segunda-feira, 22 de abril de 2019
sábado, 13 de abril de 2019
A mulher do retrato
Jorge Finatto
photo da photo: jfinatto |
E, NO ENTANTO, ela está ali, viva, na pequena moldura sobre a mesa do vendedor de quinquilharias na feira de antigüidades da Plaza Constitución em Montevideo. Encontrei-a na sexta-feira, 13/02/2015.
A brisa, um pouco fria, conversava com as folhas dos plátanos. O sol calmo espiava entre os galhos.
A brisa, um pouco fria, conversava com as folhas dos plátanos. O sol calmo espiava entre os galhos.
Viva e bela, lá está a jovem mulher desconhecida de 120 anos atrás. O semblante revela paz. Ou pelo menos resignação. Viver lhe traz algum encanto? Será feliz? Que sonhos acalentará?
Ela vestiu o seu vestido mais bonito pra tirar a fotografia. Sabia talvez que a imagem ia atravessar o tempo e oferecer-se a olhos curiosos no futuro distante.
O retrato caiu do toucador no casarão abandonado da Ciudad Vieja. Muitos anos se passaram na sombra. Um dia entrou num baú e foi levado ao antiquário. Depois à praça onde agora brilham, sob os plátanos, os olhos da bela mulher.
Ela vestiu o seu vestido mais bonito pra tirar a fotografia. Sabia talvez que a imagem ia atravessar o tempo e oferecer-se a olhos curiosos no futuro distante.
O retrato caiu do toucador no casarão abandonado da Ciudad Vieja. Muitos anos se passaram na sombra. Um dia entrou num baú e foi levado ao antiquário. Depois à praça onde agora brilham, sob os plátanos, os olhos da bela mulher.
O que é uma fotografia? Um instante que não se deixa apagar.
Um fragmento de vida congelado no tempo.
Uma face de mulher que não se perdeu graças ao registro.
Pequena eternidade de luz.
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Texto revisto, publicado em 14 fev. 2015.
domingo, 7 de abril de 2019
A casa do fantasma
Jorge Finatto
E POR FALAR em fantasmas, a coleção deles não para de aumentar. Alguns já partiram há muito tempo (o tempo humano é farelo, ele sabe). Outros ainda estão por aqui mas não foram mais vistos.
Os habitantes do oblívio. Ele mesmo é um tipo de fantasma. Um que caminha entre luz e sombra, dia e noite, preto e branco, visível e invisível.
Os habitantes do oblívio. Ele mesmo é um tipo de fantasma. Um que caminha entre luz e sombra, dia e noite, preto e branco, visível e invisível.
As ruas são as mesmas mas os antigos moradores viajaram a outros planetas. Ele ficou olhando o fim de tarde desenhado numa aquarela.
Abril chegou com seu discreto frio, seus silêncios, suas quaresmeiras em flor.
Abril chegou com seu discreto frio, seus silêncios, suas quaresmeiras em flor.
Esta vida é uma aquarela. No início as cores e formas são vívidas e transparentes. Depois vão se apagando como um entardecer.
A beleza habita a casa do efêmero, ele pensa.
E ousa sentir.
E ousa sentir.
segunda-feira, 1 de abril de 2019
A hora da pacificação
O NÚMERO de desempregados divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é terrível.* Até o final de fevereiro último, somavam 13 milhões e 100 mil as pessoas sem trabalho. Além delas, existem 4 milhões e 900 mil desalentados, isto é, aqueles que desistiram de procurar emprego por desânimo, depressão, cansaço diante do quadro que se apresenta.
Enquanto isso, não se vislumbram ações capazes de levar o país a uma pacificação. Não houve diminuição do enfrentamento politico, distensão que deveria ter se seguido às eleições para a reconstrução da confiança, da economia e dos empregos. Pelo contrário, o bate-boca aumentou, e quando a gritaria prevalece, acaba ocupando o lugar destinado ao diálogo, às ideias, projetos, boas práticas. A inteligência se calou no Brasil nos últimos meses.
O país continua carente de bom senso, razoabilidade, espírito público. As coisas simplesmente não andam. Parece que não existe amanhã nestes tempos de ódio. Estamos vivendo uma espécie de velório da esperança.
É preciso que os homens e mulheres que ocupam cargos públicos saibam que não estão aí para ser servidos, mas para servir a sociedade. É o óbvio que deve ser reiterado todos os dias no Brasil.
Todo mundo sabe o que necessita ser feito para melhorar a vida da população. O país não pode esperar mais. Humildade, respeito ao semelhante, paz, trabalho, justiça, empatia são algumas palavras que podem ajudar muito nesta hora. Não se brinca com a vida de mais de 200 milhões de pessoas.
_________
*Desemprego
https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/03/29/desemprego-sobe-para-124percent-em-fevereiro-diz-ibge.ghtml
Enquanto isso, não se vislumbram ações capazes de levar o país a uma pacificação. Não houve diminuição do enfrentamento politico, distensão que deveria ter se seguido às eleições para a reconstrução da confiança, da economia e dos empregos. Pelo contrário, o bate-boca aumentou, e quando a gritaria prevalece, acaba ocupando o lugar destinado ao diálogo, às ideias, projetos, boas práticas. A inteligência se calou no Brasil nos últimos meses.
O país continua carente de bom senso, razoabilidade, espírito público. As coisas simplesmente não andam. Parece que não existe amanhã nestes tempos de ódio. Estamos vivendo uma espécie de velório da esperança.
É preciso que os homens e mulheres que ocupam cargos públicos saibam que não estão aí para ser servidos, mas para servir a sociedade. É o óbvio que deve ser reiterado todos os dias no Brasil.
Todo mundo sabe o que necessita ser feito para melhorar a vida da população. O país não pode esperar mais. Humildade, respeito ao semelhante, paz, trabalho, justiça, empatia são algumas palavras que podem ajudar muito nesta hora. Não se brinca com a vida de mais de 200 milhões de pessoas.
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*Desemprego
https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/03/29/desemprego-sobe-para-124percent-em-fevereiro-diz-ibge.ghtml
terça-feira, 26 de março de 2019
Pequenas humanidades
Jorge Finatto
photo: j.finatto |
O PROBLEMA, raro leitor, é que quando a pessoa deixa de gostar de si mesma a vida torna-se muito dura. A dela e a dos que estão por perto. Por isso é do interesse geral que todos sejam felizes ou, pelo menos, o mais próximo disso que puderem.
O infeliz arrasta o mundo para o buraco com ele. Qualquer um de nós já passou por isso. Aparece aquela nuvem carregada sobre a cabeça. Essa nuvem se expande com facilidade.
Nessas horas precisamos de uma palavra, um olhar, um aconchego para voltar a viver. Acontece que na vida de aparências em que estamos metidos somos cada vez menos estimulados a falar de nossos sentimentos. Somos esfinges no deserto.
Conheço pessoas que nada mais esperam da vida. Perderam a alegria de viver. Sobrevivem a duras penas. Não que queiram. Simplesmente aconteceu. Não sabem o que fazer. Têm medo de viver, de sonhar, de sofrer de novo. Os medos.
Esse estado de espírito é um dos principais legados da sociedade materialista, competitiva, agressiva e desumana em que vivemos. O outro é o inimigo em armas. Existe pouco espaço para a mansidão e a solidariedade.
Só o afeto tem o poder de nos reconciliar com o próximo e com a vida. Longe do calor humano tudo é o mesmo que nada.
Afeto não tem preço, não se aluga, não se compra, não se vende. Se dá e se recebe.
Não precisamos ser íntimos de alguém pra passar afeto. Isso se faz num gesto de gentileza, cordialidade, atenção.
São coisas simples que, enlaçadas, são capazes de causar uma grande revolução. Está todo mundo esperando e precisando muito dessas pequenas humanidades.
Eu acredito que podemos investir mais na nossa espécie, na reciprocidade dos bons gestos, no afago.
De mãos dadas a vida é outra.
Começo a terça-feira oferecendo a você essas palavras, minha amiga, meu amigo. Elas estão vivas. Cuide bem delas, dos outros, de si mesmo. Você merece. Nós merecemos.
_________
Texto revisto, publicado antes em 21, outubro, 2014.
Afeto não tem preço, não se aluga, não se compra, não se vende. Se dá e se recebe.
Não precisamos ser íntimos de alguém pra passar afeto. Isso se faz num gesto de gentileza, cordialidade, atenção.
São coisas simples que, enlaçadas, são capazes de causar uma grande revolução. Está todo mundo esperando e precisando muito dessas pequenas humanidades.
Eu acredito que podemos investir mais na nossa espécie, na reciprocidade dos bons gestos, no afago.
De mãos dadas a vida é outra.
Começo a terça-feira oferecendo a você essas palavras, minha amiga, meu amigo. Elas estão vivas. Cuide bem delas, dos outros, de si mesmo. Você merece. Nós merecemos.
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Texto revisto, publicado antes em 21, outubro, 2014.
Marcadores:
cordialidade,
gentileza,
solidariedade
quinta-feira, 21 de março de 2019
Giorgio Morandi, traços de Bolonha
OLHANDO OS TONS pastéis dos edifícios, arcadas, praças e monumentos de Bolonha, tem-se a impressão de que a cidade nasceu da paleta de seu pintor Giorgio Morandi. A transparência das cores, a leveza geométrica dos traços do grande artista da Via Fondazza estão profundamente enraizadas nas formas e matizes da cidade. Morandi e Bolonha pertencem-se. A cidade e o pintor vivem um dentro do outro.
Seria talvez uma ousada metáfora dizer que Bolonha nasceu da imaginação de Morandi. Mas não seria uma mentira descabelada...
Na Via Fondazza encontra-se a casa onde ele viveu e trabalhou, hoje Casa Morandi. Ali encontram-se alguns de seus objetos pessoais, o atelier com a cama, quadros, livros, o chapéu, material de pintura, instrumentos de trabalho, etc. Olhando-se as cores e tons das casas da Via percebe-se que a cidade foi sempre a inspiração primeira na obra do artista. Sobriedade e ousadia, o caráter doméstico das fachadas, com suas portas, paredes e janelas, a vida social existente, tudo remete a um ambiente muito particular.
Visitei o Museu Morandi, não muito distante da Casa. Lá encontram-se muitas de suas pinturas, embora haja peças do acervo em outras partes e coleções. Um sentimento de equilíbrio e suavidade compõe os traços do pintor nas naturezas-mortas, flores e paisagens. Olhar estas obras faz bem ao coração.
Seria talvez uma ousada metáfora dizer que Bolonha nasceu da imaginação de Morandi. Mas não seria uma mentira descabelada...
Casa Morandi, atelier. photo: jfinatto |
Na Via Fondazza encontra-se a casa onde ele viveu e trabalhou, hoje Casa Morandi. Ali encontram-se alguns de seus objetos pessoais, o atelier com a cama, quadros, livros, o chapéu, material de pintura, instrumentos de trabalho, etc. Olhando-se as cores e tons das casas da Via percebe-se que a cidade foi sempre a inspiração primeira na obra do artista. Sobriedade e ousadia, o caráter doméstico das fachadas, com suas portas, paredes e janelas, a vida social existente, tudo remete a um ambiente muito particular.
Natureza-morta. Museu Morandi, Bolonha. photo: jfinatto |
Visitei o Museu Morandi, não muito distante da Casa. Lá encontram-se muitas de suas pinturas, embora haja peças do acervo em outras partes e coleções. Um sentimento de equilíbrio e suavidade compõe os traços do pintor nas naturezas-mortas, flores e paisagens. Olhar estas obras faz bem ao coração.
Paisagem. Museu Morandi. Bolonha. photo: jfinatto |
sábado, 16 de março de 2019
A poesia está em toda parte
O que eu quero
é esquecer tudo
o que alguma vez soube sobre poesia
e varrer a caruma
de cima do telhado da cabana
e vê-la voar para longe
nesta tarde de Outubro
A caneta é mais poderosa que a espada
mas hoje a vassoura
é mais poderosa que a caneta
Ron Padgett*
CONTINUO LENDO, calma e atentamente, o livro Poemas Escolhidos, de Ron Padgett. Não se deve ler um livro de poemas como quem lê um romance ou outra prosa qualquer. O poema pede retiro, distanciamento, já nem digo físico, mas espiritual. Quer dizer, é preciso construir um espaço de silêncio interior em meio ao tumulto e à brutalidade do cotidiano para deixar entrar um pouco de luz em forma de poesia.
Até onde eu sei não existe livro de Padgett lançado no Brasil. A tradução em Portugal dos Poemas Escolhidos (setembro de 2018) vem em muito boa hora por oferecer uma visão ampla da obra do poeta norte-americano em língua portuguesa. Quem viu o excelente filme Paterson, que tem poemas dele, saiu do cinema com a impressão de que a poesia não só é possível como está muito viva nos dias de hoje, em plena aridez deste início de século.
Depois que publiquei a resenha sobre o poeta no post anterior, resolvi encaminhar-lhe por e-mail. Fiquei surpreso e sensibilizado com a resposta que ele deu. Não é sempre que um bardo de arrabalde se comunica com um "colega" de Nova Yorque, ainda mais quando este último é famoso e um dos mais importantes da atualidade. O que reforça a ideia de que a poesia irmana todos os humanos não importa onde vivam. Não tem centro nem periferia. Uma força cósmica nos reúne em torno da palavra.
A poesia, como o ar, está em toda parte.
Dear Jorge,
Thank
you for the kind words. Tonight at dinner I will raise a bica in
your honor.
Best
wishes,
Ron
Padgett
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