Jorge Adelar Finatto
O balão é vermelho e tem forma de coração.
A tarde cai vertical e fria em Passo dos Ausentes. O solitário voo do balão é um convite à evasão da realidade. Não sei como ele apareceu aqui nos Campos de Cima do Esquecimento. Talvez tenha se perdido no itinerário do vento. O fato é que sua breve aparição no céu da cidade foi um grande acontecimento. Os habitantes saíram para as ruas em alvoroço, apontando para o objeto que passava lentamente sobre os telhados. Os meninos correram pela estrada afora atrás dele.
Quem sai a voar num balão vermelho, numa segunda-feira de junho, início de inverno? Quem será o destemido navegante que decidiu entrar no cesto do aerostato e ir pelo espaço sem pressa, deixando embaixo os medos, a falta de tempo e de ternura, as angústias e tragédias da vida? De onde virá a força que o faz navegar entre as nuvens, fugindo dos mil nadas que aprisionam a existência?
Desliza no ar gelado, entre o azul e o branco . A bagagem do viajante são as palavras e a memória. Lá em cima, está livre da violência, do tédio e da mesquinharia. O navegante rasga o azul e vai para um lugar onde ninguém poderá encontrá-lo. A viagem de balão é um modo de postergar o absurdo cotidiano, um jeito de não enlouquecer.
Enquanto o viajante flutua no cesto, a frágil nave se distancia para além das montanhas. Deriva em direção à noite. Perco-a de vista. Os meninos voltam para suas casas. A cidade aos poucos volta ao normal. Lá longe desaparece o balão vermelho, levando com ele os delicados fios de que são tecidos nossos sonhos .
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Foto: J.Finatto