quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Viver com medo

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto


Um empresário português do ramo de restaurantes contou-me, em Lisboa, que viveu durante 20 anos no Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro com apenas um dólar, ficou pouco tempo em casa de parentes e em seguida começou a trabalhar no setor de panificação, num bairro carioca da zona sul. Trabalhou duro, acabou construindo sua própria empresa. Progrediu, constituiu família, sentia-se feliz.
 
Um dia bandidos entraram no seu estabelecimento, encostaram o revólver na sua cabeça, ameaçaram matá-lo e levaram todo o dinheiro. Disseram-lhe para não fazer alarde do roubo, pois conheciam bem a ele, a mulher e os filhos. Coisas piores poderiam acontecer.

Naquele dia tomou a decisão de ir embora do Brasil. Disse-me que não poderia viver com medo. Hoje é proprietário de um bom restaurante na Praça do Comércio, à beira do Tejo, que freqüento quando estou em Lisboa.
 
- Não existe coisa mais terrível do que viver com medo. Jamais poderia me adaptar a uma situação como essa. Preferi deixar tudo para trás, recomeçar do zero.
 
Entendo o que ele sentiu. Nas grandes cidades brasileiras, e mesmo nas médias, vive-se com medo. A violência está fora de controle. Latrocínios, assassinatos, roubos, furtos, estelionatos, tráfico de drogas, maus-tratos, etc., acontecem a todo momento. Pra não falar da criminalidade no trânsito com grande número de vítimas fatais e mutilados.*
 
Vivemos com medo no Brasil. Experimente sair à noite pelas ruas de Porto Alegre e ficará surpreso ao ver que pouca gente ocupa os espaços públicos, como parques, praças, calçadas, passeios (falamos de uma cidade com 1 milhão e 400 mil habitantes). Motivo: medo do bandido, do assalto, do tiro, do estupro, de ser mais uma vítima. Falei à noite, mas de dia a preocupação com a violência também é constante.

O que faz com que os criminosos ajam com tanta desenvoltura? Eles contam com a impunidade, sabem que têm muitas chances de que nada lhes aconteça. O índice de responsabilização penal é muito baixo entre nós.
 
As autoridades policiais trabalham no limite de suas forças, com muito pouca estrutura, pouco pessoal, pouco investimento. Os criminosos contam com  isso. As investigações recaem sobre os delitos mais graves. Daí que muitas pessoas simplesmente não registram as violências que sofrem, porque sabem que dificilmente serão apuradas. Há desta forma um buraco na estatística da criminalidade.
 
Os magistrados que atuam na área penal convivem com a absurda situação dos estabelecimentos penais superlotados, que não oferecem condições mínimas de encarceramento e ressocialização. Porto Alegre tem hoje o maior e pior presídio do Brasil, o Central, com mais de 4 mil presos onde caberiam no máximo 2 mil.

As péssimas condições já foram denunciadas à Corte Interamericana de Direitos Humanos, tribunal da Organização dos Estados Americanos, que está cobrando ações práticas das autoridades. Encarceramento em condições sub-humanas só gera mais violência, mais crimes e mais desumanização.
 
Os governantes conhecem os problemas. No entanto, o que fazem para alterar este cenário - quando fazem - é muito pouco. A realidade não muda, pelo contrário, se reproduz.

Teremos neste ano a Copa do Mundo de Futebol e o ambiente é este. Estão havendo gastos públicos exorbitantes para este evento que é um luxo que o Brasil não poderia se dar. E logo depois, em 2016, vêm os Jogos Olímpicos, outra aventura que vai custar muito caro.

Enquanto isso faltam recursos para obras essenciais em serviços de saúde, segurança, educação, transportes, moradia, infraestrutura e por aí vai. 
 
É necessário lucidez e um grande esforço para transformar esse triste panorama. E tudo começa na cabeça e no sentimento das pessoas.

Padecemos no paraíso, raro leitor. Num estado e num país de imensas possibilidades humanas e naturais. Mas precisamos estar à altura desse patrimônio. 

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*Dados oficiais divulgados pelo Governo do Estado na terça-feira, 18/02, revelam que em 2013 morreram nas estradas e ruas do Rio Grande do Sul 1984 pessoas, contra 2091 mortes em 2012.