quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Ruminante claro

Jorge Adelar Finatto


Deus me deu esse dia. Me dei a tarde de presente e saí por aí. Nunca vi tão rara composição de cores. A cidade nessa época é um quadro impressionista. Olho as coisas aqui debaixo, tristeza de não ser pássaro. É o que se vê:  luminosa aquarela: verdes, azuis, vermelhos dialogam com rosas, amarelos, brancos, ocres. No itinerário de colinas entre os bairros Moinhos de Vento e Bela Vista, há muita ladeira pra vencer. Jacarandás nas calçadas, buganvílias nos muros. Hibiscos, sim, hibiscos. Do bosque de um desmoronado casarão, escuto velhas conversas de fim de tarde, sob  a invisível pérgula. Os ausentes bebem suco de fruta há pouco colhida. Não vou falar agora do excesso de carros na rua,  do ruído, da fumaça, da fúria dos motoristas. Ninguém vai atropelar esse momento. Prossigo. Lilases flores caídas brilham no chão. Sou parte da aquarela da tarde que declina e nunca mais voltará. Habito o interior dessa misteriosa obra de arte. Do meu jeito: lento, ruminante, claro.
 
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Foto: J.Finatto