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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Encher o saco de Deus

Jorge Finatto

photo: jfinatto
 
Senhor
tende piedade de Vós
que nos criastes*
                        Heitor Saldanha

 
AS BARBARIDADES que o ser humano faz todos os dias contra os semelhantes (?). Seremos nós um ato falho da criação? Fico pensando nessas coisas que me perseguem desde os tempos do Dilúvio.

Está escrito em Gênesis 6: 5-8: "Por conseguinte, Jeová viu que a maldade do homem era abundante na terra e que toda inclinação dos pensamentos do seu coração era só má, todo o tempo. E Jeová deplorou ter feito os homens na terra e sentiu-se magoado no coração.

"De modo que Jeová disse: "Vou obliterar da superfície do solo os homens que criei, desde o homem até o animal doméstico, até o animal movente e até  a criatura voadora dos céus, porque deveras deploro tê-los feito." Mas Noé achou favor aos olhos de Jeová."

O Dilúvio veio, chovendo durante quarenta dias e quarenta noites, e destruiu tudo, salvo Noé, sua família e os animais que levou junto na famosa arca. A vida recomeçou.

A solidão e a tristeza de Deus me comovem. Não se sentirá Ele muito sozinho, sem ter com quem conversar, em tempos de tanta maldade e incompreensões como agora? Terá o Criador alguém com quem desabafar nas horas difíceis?
 
Estou me referindo àqueles dias em que Ele olha para a Terra e assiste ao deplorável espetáculo que continua sendo apresentado por homens e mulheres.

Como se sente um Pai ao ver os filhos nos descaminhos da perversidade e do sofrimento, sem falar na solene indiferença ao outro? Deve ser profundamente doloroso.

Por isso gosto muito do poema de Heitor Saldanha em epígrafe, que bem resume essa perplexidade. Um texto dilacerante, dos mais belos já escritos por um poeta.
 
Espero que Deus perdoe a minha intromissão em seus assuntos de foro íntimo. Ainda mais partindo de um grão de areia como eu.

O pensamento é o parque de diversões de filósofos, poetas e outros seres inúteis. Essa gente que passa os dias obstinada em encher o saco de Deus como se o Criador não tivesse mais o que fazer.

Eu aqui nessa puta solidão cósmica a querer falar da solidão do Todo Poderoso. Tem gente que não se enxerga.
 
__________
*A Hora Evarista, Heitor Saldanha. Poema Oração do mortal, p. 49. Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1974.

 

terça-feira, 21 de abril de 2015

O designer do universo

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto


Escrevi há alguns dias sobre a estranha flor que apareceu no meu quintal (essa aí da foto). Me causou intensa impressão estética. Um achado.

No encanto polifônico que me provocou, cheguei a pensar tivesse caído de uma estrela.
 
Nos dias que se seguiram, descobri que é uma flor muito nossa: nada mais, nada menos, do que a querida flor de maracujá. Era uma flor comum na minha infância. Agora anda sumida.

Como pude esquecê-la?

O tempo e o duro presente estarão apagando em mim a memória das coisas belas? Estarão secando as fontes das ternas lembranças?

Onde andará o som alegre do riacho atravessando as manhãs?

Estarei com lapsos típicos de tiozinho? Ah, não, não permita Deus.

Espero que o Grande Designer do Universo mantenha acesas as lanternas que alumiam as recordações no sótão da memória. Peço também que renove as seivas e as esperanças, e releve meus esquecimentos. E continue plantando suas raras flores no meu quintal. 
 

domingo, 27 de julho de 2014

O pintor do pôr-do-sol

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto
 
Quantos lápis de cor são necessários pra pintar o pôr-do-sol?

Não tenho idéia. Mas uma coisa eu sei: que há uma grande arte nas mãos de quem o faz, lá isso há. Tamanho engenho, arte tamanha.

Estava pelo entardecer quando olhei em direção às montanhas. Aqueles traços e cores me invadiram o coração.

Na ilusão - sempre ela - de aprisionar aquele efêmero instante de luz e forma, peguei a velha Coruja e fui até a varanda do escritório fotografar. O caçador de imagens em busca de novas e urgentes revelações do Grande Artista.

O sol caía atrás das nuvens. Os últimos pássaros retornavam aos ninhos.

A breve hora do adeus de mais um dia.


photo: jfinatto


As imagens, sem qualquer retoque, aí estão.

O mérito de tanta beleza é de quem inventou o cenário e pinta diariamente as cores do crepúsculo. Um artista caprichoso e único.

Em todos os finais de tarde ele senta-se diante da tela com seus lápis, régua, compasso, esquadro, pincéis e tintas e constrói as linhas e as cores de mais um pôr-do-sol.

O Grande Artista distribui sua arte amorosamente para quem quiser e souber ver, pobres e ricos, felizes e infelizes, bons e maus.

Observadores fugazes e privilegiados, a inefável pintura penetra fundo nosso espírito, nos sentimos parte de algo maior e mais belo. Salve o Grande Artista!

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Texto revisto, publicado em 19 de dezembro, 2012. 

quinta-feira, 17 de julho de 2014

O postigo de Deus

Jorge Adelar Finatto

Contraforte dos Capuchinhos. photo: j.finatto


As manhãs amadurecem no coração da treva.
 
Como pode alguém tão pequeno querer voar tão longe, sonhar tão alto?

Em meio a portulanos e cartapácios, Claudionor, o Anacoreta, alimenta o sonho.

A quimera do grande encontro o habita.
 
Ah, as horas passadas entre os livros na caverna, no Contraforte dos Capuchinhos. A cela espiritual onde ele se retira em torno da vetusta mesa, viajando nas páginas, no telescópio, na bruma de estrelas.
 
Ah, as travessias desoladas através do invisível. Os altos vôos onde ele se queda a duvidar.
 
As místicas visões o perseguem desde menino nestes Campos de Cima do Esquecimento.

A mirada do infinito saber, a vertigem do pensar, a busca da unidade com o cosmos. Não ser apenas mais um estrangeiro no universo.

Os mistérios do vir-a-ser. O terrível peso do aqui e agora. As fomes do corpo.

Um dia - Claudionor bem sabe - a face de Deus iluminará o postigo e ele então irá embora da caverna para a casa dEle. Então tudo o mais será pó de luz iluminando a estrada.

Por enquanto, o trevamundo. Escuridão a galope pelo mundo. Coração pulsando no oblívio.

Urgentes prosopopéias o ajudam a povoar o silêncio, a construir o neblinoso itinerário.

Ah, as solitárias caminhadas pela Rua do Farelo, em Passo dos Ausentes.

Prisioneiro do efêmero, Claudionor se lança na antieternidade do instante fugaz.

____________
Claudionor, o Anacoreta, é místico e astrônomo amador. Vive numa caverna no Contraforte dos Capuchinhos, em Passo dos Ausentes.
Texto revisto, publicado antes em 09 de março, 2011.
 

sábado, 22 de março de 2014

A solidão de Deus

Jorge Adelar Finatto
 

photo: j.finatto


A solidão do bar
onde há pouco conversamos
a solidão do quarto de pensão
e do corpo
não é diferente
da solidão de Deus

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Poema do livro Viveiro, Edições Sanguinovo, São Paulo, 1981. Prefácio de Heitor Saldanha.
 

sábado, 7 de dezembro de 2013

Fanicos e farfalhas

Jorge Adelar Finatto

photo: Wikipédia. Autor: Jon Sullivan
  


Quem viu alguma vez uma joaninha caminhando na página de um livro ou sobre uma folha verde sabe do que estou falando. É talvez o acontecimento mais importante do universo.

Nenhuma literatura e nenhuma filosofia do mundo valem os passos da joaninha.

Só que pouca gente percebe o engenho e a arte por trás da  construção da frágil joaninha.

Existem muitos outros assuntos importantes para se tratar, está bem. Um blog a sério não devia ignorar isso. Tudo bem.
 
O fato, contudo, é que me encanto com os farelos do mundo, com a coisa pouca ou nenhuma, como um raio de sol na janela. As coisas pequenas me atraem, me cativam, me elevam. As outras me enfadam, quando não revoltam.

Encontro beleza e claridade nos fanicos da existência.

Tudo que é breve e pequeno se parece com ser humano e com estar vivo e ser transitório, e isso me interessa sobretudo.

Os verdadeiros e últimos sentidos habitam além das aparências, é assim que eu vejo. E o que eu mais enxergo, quando penso profundamente na vida, é a pequenina joaninha. Talvez tudo isso não passe de mais um dos meus notórios enganos.
 
O mundo silencioso das migalhas me é, por isso, muito caro e diz muito mais sobre o que nós somos - ou o que sou eu, ao menos - do que um tratado ontológico.
 
Quando se perde a palavra, é como se perdêssemos a vida. Deus nos livre e guarde.
 
Na arte, ao menos, podemos voar, sonhar um pouco, levitar acima dos mausoléus e crematórios existenciais.

Mas sei também que ninguém pode viver entre as nuvens.

Deve haver um caminho de passagem entre as farfalhas da biblioteca e a copa das estrelas; entre a imensidão da Via Láctea e os passos humildes da joaninha.

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photo de joaninha: fonte: Wikipédia. Autor: Jon Sullivan (PD-PDphoto.org]
Texto revisto, publicado antes em 25/11/2012.  

domingo, 9 de junho de 2013

O postigo de Deus

Jorge Adelar Finatto 

photo: j.finatto

 
As manhãs amadurecem no coração da treva.
 
Como pode alguém tão pequeno querer voar tão longe, sonhar tão alto?

Em meio a portulanos e cartapácios, Claudionor, o Anacoreta, alimenta o sonho.

A quimera do grande encontro o habita.
 
Ah, as horas passadas entre os livros na caverna, no Contraforte dos Capuchinhos. A cela espiritual onde ele se retira em torno da vetusta mesa, viajando nas páginas, no telescópio, na bruma de estrelas.
 
Ah, as travessias desoladas pelo invisível. Os altos vôos onde ele se queda a duvidar.
 
As místicas visões o perseguem desde menino nestes Campos de Cima do Esquecimento.

A mirada do infinito saber, a vertigem do pensar, a busca da unidade com o cosmos. Não ser apenas mais um estrangeiro no universo.

Os mistérios do vir-a-ser. O terrível peso do aqui e agora. As fomes do corpo.

Um dia - Claudionor bem sabe - a face de Deus iluminará o postigo e ele então  irá embora da caverna para a casa dEle. Então tudo o mais será pó de luz iluminando a estrada.

Por enquanto, o trevamundo. Escuridão a galope pelo mundo. Coração pulsando no oblívio.

Urgentes prosopopéias o ajudam a povoar o silêncio, a construir o neblinoso itinerário.

Ah, as solitárias caminhadas pela Rua do Farelo, em Passo dos Ausentes.

Prisioneiro do efêmero, Claudionor se lança na antieternidade do instante fugaz.

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Claudionor, o Anacoreta, é místico e astrônomo amador. Vive numa caverna no Contraforte dos Capuchinhos, em Passo dos Ausentes
Texto revisto, publicado antes em 09 de março, 2011.