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domingo, 13 de novembro de 2016

O hotelzinho de Rilke e Goethe

Jorge Finatto

Castelo de Muzot. photo: jfinatto
 
Olhai, as árvores são; as casas que habitamos, resistem. Somente nós passamos (...) 
 fragmento da Segunda Elegia. Rainer Maria Rilke ¹


NA CIDADEZINHA DE SIERRE, sul da Suíça, no Cantão  do Valais, hospedei-me num pequeno hotel 3 estrelas. Perto da estação de trem, tem comida caseira regional e bom vinho. O imóvel é do século XVIII e, segundo seus registros, recebeu no passado, como hóspedes, Goethe (1749 - 1832) e Rilke (1875 - 1926), dois grandes da literatura de língua alemã.
 
O Hôtel de la Poste passou por reformas ao longo do tempo, claro. É simples, caprichoso e as pessoas são acolhedoras. Ocupei um quarto no segundo andar, imaginando se Rilke ou Goethe teriam ficado nele alguma vez. Será que escreveram na mesinha junto da janela, atrás da cortina cor-de-rosa?

Enquanto me acomodava, a neve tecia caminhos de úmido algodão lá fora.

Hôtel de la Poste.Sierre.  photo: jfinatto
 
vista do quarto. Sierre. photo: jfinatto

A razão de minha visita à pícola cidade, cercada pelo maciço rochoso coberto de neve dos Alpes, era percorrer os passos de Rilke em seus últimos cinco anos de vida. Na região de Sierre terminou de escrever as Elegias de Duíno, iniciadas na Itália em 1912. E verteu para o francês parte de seus poemas, além de outras criações e de cultivar a extensa correspondência.
 
Rilke em Muzot. photo: Fundação Rilke²

Entre 1921 e 1926, viveu no castelo de Muzot, emprestado por alguém da aristocracia local. O imóvel situa-se mais exatamente na pequena e calma localidade de Veyras, ao lado de Sierre. Nele escreveu e recebeu muitas cartas, fez poemas, traduziu, conviveu, amou, planejou viagens, foi feliz e chorou  em silêncio sentado no banco sob a parreira do quintal.

Muzot pouco lembra um castelo, não é grande nem suntuoso. Trata-se na verdade de uma construção que lembra uma torre. Não se pode entrar no local, pois é propriedade particular. Não sei se possui objetos do poeta, não há informações a respeito. Mas o fantasma de Rilke deve perambular por seus espelhos.  
 
Em Muzot compôs o poema-epitáfio. E mandou construir seu túmulo ao lado da igrejinha que costumava freqüentar, em Rarogne, a cerca de 30 quilômetros de Sierre, engastada na encosta alpina, depois que se descobriu com leucemia, na época incurável.

Aquele lugar tinha para Rilke um sentido místico. Situado sobre uma colina, com ampla visão dos alpes a leste e oeste, a passagem do rio Ródano no meio dos vales, nos remete ao sagrado. Há algo nesta paisagem que não se explica. Uma visão mágica que inspira um forte sentimento de transcendência..

Igreja de Rarogne, ao lado da qual está enterrado Rilke. photo: jfinatto


túmulo de Rilke. Rarogne. photo: jfinatto
 
A cidade de Sierre, na qual cultivou relações, mostra interesse pela memória do poeta, a começar pela Fundação Rilke ali existente. Numa livraria, porém, os livreiros mal conheciam seu nome, o que me causou certo espanto. Talvez por ser um devoto da poesia rilkeana esperava mais. Encontrei poucos livros dele na estante, comprei seu poemas franceses.

Já escrevi no blog sobre como descobri seu túmulo solitário e coberto de neve e da emoção que senti ao ler o famoso epitáfio inscrito na rósea e gelada pedra tumular.³

epitáfio do poeta. photo: jfinatto

Rosa, ó pura contradição,
volúpia,
de ser o sono de ninguém
sob tantas
pálpebras. 4

Caminhei ao léu nas ruas solitárias e geladas de Sierre. Admirei da estrada o castelo de Muzot com seu quintal, a parreira e o banco.

Memórias de um poeta que me acompanha desde a adolescência, a quem sempre serei grato pelas lições de vida e poesia em seus livros. Cartas a um jovem poeta é um dos grande livros já produzidos pelo homem em todos os tempos. O poeta genial, humilde e cordial que nunca se cansou de desvelar os mistérios de nossa passagem pelo mundo.

_____________  

¹ Elegias de Duíno. Rainer Maria Rilke. Tradução e comentários de Dora Ferreira da Silva. Edição bilíngüe alemão-português. Editora Globo, São Paulo, 2001.

² Fundação Rilke:
  http://fondationrilke.ch/la-fondation/

³ O epitáfio de Rilke:
 http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/12/o-epitafio-de-rilke.html

4 Tradução de Manuel Bandeira, em sua Antologia Poética, Livraria José Olympio Editora, 7ª edição, Rio de Janeiro, 1974.
 

sábado, 13 de dezembro de 2014

O epitáfio de Rilke

Jorge Adelar Finatto
 
túmulo de Rilke. Rarogne, Suíça. photo: jfinatto
 
Concluí ontem os Estudos Rilkeanos, em Sierre e arredores, na Suíça, cátedra que eu mesmo criei e da qual sou, até o momento, e provavelmente serei no futuro, o único aluno.

Pela tarde, com a neve cobrindo os tênis, depois de descer do trem vindo de Sierre, andava eu no pequeno cemitério da cidadezinha de Rarogne, na frente da igreja, atrás do túmulo e do famoso epitáfio do poeta. Rilke (1875-1926) foi sepultado em 02 de janeiro de 1927 ao lado da igreja e não entre os outros túmulos, por sua própria escolha (morreu em 29 de dezembro de 1926 numa clínica em Valmont, cercanias de Montreux).
 
Velha igreja de Rarogne, Suíça, ao lado da qual Rilke está enterrado
photos: j.finatto, 27.01.2014

O poeta tomou todas as providências relacionadas com sua morte, para a qual se preparava fazia algum tempo, porque sofria de leucemia, doença, naquela época, fatal, ao contrário de hoje.

Ele gostava muito de estar na velha igreja silenciosa situada na encosta dos Alpes em Rarogne. Amava o ar e a luz daquele ambiente. Determinou que o túmulo ficaria ao lado da igreja, com uma deslumbrante mirada dos alpes e dos vales a seus pés.

Na frente da igreja está o cemiteriozinho. O lugar se localiza a cerca de 400, 500 metros acima dos telhados. Lá se chega por uma estrada íngreme, a pique, entre casas perdidas no tempo.
 
Túmulo de Rilke. photo: j.finatto
 
Por duas ou três vezes escorreguei e quase fui ao chão entre as sepulturas. Desnecessário dizer que não havia mais ninguém na rua naquela hora, salvo um ou outro vulto, tal o frio e a neve que doía na cara. Mas Deus é pai e protegeu esse pobre cristão do pior, que podia ser cair lá de cima.
 
A capela e o cemitério estão bem no alto e, ainda assim, não ficam nem perto da metade do caminho até o topo das montanhas que se erguem em ambos os lados do vale, na cordilheira que vai ao infinito. Os Alpes, mais ou menos como o Contraforte dos Capuchinhos em Passo dos Ausentes, não têm fim...
 
photo: j.finatto
 
Em Rarogne se fala o alemão e depois o francês. Eu não encontrava o túmulo, não havia jeito. Não tinha ninguém, aparentemente, na igreja e nem na casinha ao lado que pudesse dar uma informação. Li e não entendi o mapa fixado na parede. O cérebro naquela altura estava congelando com o resto do corpo. Até que surgiu uma criatura pela estrada montanha abaixo. Saí do cemitério e fui em sua direção.
 
photo: j.finatto
 
O bom homem se assustou ao constatar que eu saíra das catacumbas. Fiz sinal para que se acalmasse, eu ainda era um ser vivente. Conseguiu entender o que eu queria e, num francês com forte acento germânico, me indicou onde estava o túmulo, isolado, ao lado da igreja.
 
Enfim, está aí o registro, com o epitáfio-poema belíssimo e misterioso.
 
Epitáfio de Rilke. photo: j.finatto
 
Rosa, ó pura contradição,
volúpia,
de ser o sono de ninguém
sob tantas
pálpebras.*

Do muito que vi e aprendi nesses dias rilkeanos compartilharei oportunamente com os leitores.

____________

*Tradução de Manuel Bandeira, em sua Antologia Poética, Livraria José Olympio Editora, 7ª edição, Rio de Janeiro, 1974.
O poeta Rilke e o menino: um encontro:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/01/o-poeta-rilke-e-o-menino-um-encontro.html
Rilke na gelada e pacata Sierre:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/01/rilke-na-gelada-e-pacata-sierre.html
 
Texto publicado em 28 de janeiro, 2014. 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Estudos Rilkeanos (o epitáfio de Rilke)

Jorge Adelar Finatto 
 
Velha igreja de Rarogne, Suíça, ao lado da qual Rilke está enterrado
photo: j.finatto, 27.01.2014
 
 
Concluí ontem os Estudos Rilkeanos, em Sierre e arredores, Suíça, cátedra que eu mesmo criei e da qual sou, até o momento, o único aluno. 

Pela tarde, com a neve cobrindo os tênis, andava eu no pequeno cemitério da cidadezinha da Rarogne (perto de Sierre), na frente da igreja, atrás do túmulo e do famoso epitáfio do poeta. Rilke foi sepultado em 02 de janeiro de 1927 ao lado da igreja e não entre os outros túmulos,  por sua própria escolha (morreu em 29 de dezembro de 1926 numa clínica em Valmont, cercanias de Montreux).
 
O poeta tomou todas as providências relacionadas com sua morte, para a qual se preparava porque sofria de leucemia, doença, naquela época, fatal, ao contrário de hoje. Ele gostava muito da velha igreja silenciosa situada na encosta dos Alpes em Rorogne, do ar e da luz daquele ambiente. Na frente está o cemiteriozinho. O lugar se localiza a cerca de 400, 500 metros acima dos telhados, lá se chega através de uma estrada íngreme, a pique, entre casas perdidas no tempo.
 
Túmulo de Rilke. photo: j.finatto
 
Por duas ou três vezes quase fui ao chão entre as sepulturas. Desnecessário dizer que não havia mais ninguém na rua naquela hora, salvo um ou outro vulto, tal o frio e a neve que doía na cara. Mas Deus é pai e protegeu esse pobre cristão do pior, que podia ser cair lá de cima.
 
A capela e o cemitério estão bem no alto e, ainda assim, não ficam nem perto da metade do caminho até o topo das montanhas que se erguem em ambos os lados do vale, na cordilheira que vai ao infinito. Os Alpes, mais ou menos como o Contraforte dos Capuchinhos em Passo dos Ausentes, não têm fim...
 
photo: j.finatto
 
Em Rarogne se fala o alemão e depois o francês. Eu não encontrava o túmulo, não havia jeito. Não tinha ninguém, aparentemente, na igreja e nem na casa ao lado que pudesse dar uma informação. Li e não entendi o mapa fixado na parede. O cérebro naquela altura estava congelando com o resto do corpo. Até que surgiu uma criatura pela estrada montanha abaixo. Saí do cemitério e fui em sua direção.
 
photo: j.finatto
 
O bom homem se assustou ao constatar que eu saíra das catacumbas. Fiz sinal para que se acalmasse, eu ainda era um vivente. Conseguiu entender o que eu queria e, num francês com forte acento germânico, me indicou onde estava o túmulo, isolado, ao lado da igreja.
 
Enfim, está aí o registro, com o epitáfio-poema belíssimo e misterioso.
 
Epitáfio de Rilke. photo: j.finatto
 
Rosa, ó pura contradição,
                           volúpia,
de ser o sono de ninguém
                       sob tantas
pálpebras.*
 
Do muito que vi e aprendi nesses dias rilkeanos compartilharei oportunamente com os leitores.

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*Tradução de Manuel Bandeira, em sua Antologia Poética, Livraria José Olympio Editora, 7ª edição, Rio de Janeiro, 1974.

O poeta Rilke e o menino: um encontro:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/01/o-poeta-rilke-e-o-menino-um-encontro.html