sábado, 26 de janeiro de 2013

A aventura do flamingo cor-de-rosa

Jorge Adelar Finatto


Flamingo. Foto: Aaron Logan. Fonte: Wikipédia


O flamingo pousou na popa do veleiro quando passávamos pela Ilha do Barba Negra, na Lagoa dos Patos (que, àquela hora, brilhava sob o sol amarelo e intenso da tarde de fevereiro).

Pousou ao lado de Filipo, o papagaio marinheiro, que estava sentado e distraído na beira do barco, os olhinhos fechados, peito estufado respirando a brisa. Filipo deu um pulo de susto, o boné de marinheiro caiu na água. O flamingo recolheu-o com o bico.

Essas surpresas acontecem na vida de quem navega. Tínhamos saído para dar um giro com nosso veleiro Solitário, a fim de ver as belezas do rio, suas ilhas e pássaros. E também para ficar distante do ruído e do trânsito violento da cidade, da correria agressiva e sem sentido.

Filipo indagou do flamingo, na linguagem das aves, qual era seu nome e de onde vinha. Ele respondeu que se chamava Arquibaldo e que vinha de Amsterdam, sua cidade natal, na Holanda. Vivia com a família num barco abandonado num dos canais daquela bela cidade. Estava em viagem de férias com os pais e irmãos quando o inesperado aconteceu.
 
Amsterdam. photo: j.finatto
 
Na altura do arquipélago dos Açores, uma tempestade dispersou a família de flamingos e arremessou Arquibaldo em outra direção, separando-o do grupo. Depois de vencer o medo e a ventania, voou muito e pegou carona num navio. Acabou chegando ao sul do Brasil após vinte dias. Estava exausto e atordoado com os últimos acontecimentos.

Os flamingos, em geral, têm a plumagem cor-de-rosa. Em Arquibaldo essa cor é ainda mais viva, um rosa antigo belíssimo. Providenciamos uma boa alimentação e um bom descanso para nosso novo amigo.

Arquibaldo é um flamingo adolescente e observador, com bom humor e espírito de aventura. Sentiu-se tão bem que pretende ficar conosco até o final do verão, quando então regressará para junto de sua família na casa-barco de Amsterdam.

O peixinho Moisés, nosso companheiro de navegações, saltou do rio para o interior do barco e ficou dentro do balde conversando com Arquibaldo.

Na Ilha das Pedras Brancas, rumamos em direção ao Parque da Harmonia e, daí, para o velho cais de Porto Alegre, sempre ouvindo a incrível história do mais novo membro da tripulação.

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Mais aventuras do veleiro Solitário em:

Navegador de barco de papel
http://ofazedordeauroras.blogspot.com/2011/08/navegador-de-barco-de-papel.html

A volta do barco de papel
http://ofazedordeauroras.blogspot.com/2010/10/volta-do-barco-de-papel.html

Texto publicado em 10.02.2012.
 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Série Retratos 6



photo: j.finatto


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Autor da photo: Jorge A. Finatto
Pedidos de cópia ou reprodução podem ser feitos ao autor pelo e-mail j.finatto@terra.com.br
As imagens são protegidas pela legislação que regula os direitos autorais.
 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O menino da água-furtada

Jorge Adelar Finatto
 

photo: j.finatto


O habitante da água-furtada sobrevive na memória de um sótão. Veja este álbum invisível que se abre como um segredo sobre a tela do computador.

Aqui está a casa velha de pinheiro, a parreira no quintal amadurecendo a uva moscatel, a janela aberta sobre o telhado para o Vale do Olhar,  a horta com seus aromas e gostos do passado, os pintos correndo no pátio ao lado da casa como pequenas bolas douradas.

O arroio atravessa o fundo do quintal, onde o menino molha a cabeça e os pés e depois se deita na margem, fecha os olhos e voa até as esferas celestes.

O arroio vem não se sabe de onde, passa pelo morador do oblívio e segue adiante, murmurante, risonho, leva os barcos de papel do menino mundo afora.

Hoje os mortos vieram visitar o menino, em silêncio sentaram-se em volta da mesa da sala diante dos retratos. Estavam com a cabeça baixa e sussurravam coisas caladas, suspiravam pelos dias vividos.

Os mortos vieram para o jantar na casa vazia. Depois foram desaparecendo lentamente, um a um, deixando um pó azul e branco no ar.

Os sonhos do menino não estão presos a nada. Em algum lugar bate o sino no meio da noite. O menino da água-furtada abre os olhos.

Tudo ainda tão vivo no coração.

Pedaços de seda coloridos pendurados nos galhos das árvores balançam ao vento.

A solidão descarnada das horas no sótão.
  

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Walmor Chagas e a beleza da palavra falada

Jorge Adelar Finatto


Walmor Chagas em seu sítio, 2006. Foto: Fernando Donasci. Folha da S.Paulo
 
 
No mês de outubro passado, no texto Um bosque no amanhecer*, falei da importância da Biblioteca Pública do Estado na vida de muitas pessoas e na minha em particular. De passagem, relembrei, também, um recital inesquecível do ator Walmor Chagas (1930-2013) apresentado naquela biblioteca, no início dos anos 1980, se estou bem lembrado.

Nunca esqueci aquela apresentação. A beleza da palavra escrita, quando ouvida da boca de Walmor Chagas, era inefável.

Pouca gente sabia dizer um texto como ele, especialmente poesia. O recital Partilha (título de um poema do poeta e escritor porto-alegrense Paulo Hecker Filho, amigo do ator e autor do roteiro), que ele apresentou no Salão Mourisco da Biblioteca Pública, foi um grande momento.

Quem não tinha intimidade com a literatura, ao ouvi-lo, passava a se interessar e ir atrás de textos e autores. Não sei se gravaram o recital em vídeo, tomara que sim.

Walmor Chagas tinha o dom de dar vida ao texto literário, na sua maneira de dizer, bem viva, bem sentida, sem excessos, sem faltas.
 
Infelizmente, o ator foi encontrado morto com um tiro na cabeça, na última sexta-feira, dia 18, na casa de seu sítio no interior da cidade paulista de Guaratinguetá. O corpo foi cremado no sábado. Os dados levantados pela polícia, até o momento, levam a crer em suicídio, segundo informou a imprensa.

Nascido em Porto Alegre, Walmor Chagas tinha um carreira longa e rica, tendo feito novelas e séries para televisão, além de cinema e teatro. Era, essencialmente, homem de teatro e cinema.
 
Depois de assistir Partilha, fiquei imaginando o quanto teria sido bom se o Ministério da Cultura ou outro órgão, até mesmo algum particular, patrocinasse não só peças de teatro como recitais de Walmor Chagas para percorrer o Brasil, levando literatura e despertando leitores com sua voz, sua elegância e sua interpretação de mestre. Além disso, esses programas poderiam ser gravados para televisão.
 
Perdemos Walmor Chagas. Já não será possível vê-lo nem ouvi-lo. O seu talento poderia ter sido melhor aproveitado.  Com sua morte, lá se vai não apenas um grande ator, como também grandes oportunidades perdidas.

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*Um bosque no amanhecer:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/10/um-bosque-no-amanhecer.html
 

domingo, 20 de janeiro de 2013

Série Retratos 5 (Drummond em Copacabana)








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Autor da photo: Jorge A. Finatto
Pedidos de cópia ou reprodução podem ser feitos ao autor pelo e-mail j.finatto@terra.com.br
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sábado, 19 de janeiro de 2013

A pátria da língua portuguesa

Jorge Adelar Finatto


Fernando Pessoa nos azulejos do Martinho da Arcada*. photo. j.finatto


Após um tempo sem falar português, num país distante, quando, enfim, entrei no avião da TAP, de regresso a Lisboa e, horas mais tarde, ao Brasil, disse aos tripulantes, na porta de entrada da aeronave: a nossa pátria é a língua portuguesa.

Aquilo saiu assim, de repente, quase um desabafo, ao reencontrar pessoas que compartilham o mesmo idioma, depois de um período de exílio longe da língua.

Minha pátria é a língua portuguesa. A frase de Fernando Pessoa, do Livro do Desassossego, trecho 259, expressa essa verdade cósmica e sentimental: pertencemos à língua que nos viu nascer, essa que sussurrou aos nossos ouvidos, nos instantes inaugurais da vida, o som das primeiras palavras de acalanto e consolo.


Amanhecer no oceano perto de Lisboa. photo: j.finatto


Os membros da tripulação não se mostraram espantados com o palavroso passageiro, ao contrário, aderiram à minha saudação, talvez levados por um sentimento de saudades de Portugal e do Tejo, naquela tarde fria do norte europeu.

A maternal língua de Camões nos lambe desde o berço, como lambeu Pessoa, Vitorino Nemésio, Eugénio de Andrade, Carlos Drummond, Heitor Saldanha, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, Henrique do Valle, entre tantos, da mesma maneira que lambe o vendedor de peixe do mercado público de Porto Alegre, a florista da Praça da Aurora, o homem da banca de jornais.

O português cultivado no Brasil enriqueceu-se dos sons e novos sentidos advindos das falas de origem africana, indígena, espanhola e de todos os povos que vieram ao continente brasileiro.

A língua portuguesa, amarga e doce, nos habita, e com ela tentamos nos comunicar no duro ofício de viver, sonhar e sofrer. Essa pátria nos carrega dentro de si aonde quer que nos levem os ventos oceânicos.

A língua é nosso território espiritual no mundo.

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*Café-Restaurante Martinho da Arcada, um dos mais antigos do mundo, em Lisboa. Patrimônio Nacional Português. Nele Fernando Pessoa costumava beber, jantar e receber amigos no balcão do café (foto acima) e na sua mesa cativa. O proprietário de então, reza a lenda, amigo a admirador do poeta (pobre), não cobrava as suas despesas. Há no local cópias de manuscritos, de fotografias e outros documentos do poeta. Fica na Praça do Comércio (ou Terreiro do Paço), sob os arcos, quase à margem do Tejo. Este post foi publicado anteriormente em 28.7.2012. (Jorge Finatto)
 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O violão de Ulisses Rocha

Jorge Adelar Finatto 

Ulisses Rocha

 
Um pedaço oco de madeira com algumas cordas. Com isso apenas, o artista é capaz de tanger o infinito. O universo inteiro cabe no som de um violão.

No violão cabem Bach e Tom Jobim, Villa-Lobos e Chopin. No violão cabem as nossas dores e as nossas alegrias.

A nossa partilha e a nossa solidão cabem no violão.
 
Um dia eu quis tocar violão. Este instrumento tem uma maneira de dizer as coisas que as palavras não conseguem. Isso foi há muito tempo.

Não esperava tornar-me um Andrés Segovia ou um Baden Powell, como de fato não aconteceu. Dedilhei o pinho como quem encosta a ponta dos dedos numa estrela distante.

Vivi momentos de felicidade ao dedilhar as seis cordas. Mas tinha pouca desenvoltura.

Percebi que teria mais encanto em ouvir do que em tocar. O amor pelo instrumento, porém, nunca se perdeu.

Nos últimos tempos tenho ouvido os violões de Villa-Lobos, Joaquín Rodrigo, Mario Castelnuovo Tedesco, Segovia, Baden, Paco de Lucía, entre outros.

Mas hoje quero falar de um músico que conheci através de um disco que comprei no mês passado. Trata-se de Estudos e outras idéias, do ano de 2005, com 16 músicas de autoria de Ulisses Rocha.

Nascido no Rio de Janeiro em 1960, tornou-se um virtuose do violão. Faz apresentações no Brasil e no mundo. É professor da Faculdade de Música da Unicamp desde 1990.
 
Ulisses Rocha é um violonista e compositor de grandes recursos.

A sintaxe da frase musical, como a de um poema, é feita de sentimento e técnica. De silêncios e pequenas eternidades harmônicas. É isso que eu espero de um músico e de um poeta. Foi esse apuro em construção que encontrei no trabalho deste artista.

O disco de Ulisses Rocha é um presente para a alma sensível. Ilusão e Rumores, por exemplo, são duas obras-primas do violonista que estão no disco. Mas há outras.

Se você gosta da arte do violão, eis aí um belo momento de talento e musicalidade.