Jorge Finatto
Lugano, Suíça. photo: jfinatto |
Os tempos, raro leitor, exigem de nós uma filosofia pé no chão. Os desígnios e propósitos das coisas, o ser-no-mundo, as cores cambiantes da aurora boreal, a origem kantiana dos ponteiros do relógio, todas essas coisas, e muitas mais, têm agora de esperar.
Faz um ano que nossas existências foram interrompidas.
Já não perguntamos se há vida depois da morte, não questionamos as páginas do invisível tentando desvendar de onde viemos, para onde vamos. Não.
As especulações ficaram, por ora, suspensas sobre a corda bamba por onde se move o trêmulo funâmbulo.
A existência precede a essência, disse Jean-Paul Sartre. Pois que seja. Comme ci, comme ça.
A indagação que se coloca, de forma inarredável, é uma só: saber se estaremos vivos amanhã.
O mais são velhas divagações daqueles distraídos dias de antes da peste. O luxo da especulação filosófica deu lugar à inadiável e urgente luta para manter-se vivo. Esperando por vacinas que tardam no interior de frios e distantes laboratórios.
A duríssima realidade, que a doença estabeleceu sem meio-termo, adiou a vida de todos, e exterminou a de muitos. Só restaram o medo, a dor, e a impostergável necessidade de recomeçar.
Queremos nossas vidas de volta. De preferência com alguns anos de acréscimo ao final para compensar o tempo perdido e o sofrimento. Viver de novo é a expressão inscrita em relevo em todas as mentes e corações.
Quantas vidas mais a morte levará até esse tempo chegar?
Não haverá nessas tolas palavras uma espécie de filosofia de arrabalde que resiste à intempérie, no limite entre O ser e o Nada, entre a vida que é e seu generoso oposto, que é o que pretendemos fazer com ela depois?