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terça-feira, 8 de setembro de 2020
sábado, 13 de junho de 2020
São estranhos esses dias
Jorge Finatto
Os dias dentro de casaphoto: jfinatto. Canela |
São estranhos esses dias
de portas fechadas
janelas pensativas
A peste corre feroz
à solta no burgo.
Um cenário da Idade Média
trancados pra fugir do bicho ruim
passam à velocidade da luz
e são ao mesmo tempo
longos e intermináveis
Lá pelas tantas
tudo parece um dia só
quando se vê
foi-se uma semana, um mês, três meses
Os sabiás andam calados
as aves de mau agouro
ocupam o palco
com uma bruta saudade
de um pouco de leveza
em meio à barbárie desses dias
__________
Trechos de Saudade de Vera Cruz, 17 de maio, 2020.
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sábado, 31 de dezembro de 2016
A luz do novo tempo
Jorge Finatto
![]() |
photo: Clara Finatto, Ipanema, Rio de Janeiro |
AS IMAGENS de Clara Finatto nos remetem a um momento de rara beleza e emoção neste último dia do ano. As fotos são da praia de Ipanema no Rio de Janeiro. As pessoas estão reunidas olhando o pôr do Sol. Ao fundo, à direita, o Morro Dois Irmãos.
Clara conta que os admiradores aplaudem quando o Sol se põe. O mesmo fazem quando ele nasce lá longe sobre o mar, na linha do horizonte.
O tempo leva tudo pela frente. Passa como o vento e não pede passagem. Atropela, arrasta a pobre criatura. Um ano não significa nada na vida de uma estrela, de uma montanha como Dois Irmãos. Mas na vida de um efêmero ser humano faz muita diferença. O que isso quer dizer? Que cada dia é um tesouro que não deve ser desperdiçado.
Olhando as imagens que a Clarinha colheu, percebo que a vida e o mundo são belos demais. Devemos agradecer sempre a oportunidade que nos foi dada.
Desejo a todos bons motivos para aplaudir o dia que se vai e o dia que nasce. Que cada um colha o que semeou em 2017. E que consigamos não levar tudo tão a sério. O riso é uma arma poderosa contra o desespero e o niilismo. Que possamos rir mais, apesar de tudo.
Que haja mais justiça na distribuição do pão, da alegria, do amor, do bem-estar, dos bens materiais. Que todos tenham tempo para viver. E possam refazer a semeadura, caso tenham errado a mão.
Que Deus nos dê saúde para enfrentar os dias difíceis, para aproveitar os de júbilo, para repensar nossas prioridades. Possamos enxergar, ouvir e tentar entender as razões do outro (quando mais não seja, porque somos o outro do outro).
Luz pra todos.
Clara conta que os admiradores aplaudem quando o Sol se põe. O mesmo fazem quando ele nasce lá longe sobre o mar, na linha do horizonte.
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photo: Clara Finatto. Morro Dois Irmãos, Rio de Janeiro |
O tempo leva tudo pela frente. Passa como o vento e não pede passagem. Atropela, arrasta a pobre criatura. Um ano não significa nada na vida de uma estrela, de uma montanha como Dois Irmãos. Mas na vida de um efêmero ser humano faz muita diferença. O que isso quer dizer? Que cada dia é um tesouro que não deve ser desperdiçado.
Olhando as imagens que a Clarinha colheu, percebo que a vida e o mundo são belos demais. Devemos agradecer sempre a oportunidade que nos foi dada.
Desejo a todos bons motivos para aplaudir o dia que se vai e o dia que nasce. Que cada um colha o que semeou em 2017. E que consigamos não levar tudo tão a sério. O riso é uma arma poderosa contra o desespero e o niilismo. Que possamos rir mais, apesar de tudo.
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photo: Clara Finatto, Ipanema, RJ |
Que haja mais justiça na distribuição do pão, da alegria, do amor, do bem-estar, dos bens materiais. Que todos tenham tempo para viver. E possam refazer a semeadura, caso tenham errado a mão.
Que Deus nos dê saúde para enfrentar os dias difíceis, para aproveitar os de júbilo, para repensar nossas prioridades. Possamos enxergar, ouvir e tentar entender as razões do outro (quando mais não seja, porque somos o outro do outro).
Luz pra todos.
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*Viaje alrededor del tiempo:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/12/viaje-alrededor-del-tiempo.html
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sábado, 29 de outubro de 2016
O tempo à beira do arroio
SESSENTA VELAS ao vento no meu velho barco, sessenta cidades, sessenta despedidas, sessenta portulanos, sessenta astrolábios, sessenta esperas, sessenta remorsos, sessenta naufrágios, sessenta silêncios, sessenta encontros, sessenta novembros no baú do tempo.
Lembro o arroio que passava atrás da casa lá da infância. Corria à margem da horta e do quintal. Entre mim e o arroio, as alfaces, os pintos, os pinheiros e as roupas no varal . Entre mim e o arroio, a cálida intimidade de amigos de infância, o mundo inteiro pela frente.
As águas vinham do interior profundo da terra. Nasciam em algum remanso dentro da mata, limpas, frescas. Vinham alegres, vinham cantando pelos caminhos sinuosos.
Um dia entrei no meu barco de papel e segui com o arroio em direção ao mar. Depois, bem, tudo veio depois. Mas a casa e o arroio ficaram lá, com os seres amados, guardados num lugar secreto do meu coração onde nenhuma tempestade pode entrar.
Lembro o arroio que passava atrás da casa lá da infância. Corria à margem da horta e do quintal. Entre mim e o arroio, as alfaces, os pintos, os pinheiros e as roupas no varal . Entre mim e o arroio, a cálida intimidade de amigos de infância, o mundo inteiro pela frente.
As águas vinham do interior profundo da terra. Nasciam em algum remanso dentro da mata, limpas, frescas. Vinham alegres, vinham cantando pelos caminhos sinuosos.
Um dia entrei no meu barco de papel e segui com o arroio em direção ao mar. Depois, bem, tudo veio depois. Mas a casa e o arroio ficaram lá, com os seres amados, guardados num lugar secreto do meu coração onde nenhuma tempestade pode entrar.
quarta-feira, 28 de setembro de 2016
A guardiã da alma e do tempo
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
A máquina de escrever é a verdadeira máquina do tempo.*
Guillermo Cabrera Infante
Contigo aprendi a escutar a chuva.
Foi o que fiz, Maria, ontem, na madrugada de insônia. E me lembrei das tardes antigas em que, no inverno, me contavas histórias na velha casa de madeira e eu adormecia ouvindo a tua voz misturada à voz do vento.
No fundo do pátio, entre os plátanos, passava o arroio, levando o céu e as nuvens no seu espelho, fazendo rumor sobre os seixos, conversando com os canteiros da horta.
O arroio rompia desde o interior verde da mata e levava mundo afora meus barcos de papel e as folhas das árvores.
Nas águas claras a nossa vida se refletia, misturada ao azul do infinito e à cor luminosa dos peixes.
O mundo era cálido e suave como ninho de passarinho.
No fundo do pátio, entre os plátanos, passava o arroio, levando o céu e as nuvens no seu espelho, fazendo rumor sobre os seixos, conversando com os canteiros da horta.
O arroio rompia desde o interior verde da mata e levava mundo afora meus barcos de papel e as folhas das árvores.
Nas águas claras a nossa vida se refletia, misturada ao azul do infinito e à cor luminosa dos peixes.
O mundo era cálido e suave como ninho de passarinho.
A casa se enchia com aroma de cravo, mel, açúcar queimado e canela. Quando acordava, sobre a mesa da cozinha estavam os doces que tinhas feito.
Nunca houve um mundo mais terno do que aquele que construíste ao meu redor. Nem existiu abraço mais consolador e verdadeiro ao teu menino.
Tecias com tuas mãos delicadas o ofício de guardiã do tempo e da minha alma.
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* A Ninfa Inconstante, Guillermo Cabrera Infante, p. 16. Coleção Literatura Ibero-Americana, Folha de São Paulo, 2012.
Texto revisto, publicado no blog, pela primeira vez, em 25 de agosto, 2012.
sexta-feira, 9 de setembro de 2016
quinta-feira, 17 de dezembro de 2015
A fera escondida
Jorge Adelar Finatto
Os dias escapam sem trégua. Passam como o vento entre as folhas do calendário.
O tempo é água escorrendo de um balde cheio de furos, foge por todos os lados e buracos. Sai pelos ouvidos, olhos, narinas, barba, memória.
O tempo é água escorrendo de um balde cheio de furos, foge por todos os lados e buracos. Sai pelos ouvidos, olhos, narinas, barba, memória.
O tempo é a fera escondida na penumbra da nossa passagem. Ataca em silêncio e sem pena. É preciso aprisionar o tempo numa alta torre e jogar a chave no fundo do poço. Quem há de?
O tempo é um devorador insaciável de dias, meses, anos, corações. Leva de cambulhada nosso ser e nosso sangue. Suga feito um verme invisível e nefasta é sua sede.
A vida é um doce que a gente vai comendo pelas beiradas do prato, devagarinho, já sentindo tristeza, porque sabe que vai acabar. É a melhor iguaria que alguém inventou.
A vida é um doce que a gente vai comendo pelas beiradas do prato, devagarinho, já sentindo tristeza, porque sabe que vai acabar. É a melhor iguaria que alguém inventou.
Procurei no Aurélio a definição do tempo para, conhecendo-o melhor, poder dominá-lo e, quem sabe, desligar todos os seus relógios e silenciar os miseráveis tic-tacs.
Diz o verbete: Do latim tempus. A sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc., que envolve, para o homem, a noção de presente, passado e futuro.
Diz o verbete: Do latim tempus. A sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc., que envolve, para o homem, a noção de presente, passado e futuro.
Palavras, só palavras. Que podem diante do moinho perverso das horas? A natureza do tempo permanece mistério. O que sei é que é carnívoro.
Será quimera, será sombra, o tempo? Será um sonho que alguém sonha? Seremos personagens que um autor criou numa hora de fastio diante do eterno?
Que relógio mede o tempo do tempo? Que porcaria é essa?
Que grande desperdício de vida, que hora medonha entre nascimento e morte. Quem tem a chave do umbigo deste abismo? Palavra, palavras, que podem, que podemos?
O tempo corrói tudo. Não tem dó. Não tá nem aí. É fábrica de despedidas.
Ferida aberta sob o sol. Nunca cicatriza.
___________
Basta a cada dia o seu próprio mal.
Mateus 6:34
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
O senhor do tempo e seu labirinto
Jorge Adelar Finatto
![]() |
o crédito da foto será dado quando conhecido o seu autor |
De antigo senhor das horas, o meu velho relógio tornou-se vítima do tempo e hoje sofre com longos intervalos de ausência.
É um relógio que me acompanha desde o século passado. É um objeto austero e simples. Não existem outros como ele à venda. É um dos últimos exemplares vivos de sua geração, se não for o último.
Registrou com precisão a passagem do tempo durante muitos e muitos anos. Esse mesmo tempo agora volta-se contra ele.
O calendário numérico funciona às vezes, e o escrito perdeu-se na bruma das horas. Esquece em que dia da semana estamos, não sabe bem se é segunda, sábado ou domingo, não distingue passado e presente e o futuro simplesmente não existe.
A passagem das horas confunde-lhe o mecanismo e, por vezes, ele pára sem saber o que fazer, como alguém que perdeu a memória, de repente, na esquina de uma cidade estrangeira.
A passagem das horas confunde-lhe o mecanismo e, por vezes, ele pára sem saber o que fazer, como alguém que perdeu a memória, de repente, na esquina de uma cidade estrangeira.
Em suma, o relógio que sempre me guiou, na mata sombria dos dias, precisa agora ser guiado. Já não é mais quem era. Mas eu também não sou mais quem fui e nem por isso vou me atirar no lixo.
Não tenho coragem de separar-me dele. Jamais o faria e me recuso a falar sequer no assunto. Contudo, sem que ele soubesse, tive outros relógios, mais funcionais e modernos. Nenhum, porém, conseguiu substituí-lo no meu afeto.
Toda vez que abria a gaveta, encontrava-o calado, sem nada reclamar, olhando as paredes internas do cubículo de madeira. Ao perceber minha presença, olhava-me nos olhos como quem se coloca à disposição para o trabalho e a luta. Um companheiro valente e digno.
Resgatei-o do labirinto em que foi viver.
Resgatei-o do labirinto em que foi viver.
Se ele é hoje apenas a lembrança do relógio que foi um dia, por outro lado não posso negar-lhe reconhecimento pelos serviços prestados. Além disso, atravessamos momentos difíceis juntos, vivemos muitas situações complicadas e dolorosas nessa vida, coisas que atormentam o pensamento e queimam o coração. E, às vezes, fomos felizes também.
Carregar o tempo nas entranhas, sem medo, como ele sempre fez, segundo a segundo, ano após ano, de forma incansável, num giro interminável e monótono, é ofício dos piores.
Mandei-o à oficina algumas vezes, mas não resolveu o problema. Decidi poupá-lo das internações inúteis no hospital dos relógios, pois observei que esse tipo de ambiente o magoa, pelo ar de tristeza com que retorna a casa.
Não sou mais escravo do tempo. Eu faço o que quero do meu tempo. (Por favor, raro leitor, não se iluda: essa disponibilidade é tão sedutora quanto terrível.)
Trago o velho relógio no pulso outra vez. Faço-lhe ajustes manuais com esmero e delicadeza. Quando é necessário, em razão de compromissos e viagens longas, levo um outro, no bolso ou na mala, sem que ele perceba. E assim tocamos a nossa vida.
________
Texto revisto, publicado antes em 21 de abril, 2013.
terça-feira, 6 de maio de 2014
Quem seca um rio?
Jorge Adelar Finatto
jfinatto@terra.com.br
jfinatto@terra.com.br
A lágrima escorreu, borrou a paisagem. O tempo das despedidas. Ele tinha seis anos e não estava preparado pra ir embora de Passo dos Ausentes.
A serra é azul e o menino é feliz.
Limpou o vidro da janela com a manga do casaco.
A serra é azul e o menino é feliz.
Limpou o vidro da janela com a manga do casaco.
O trem começou a caminhar, lenta, lentamente, sobre os trilhos de prata. A estação ficou pra trás, os plátanos, a torre da igreja, os amigos, a casa, a vidinha.
O avô acenou na gare diante do vagão. Mais triste que a noite sem fim que se aproximava.
O rumor do vento nas folhas do pinheiro não dá pra esquecer.
A cidadezinha desapareceu.
O avô acenou na gare diante do vagão. Mais triste que a noite sem fim que se aproximava.
O rumor do vento nas folhas do pinheiro não dá pra esquecer.
A cidadezinha desapareceu.
Ele tirou os óculos (já usava as lentes de fundo de garrafa) e secou os olhos. Mas os olhos não secaram. Quem seca um rio?
O sol caía atrás dos flocos rosados de nuvens do outro lado das montanhas. Uma espécie de calabouço sem nenhuma fresta de claridade se inaugurava dentro de seu peito.
O sol caía atrás dos flocos rosados de nuvens do outro lado das montanhas. Uma espécie de calabouço sem nenhuma fresta de claridade se inaugurava dentro de seu peito.
O menino desapareceu naquele fim de tarde dentro do trem noturno. Os olhos não secaram. Quem seca um rio? Chorou em silêncio até adormecer. Sumiu na paisagem rumo ao profundo, frio e traiçoeiro caleidoscópio da cidade grande.
A vida nunca mais seria a mesma.
No entanto, a vida estava apenas começando. Cinqüenta anos depois, ele recorda aquela tarde-noite irreparável nos Campos de Cima do Esquecimento. Mas nesse momento está a salvo ao lado dos amigos, no Café dos Ausentes, na estação de trem abandonada.
Estão todos ouvindo o bandoneón de Juan Niebla na tarde de outono com suas inumeráveis cores.
A velha casa de madeira está outra vez habitada por ele, suas recordações e a família que construiu. Os fantasmas conversam, jogam xadrez e bebem café preto sem açúcar no sótão.
Ali na vetusta estação de trem, com os amigos no café, ele descobre que a memória é sua Arca de Noé. Nela o mundo do menino está a salvo do desaparecimento.
As lentes de fundo de garrafa só têm olhos para a Estação Esperança, na transparência da tarde de outono.
A vida nunca mais seria a mesma.
No entanto, a vida estava apenas começando. Cinqüenta anos depois, ele recorda aquela tarde-noite irreparável nos Campos de Cima do Esquecimento. Mas nesse momento está a salvo ao lado dos amigos, no Café dos Ausentes, na estação de trem abandonada.
Estão todos ouvindo o bandoneón de Juan Niebla na tarde de outono com suas inumeráveis cores.
A velha casa de madeira está outra vez habitada por ele, suas recordações e a família que construiu. Os fantasmas conversam, jogam xadrez e bebem café preto sem açúcar no sótão.
Ali na vetusta estação de trem, com os amigos no café, ele descobre que a memória é sua Arca de Noé. Nela o mundo do menino está a salvo do desaparecimento.
As lentes de fundo de garrafa só têm olhos para a Estação Esperança, na transparência da tarde de outono.
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