terça-feira, 10 de setembro de 2013

Vênus e Lua: um flerte no céu

Jorge Adelar Finatto 

photo: j.finatto. 8/9/2013


A Lua crescente mais parecia um sorriso no céu. Uma casquinha flutuando nas escuras alturas. Um pouco mais acima, à direita, o planeta Vênus na forma de um ponto luminoso. Para o observador, ambos desciam em direção à linha do horizonte, a oeste, devido ao movimento de rotação da Terra sobre si mesma. Uma visão e tanto.
 
Isso aconteceu no domingo. Estava no escritório no início da noite e achei muito bonito aquele envolvimento astronômico entre nosso satélite natural e o planeta azul brilhante. O fenômeno não é comum de acontecer (não me lembro quando o assisti aqui nos Campos de Cima do Esquecimento, se é que isso ocorreu alguma vez). Fiz as fotografias.

photo: j.finatto. 8/9/2013
 
Em determinado instante do flerte entre os astros, Vênus se escondeu atrás do luminoso sorriso da companheira. Depois tornou a aparecer na parte inferior da Lua. Enquanto isso, bem lá no alto estava o planeta Saturno e, abaixo de todos, Mercúrio.
 
Uma conjunção rara como essa faz a gente se sentir testemunha de algo maior e belo. Por essas e outras, costumo olhar para o céu à espreita de maravilhas. E não é que acontecem?

photo: j.finatto. idem
   

domingo, 8 de setembro de 2013

O manuscrito de Borges

Jorge Adelar Finatto
 
fonte: AFP
 
A semana reservava uma boa notícia para os admiradores da obra de Jorge Luis Borges (1899-1986). Na quinta-feira (5/9), a Biblioteca Nacional da Argentina anunciou que foi encontrado um manuscrito do escritor argentino entre as páginas da revista literária Sur, edição de fevereiro de 1944, num exemplar que pertenceu ao autor. O achado ocorreu no depósito da hemeroteca da biblioteca.
 
Trata-se do último parágrafo que Borges acrescentou ao conto Tema do traidor e do herói (Tema del traidor y del héroe), que estava publicado na referida revista sem este trecho. O manuscrito de poucas linhas foi feito numa folha de papel timbrado da biblioteca. Pouco tempo depois, o conto foi publicado acrescido com este parágrafo no livro Ficções (Ficciones), editado em 1944.
 
A descoberta resulta do trabalho realizado pelo Programa de pesquisa e busca de registros borgeanos da Biblioteca Nacional, que rastreia livros que foram manuseados por Borges durante os anos em que foi diretor da instituição, entre 1955 e 1973. O mestre costumava fazer anotações nas margens das publicações. A procura também se estende a outros volumes que pertenceram a ele e que estão na biblioteca, como no caso deste exemplar da Sur encontrado no depósito.
 
O diretor cultural da BN, Ezequiel Grimson, destacou que este é o primeiro manuscrito importante de Borges sob a custódia do Estado argentino, uma vez que todos os outros foram vendidos para o exterior ou se encontram em poder de particulares. 
 
Já o diretor da biblioteca, Horacio González, informou que o manuscrito será oportunamente exibido ao público.

photo de Jorge Luis Borges.
fonte: Fundación Internacional Jorge Luis Borges
 
Para os devotos de Borges, entre os quais me incluo, é uma felicidade o achado deste vestígio do mestre. O que pode parecer pouco para alguns, para os iniciados na obra do escritor é um pequeno tesouro.

Lembro que, um ano após assumir o cargo de diretor da Biblioteca Nacional da Argentina (1955), por determinação médica, Borges não pôde mais ler nem escrever.

A nuvem da cegueira invadia sua existência. Uma ironia para quem passou a vida no meio dos livros e teve nas bibliotecas seu ambiente natural. O pai do escritor, Jorge Guillermo, ficara cego ainda mais jovem do que o filho, interrompendo uma sonhada carreira de escritor.

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Borges e a névoa do tempo:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/03/jorge-luis-borges-e-nevoa-do-tempo.html
 

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Não escrevemos o primeiro verso

Jorge Adelar Finatto 

photo: j.finatto


Não escrevemos o primeiro verso
há tudo por ser dito
mas sou teimoso
insisto no jogo

quando desanimares pensa em mim
que não abandonei as ferramentas

que não dei um verso para a eternidade
 

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Do livro Claridade, edição Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Editora Movimento, 1983.
 

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

É preciso aprender a voar (e eu não sou pássaro)

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto

 
Passei horas atrás de uma palavra para compor a abertura de um texto de saudação à iminente primavera. Alguma coisa que fizesse o leitor sentir que vale a pena perder um pouco de seu tempo. As companhias.
 
Não é tarefa fácil a luta pela expressão. Começa dentro de nós e se expande em direção ao mundo. É lida interna e externa. Cada palavra é conquistada gota a gota, dor a dor. Não existem facilidades nem privilégios. Antes fosse assunto só de dicionários.
 
É preciso aprender a voar e eu não sou pássaro. Tem que rasgar as pedras em busca de ar e água pura.
 
Fotografar é uma atividade menos tensa e extenuante que escrever, ao menos pra mim. Escrever é visceral, lago sem superfície. As fotos eu faço com mais leveza. Talvez porque fotografar é ao ar livre, durante caminhadas geralmente.

photo: j.finatto

A imagem é, essencialmente, luz e superfície. E a boa foto é aquela que consegue trazer à tona o sentimento que emana do objeto.
 
Impossível não perceber a chegada da primavera, diz meu coração amador. Ela avança em silêncio entre sombras e últimos frios de inverno. De direito, começa no dia 22 de setembro próximo, mas, de fato, já anuncia seus sinais. Estão no perfume de algumas flores, no movimento agitado das aves, na aceleração das seivas.

Os brotos tenros apontam nos galhos.
 
Se a natureza revive e avança, o coração deve ir com ela. É urgente olhar as coisas como da primeira vez, tentar voar.  Se não for assim, que pelo menos ande perto de nós um pouco de luz e paz, quem sabe uma alegria dessas simples, que quando acontecem salvam o dia. 
 

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A casa de Federico García Lorca em Granada

Jorge Adelar Finatto

 
photo: j.finatto. Sierra Nevada, Espanha

A viagem de trem de Sevilha a Granada dura cerca de três horas. Quando nos aproximamos da cidade, surge na janela a visão de Sierra Nevada, um quadro maravilhoso.

Viajar de trem é uma das belezas desta vida. No tempo de menino, lembro dos percursos entre Porto Alegre e Caxias do Sul. O trem subia a serra lentamente, à beira de córregos e pinheirais, contornando abismos. Havia aqui e ali uma cascata se derramando na encosta de uma montanha.

 
photo: j.finatto. Casa-Museu FGL, Granada
 
(Infelizmente, o transporte ferroviário foi extinto em nosso país a partir da década de 1950, com a implantação da indústria automobilística e a expansão de setores da economia ligados ao transporte rodoviário. Um erro colossal. Um país com as dimensões do Brasil sem uma rede de trens de passageiros e de cargas é algo inconcebível. O pouco que existe é absolutamente insuficiente. Por conta disso, estradas saturadas e mal conservadas levam a milhares de mortos todos os anos em virtude de acidentes, sem falar nas pessoas que ficam com sérias sequelas físicas. Embora com atraso, o governo federal retoma (dizem) o investimento nos caminhos de ferro.)

 
photo: j.finatto

Casa-Museu Federico García Lorca
photo do poeta: Fundación Federico García Lorca

A noite tornou-se íntima
como uma pequena praça.
(Romance Sonâmbulo)

Volto à Espanha. Ao chegar à Granada, a atenciosa taxista informou-me onde se situa a casa em que Federico García Lorca (1898-1936), uma das minhas devoções literárias, viveu por largos períodos de sua vida. Instalei-me o mais rápido que pude no hotel e fui a pé em direção ao parque que leva o nome do poeta, no qual se situa a Casa-Museu Federico García Lorca. A bela propriedade conserva o nome original, Huerta de San Vicente (homenagem à mãe do escritor, Vicenta). A área do Parque García Lorca é formada por terrenos que pertenceram à família do poeta.

 
photo: j.finatto
 
A casa está localizada a cerca de um quilômetro e meio da região central de Granada. O pai de Lorca adquiriu-a para ser residência de verão (a família tinha outro domicílio no centro da cidade). Foi ocupada pelos Lorca entre 1926 e 1936. Nela o poeta escreveu algumas de suas obras mais importantes. Ali passou os dias que antecederam sua prisão e assassinato, em agosto de 1936, no início da Guerra Civil Espanhola.

Huerta de San Vicente acolheu muitas reuniões e saraus frequentados por artistas e intelectuais. Os dois pavimentos abrigam diversos móveis daquela época, além de quadros e outras obras de arte. Há também manuscritos de Lorca em exposição. Nas paredes, quadros de pintores como Salvador Dali (amigo do poeta), entre outros.

Na sala do piano, apresentaram-se músicos como o próprio Federico (tocava violão e piano) e o também espanhol Manuel de Falla (1876 - 1946), grande compositor, amigo do escritor que tentou em vão impedir seu assassinato.

 
photo: j.finatto. O quarto de Lorca

O quarto do poeta, no qual escreveu parte significativa de seus textos, no pavimento superior, ainda conserva sua escrivaninha e objetos pessoais.

Não é permitido fotografar no interior da casa-museu, que pertence ao município desde 1985. A visita é guiada. O preço varia entre 3 euros (mais ou menos 9 reais) para adultos e 1 euro, havendo também ingressos gratuitos para estudantes e nas quartas-feiras.

 
photo: j.finatto
 
Numa sala anexa à casa, há exposição e venda de livros e de objetos relacionados ao poeta andaluz.
 
Um lugar acolhedor com pátio florido, árvores e bancos para sentar. Bom para ler, respirar e pensar, em meio à fragrância do roseiral que cerca a casa. Um lugar que faz lembrar a força terrível, desumana e avassaladora do fascismo que ceifou, sem qualquer razão além do ódio injustificado, a vida de Lorca.

 
photo: j.finatto

Neste lugar de memória, história e arte, parece que a qualquer momento vamos escutar a risada do poeta, sua fala e seu violão gitano.

Alguém, em Granada, perguntou o que, afinal, me levou àquela cidade. Ora, respondi, vim para visitar o poeta Federico em sua amada casa. E para ler seus poemas neste jardim de silêncio.

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Leia mais sobre Federico García Lorca:

A memória em busca do poeta:
 
 
Texto publicado originalmente em 12 de janeiro, 2012.
 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

É dura a vida de pássaro

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto

Nesses dias de frio, chuva, neblina e neve (às vezes esses fenômenos ocorrem num mesmo dia em Passo dos Ausentes), os pássaros encontram dificuldade em se alimentar. Parece que a oferta de alimentos na natureza diminui para eles (ou a possibilidade de acesso torna-se mais difícil). Este é um conhecimento empírico que tenho do assunto.
 
Quando a última neve caiu (entre segunda e terça passadas), coloquei os potes com banana na sacada do escritório sobre a neve que se acumulava numa espessura de três a quatro centímetros. Fiz isso depois que vi um passarinho na árvore diante da janela com todo aquele frio. Não demorou muito, vários vieram comer (como fazem todos os dias), pisando na borda dos potes.

photo: j.finatto

Me impressionou a quantidade de passarinhos que se chegaram, mesmo com tempo tão adverso. Renovei três vezes a porção de bananas durante o dia. Estavam mais famintos do que o normal. Talvez o frio excessivo.

Aqui ainda tem verde, espaço pra voar, fazer ninhos e criar os filhotes.
 
photo: j.finatto

Nas grandes cidades, porém, a vida das aves passa por imensas dificuldades. No ambiente hostil, a sobrevivência delas é tarefa muito complicada.
 
Onde vão achar árvores para construir suas casas? Onde vão buscar o alimento? E a fumaça e barulheira dos veículos (sim, as aves escutam), e os paredões dos edifícios?

 É dura a vida de pássaro.
 
Quando o ambiente que o homem constrói (?) se deteriora e já não é capaz de acolher esses seres, estamos perdendo espécies viventes e nos matando.
 
Quando estou em Porto Alegre, tenho a sensação de estar num lugar cada vez mais triste e sem perspectiva. O movimento ambientalista, que um dia foi forte entre nós, definhou. A força do dinheiro tomou conta de todos os setores da vida. A indiferença e a maldade venceram embrulhadas em bonitos pacotes de promessas falsas. 
 
Existe uma praça perto de onde tenho casa, em Porto Alegre, em que alguém ou alguéns fez ou fizeram um recanto para alimentar os passarinhos. Naquele lugar colocam frutas. É um pequeno gesto de resistência que revela consciência e solidariedade.

photo: j.finatto

Não sei se isso será suficiente, na verdade acho que não será. Mas quem age dessa forma cultiva algo mais do que retórica ecológica, e semeia esperança.

Num outro recanto da praça, é comum a presença da marmanjos tomando chimarrão e fumando maconha. Uma mistura de tradição com vontade de voar talvez. O cheiro é insuportável e, desses pássaros, eu passo o mais longe que posso.

photo: j.finatto
 
Agora estou em Passo dos Ausentes. Os pássaros se alimentam.  Pulam nos galhos próximos, vêm até os potes, comem em paz, regressam às árvores. Faz uma sexta-feira de quase primavera. Tenho o encanto de ouvi-los cantar. Um cálido concerto a céu aberto. No que me concerne, esse é um momento que merece ser vivido. 
 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O tecido da neve

Jorge Adelar Finatto
 
De manhã, a paisagem ficou assim.
  
photo: j.finatto. 27.8.2013

 
photo: j.finatto.

 
photo: j.finatto


photo: j.finatto. Eta vida difícil.


photo: j.finatto


photo: j.finatto