfinatto
 


sábado, 16 de março de 2019

A poesia está em toda parte

Jorge Finatto

Ron Padgett. photo by Chris Felver
 
 
Varrer

O que eu quero
é esquecer tudo
o que alguma vez soube sobre poesia
e varrer a caruma
de cima do telhado da cabana
e vê-la voar para longe
nesta tarde de Outubro

A caneta é mais poderosa que a espada
mas hoje a vassoura
é mais poderosa que a caneta                       

                                     Ron Padgett*
 
 
CONTINUO LENDO, calma e atentamente, o livro Poemas Escolhidos, de Ron Padgett. Não se deve ler um livro de poemas como quem lê um romance ou outra prosa qualquer. O poema pede retiro, distanciamento, já nem digo físico, mas espiritual. Quer dizer, é preciso construir um espaço de silêncio interior em meio ao tumulto e à brutalidade do cotidiano para deixar entrar um pouco de luz em forma de poesia.
 
Até onde eu sei não existe livro de Padgett lançado no Brasil. A tradução em Portugal dos Poemas Escolhidos (setembro de 2018) vem em muito boa hora por oferecer uma visão ampla da obra do poeta norte-americano em língua portuguesa. Quem viu o excelente filme Paterson, que tem poemas dele, saiu do cinema com a impressão de que a poesia não só é possível como está muito viva nos dias de hoje, em plena aridez deste início de século.
 
Depois que publiquei a resenha sobre o poeta no post anterior, resolvi encaminhar-lhe por e-mail. Fiquei surpreso e sensibilizado com a resposta que ele deu. Não é sempre que um bardo de arrabalde se comunica com um "colega" de Nova Yorque, ainda mais quando este último é famoso e um dos mais importantes da atualidade. O que reforça a ideia de que a poesia irmana todos os humanos não importa onde vivam. Não tem centro nem periferia. Uma força cósmica nos reúne em torno da palavra.
 
A poesia, como o ar, está em toda parte.
 
Dear Jorge,
Thank you for the kind words. Tonight at dinner I will raise a bica in your honor. 
Best wishes, 
 
Ron Padgett
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*Poemas Escolhidos. Ron Padgett. Seleção, tradução e introdução por Rosalina Marshall. Editora Assírio & Alvim, Portugal, 2018.

segunda-feira, 11 de março de 2019

Um poeta: Ron Padgett

Jorge Finatto

Ron Padgett. O crédito será dado tão logo identificado
o autor da imagem

O poeta enquanto pássaro imortal
 
Um segundo atrás o meu coração deixou de bater
e eu pensei: "Seria uma péssima altura
para ter um ataque cardíaco e morrer,
a meio de um poema", então reconfortou-me
a ideia de que nunca soube de ninguém
que morresse a meio da escrita de um poema,
assim como os pássaros nunca morrem a meio do voo.
Acho.
                         Ron Padgett
 
O LIVRO mais interessante que encontrei nesse início de 2019, e que estou levando na bagagem para as leituras da Sociedade Histórica, Geográfica, Filosófica, Literária, Musical, Geológica, Astronômica, Antropológica e Antropofágica de Passo dos Ausentes, é Poemas Escolhidos, do norte-americano Ron Padgett. Não fosse por outras razões, esta só descoberta teria valido a viagem a Lisboa.

Enquanto pescava nas estantes da Livraria Bertrand, me chamou a atenção o volume solitário. Nunca tinha lido nada sobre o autor. Peguei o livro, li alguns versos aqui e ali. Fechei e saí para outra estante. Já estava com 26 livros na mala.

Mas aqueles versos ficaram batendo na minha cabeça. Voltei, abri de novo, li outros versos. Cheguei à conclusão de que não poderia voltar ao hotel sem aquele poeta. Paguei os 18,80 euros e fui folheá-lo no Café Praça Central, ali mesmo, no Shopping Amoreiras.

Padgett nasceu em Tulsa, Oklahoma, em 1942, e está bem vivo nos Estados Unidos. São de sua autoria alguns dos poemas do belo filme Paterson, de 2016, escrito e dirigido por Jim Jarmusch. A história trata, em resumo, da vida de um pacato motorista de ônibus que também escreve, e como escreve!, poemas. Uma vida comum apenas na aparência, cheia de busca de sentidos e beleza.

Padgett escreve sobre coisas do cotidiano, nada transcendentes (na aparência). Mas que, na mira de seu olhar sensível, adquirem uma outra dimensão.

Não é quimérico nem oráculo. Quando escreve é como se caminhasse ao lado do leitor pela rua, qualquer rua, numa cidade qualquer, Nova Yorque ou Selbach. Escrever assim é deixar-se tocar pelas mãos candentes da vida, é estar louco, mas sem abdicar da lucidez e dos sonhos.

Estou lendo aos poucos e com calma como deve ser lido um livro de poemas. A edição bilíngüe permite acompanhar o trabalho de tradução e aquilatar seu alcance (sem esquecer que traduzir poemas é uma das maiores aventuras a que alguém se pode lançar).

O poeta não dá muitas voltas, vai ao ponto. Ao mesmo tempo, especula o brilho das estrelas nos olhos de um pássaro. Não quer ser, e não é, um pastor ou um guia no deserto.  Fala uma língua humana, é profundo, bem-humorado, irônico, mas nunca cruel, com a vida, consigo e com o leitor. Um grande achado.

Um autor que merece ser levado para casa.


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Poemas Escolhidos. Ron Padgett. Seleção, tradução e introdução por Rosalina Marshall. Editora Assírio & Alvim, Portugal, 2018.

terça-feira, 5 de março de 2019

A volta

Jorge Finatto
photo: jfinatto. Lisboa

VAI SER difícil voltar a Porto Alegre e não te ver mais. Encontrarei um apartamento fechado, uma janela onde o sol já não entra. Não estarás à minha espera nem à espera de ninguém. Os dias de esperar terminaram. As tuas horas, borboletas numa tarde poente, sumiram, sumiram.

Primavera está chegando mas não pra ti, Nena. Eras o centro de uma mesa com muitos lugares. Porta e janela se fecham com a tua casa vazia. Terei de inventar outra morada, outra mesa, e pôr novas flores na minha janela triste.

A tua ausência permanece de braços abertos na porta.

Vou pintar um sol amarelo sobre a folha branca. Tecer a aurora para expulsar a escuridão da tua falta.

sábado, 2 de março de 2019

Lisboa

Jorge Finatto
 
vista Lisboa a partir de Cacilhas. photo: jfinatto
 

VISTA do outro lado do Tejo, do cais de Cacilhas, Lisboa aparece iluminada pelo sol de inverno. A cidade de tantos poetas e tantos fados não economiza sua luz. É generosa com o visitante.
 
Invadida por turistas (estão por todo lado a toda hora), não perde seu jeito de ser. Está sempre em si mesma.
 
Lisboa se conhece aos poucos, é amiga do tempo, não se deixa conquistar sem sentimento.
 

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Aveiro

Jorge Finatto
 
Moliceiro na Ria de Aveiro. photo: jfinatto
 
AVEIRO é uma cidade cordial. É isto que sinto conversando e andando por aqui. Um passeio de moliceiro pela Ria de Aveiro é uma beleza. A cidade tem canais que se formam a partir do encontro das águas do mar com o rio Vouga. A Ria resulta desse encontro. Quem gosta de cidades de rio ou mar, como eu, sente-se em casa.

painel com azulejos, Aveiro. photo: jfinatto
 
O tratamento dos habitantes é simples e gentil. O centro histórico, o casario, as igrejas, as ruas e vielas, os doces de ovos moles, tudo faz a gente querer ficar e, depois, voltar. Lugares que gostei muito de conhecer: o Hotel Moliceiro, os restaurantes Maré Cheia e O Augusto, além de A Barrica com seus doces que são verdadeiro tormento para diabéticos.

a Ria de Aveiro. photo: jfinatto
  

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Bolonha

Jorge Finatto 

photo: jfinatto

HÁ CIDADES que têm museus. Há cidades que são museus. Acervos viventes com habitantes, casas, cores, monumentos, ruas, pontes, histórias... Bolonha é um museu vivo. O passado de muitos séculos está presente. Ontem e hoje se encontram. O tempo já não é esquecimento. É memória em cotidiana construção.
 
photo: jfinatto
 
photo: jfinatto

No primeiro dia na cidade, no Casco Velho de Bolonha, fiquei com a impressão de que poderia ser atropelado a qualquer momento, tal o trânsito caótico pelas ruas e vielas. Um movimento intenso e em velocidade de lambretas, carros e bicicletas surgindo por todo lado. Um situação de aflição. Multipliquei os cuidados.  Mas sobrevivi. Deus é pai!
 
photo: jfinatto