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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Há quem não goste de Lupicínio

                                                              Carlos Alberto de Souza
 
Lupicínio Rodrigues*
 
O Brasil reverencia a maravilhosa obra de Lupicínio Rodrigues em meio às comemorações de cem anos de nascimento do compositor gaúcho. Em Porto Alegre, entre outras atrações, o público aplaudiu "Lúpi, o musical - uma vida em estado de paixão" e "Vingança, o musical", encenado por um grupo de São Paulo.
As homenagens extrapolaram os palcos e também alcançaram as artes plásticas, com a Exposição de Arte Postal – As Músicas do Lúpi. TVs e rádios locais e nacionais exibiram programas com nomes de peso da MPB cantando as canções de Lupicínio.
Não faltaram elogios à qualidade da obra do "boêmio", como ele mais gostava de ser tratado, em reportagens de jornais, revistas e sites. Para simbolizar o que muitos disseram sobre Lúpi pode-se recorrer a uma declaração do compositor e cantor João Bosco no musical O amor deve ser sagrado, transmitido pela TVE, dentro da onda de homenagens ao compositor: “Ele foi um gênio”.
Enfim, estes dias de preito parecem indicar que o poeta nascido na Ilhota (antiga vila em Porto Alegre) conseguiu ser uma unanimidade “federal” - para usar um termo da preferência dele quando queria referir-se a uma dor de cotovelo daquelas que não passam jamais. Engana-se, porém, quem acredita no Lúpi unânime.
Relendo o livro Chega de Saudade – A história e as histórias da Bossa Nova (Companhia das Letras), do incensado jornalista e escritor Ruy Castro, levo um choque à página 132, depois de o autor contar como Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli se conheceram e como os dois “moleques de praia” detestavam samba-canção, bolero e quase tudo da MPB naquele ano de 1956.
Compreensível, tratando-se de dois jovens da zona sul carioca ávidos por criar e inovar e sedentos por outra sonoridade. Castro menciona o samba-canção Bar da noite e o bolero Suicídio, cujos autores e intérpretes não são citados, como monumentos ao mau gosto.
O problema vem agora. Castro, no livro escrito em 1990, diz que “aquilo ainda não era o pior”, pois “havia também as horrendas letras de Lupicínio Rodrigues, como a de ‘Vingança’, com o seu ódio à mulher”. E ele reproduz os seguintes versos de Vingança: “Enquanto houver força em meu peito/Eu não quero mais nada/Só vingança, vingança, vingança aos santos clamar/Ela há de rolar como as pedras que rolam na estrada/Sem ter nunca um cantinho de seu/Pra poder descansar”.
Para Castro - li pasmado -, Lupicínio era dono de um “mau gosto de tango”.
Claro que o Castro não é obrigado a gostar de Lúpi. Mas é estranho alguém entendido do riscado classificar de “horrendos” versos consagrados como os citados por ele de uma das tantas obras-primas de Lúpi. Acusar Lupicínio de odiar as mulheres é de uma estupidez inacreditável.
Na minha modestíssima opinião, trata-se de uma mancada federal de Castro, impressa em um bom livro de sua autoria. Lê-la não me deu dor de cotovelo e sim um mal-estar, que tento afastar com essas linhas.
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Carlos Alberto de Souza é jornalista em Porto Alegre.
smcsouza@uol.com.br

*O crédito da foto será dado quando conhecido o seu autor.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O último boêmio de Porto Alegre

Carlos Alberto de Souza
 
Darcy Alves
 

O último boêmio de Porto Alegre repousa às margens do Atlântico, em Capão da Canoa. Já faz algum tempo que o professor Darcy Alves, virtuose do violão e dono de voz rebuscada nas velhas canções, teve de abandonar os bares da Cidade Baixa, a Lapa porto-alegrense.

Longe das noitadas em que encantava os mais velhos e os jovens admiradores da música de seresta, ele recupera-se de um percalço de saúde na Clínica Geriátrica Melhor Idade. “Hoje não tem show”, brincou ao telefone quando do outro lado da linha eu disse que era um admirador querendo saber do ídolo. 
As informações da atendente são animadoras. Desde que chegou à clínica, o professor tem melhorado progressivamente. Sua esposa também está morando na cidade litorânea, além dos dois filhos, um deles médico neurologista, especialidade que tem a ver com o estado de saúde do pai. O velho boêmio, agora compulsoriamente afastado do cigarro e da bebida, está bem assistido. E recomeça a dedilhar o violão e cantar, para a alegria de todos na casa de repouso.
A cuca do professor está boa. Perguntei-lhe se lembrava de Emerson Rosa, meu tio, excelente saxofonista, que tocou com ele em algumas ocasiões, acompanhando Lupicínio Rodrigues e também homenageando postumamente o grande compositor, em um espetáculo histórico. “Claro, o Emerson, meu amigo”, disse o professor. Certa vez, quando se apresentava no bar São Jorge e o Dragão, mostrou-me um álbum com fotos de sua carreira.

Além de Lupi, acompanhou Alcides Gonçalves, outro expoente da velha boêmia porto-alegrense, Beth Carvalho, Ângela Maria, Sílvio Caldas, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Francisco Egídio, Jamelão e Altamiro Carrilho, entre outros.

A noite de Porto Alegre segue viva, com mais bares do que no passado. Certamente, abrigam legiões de boêmios resistentes. Mas não têm o mesmo encanto sem o violão, a voz e a presença do professor Darcy Alves. Ele foi o último boêmio da cidade. E assim deve entrar para a história.  
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Carlos Alberto de Souza é jornalista em Porto Alegre.

smcsouza@uol.com.br


O crédito da foto será dado tão logo conhecido o autor.