Lorenzo Finatto
Promotor de Justiça Marcelo Küfner |
Em 14 de maio último,
me deparei com a nota da página 33 do jornal Zero Hora: “10 anos de falecimento
de Marcelo Dario Muñoz Küfner”. Lembro quando recebi a notícia da morte do
querido professor, estava em uma aula de Direito de Família, no último semestre
da faculdade de Direito da PUC-RS. A professora entrou e contou para a turma o
que havia acontecido naquela madrugada.
A notícia triste e atordoante deixou a
todos abatidos e perplexos naquela manhã, especialmente os que, como eu, haviam
sido alunos do professor Marcelo Küfner na cadeira de Direito Internacional
Público.
Eu tinha 18 anos na
época e me chamava atenção o estilo do mestre, a maneira humana como
ministrava as suas aulas. Um tipo físico árabe, era muito talentoso ao abordar os temas
de Direito Internacional - fascinantes, aliás. As colegas não ficavam
indiferentes, seguidamente Marcelo estava rodeado delas, tratando-as com
respeito e atenção, o que certamente as encantava mais ainda.
Era o tipo de pessoa
que quando começava a falar todos paravam para escutar. Apesar de jovem,
tinha muito conteúdo e vivências interessantes. Não era uma pessoa afetada, que se
considerasse superior aos demais. Sua liderança era natural e meritória.
Muitas histórias
giravam em torno do professor. Recordo de uma segundo a qual, quando ainda mais
moço, ele havia vendido o seu automóvel – um fusca – para ajudar a custear uma
viagem pela Europa. Eu nunca soube ao certo da veracidade desta e de outras
histórias que eram contadas a seu respeito. Mas acredito nelas, pois combinam
com seu charme e com o carisma incomum que possuía. Com a pessoa humana que
ele era.
Durante uma
apresentação de grupos, de repente o mestre perguntou no meu ouvido:
- Em qual quartel você
está servindo?
Me causou surpresa a
pergunta, pois eu não havia falado nada a respeito. Obviamente, meu corte
mínimo de cabelo denunciava minha condição de aluno do CPOR. Penso que o professor deva ter
servido ao Exército também, pois falou brevemente do assunto, como quem conhecesse
a realidade da caserna.
Nos anos seguintes, soube
que ele havia deixado de dar aulas na faculdade e que estava estudando para o
concurso de Promotor de Justiça, no qual foi depois aprovado. Eu acompanhava a vida do
mestre à distância, como um admirador que não teve oportunidade de encontrá-lo
e dizer o quanto ele era merecedor de tudo o que havia conquistado. E quantas conquistas
não haveria ainda de obter!
Ele tomou posse no
cargo e, novo na carreira, numa noite ficou até
altas horas no prédio do Ministério Público, organizando os processos, tomando
pé da situação – era mesmo trabalhador. Quando, então, percebeu um
acidente de automóvel. Foi averiguar. O motorista era policial
militar (que, ao que parece, apresentava sinais de embriaguez). Marcelo acionou
a polícia, e o assassino, mesmo já estando cercado por outros policiais
militares que atendiam a ocorrência no local, sacou a arma e atirou no
Promotor. Uma desgraça. Uma tragédia sem explicação.*
Somos um país
extremamente violento, as estatísticas mostram isso. Por vezes nos sentimos
pessoas que a qualquer momento podem virar um número na estatística.
Marcelo Küfner tem hoje
um prêmio de Direitos Humanos do Ministério Público do Estado do Rio Grande do
Sul que leva o seu nome, “Prêmio de Direitos Humanos Marcelo Küfner”:
Criado em 2005, tem o objetivo de homenagear e
conceder visibilidade a ações valorosas na área da promoção de direitos
humanos, em especial, em atividades destinadas a reduzir a violência na cidade
e no campo, e diminuir as desigualdades sociais em comunidades particularmente
atingidas pela violência. (http://www.amprs.org.br/index.php/a-AMP/RS/responsabilidade-social/premio-marcelo-kufner/premio-de-direitos-humanos-marcelo-kufner)
Há também edifícios e
auditórios do Ministério Público estadual que levam o seu nome, bem como uma rua em Porto Alegre. Justas homenagens.
Há 10 anos, quando
recebi a notícia triste, eu pouco sabia da vida e menos ainda da morte. A respeito da morte, por sinal, pouco
posso dizer pra confortar alguém. Para mim ela é tão inaceitável quanto inevitável.
Mas não podia ser da forma como aconteceu.
Penso, porém, que se há
alguma coisa que sirva de consolo diante da morte, ao menos nesse sistema em que vivemos, esta é a
boa e afetuosa lembrança que nossa pessoa possa deixar nos outros. E é esta a
lembrança que tenho do professor Marcelo e quero dividi-la com todos.
Queria ter escrito este
texto há mais tempo. O Marcelo foi uma dessas pessoas que passam por nós e
deixam ensinamento e saudade.
Fica, então, esta
singela mas sincera homenagem. Ao mestre Marcelo Küfner, com carinho.
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* O réu, submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, foi condenado a 20 anos de prisão e teve decretada a perda do cargo público.
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* O réu, submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, foi condenado a 20 anos de prisão e teve decretada a perda do cargo público.