segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O morto-vivo

Jorge Finatto

photo: jfinatto


UM FANTASMA que lê, escreve, caminha invisível pela estrada de terra na encosta escorregadia da montanha.

Aquele que morreu e anda por aí, que teima em acordar, tomar banho, trabalhar, comer, dormir, ter pesadelo, ir ao cinema, ler jornal e livro, beber café.
 
O que espera pelo próximo livro de Guillermo Cabrera Infante, que infelizmente não virá mais.
 
Uma assombração que passa em silêncio em direção à mesa de trabalho e o trabalho é uma expansão de solidão entre nuvens.
 
O morto-vivo, coração pulsante, que resiste escrever o próprio epitáfio.
 
Viver lhe parece pouco, irmão leitor? Querias taça de champanha com uvas graúdas em mesa de toalha de linho, sob pérgula, no jardim das delícias?
 
O meio-vivo, meio-morto, no claro-escuro, ternura impossível, esta cidade gemente.
 
Há um boneco de ventríloco sentado na sua esquerda perna, anotando algaravias que ele pensa e já sonha, quando imagina que ainda vive.