Jorge Adelar Finatto
Habitamos entre nuvens. Os ventos nos açoitam aqui nos Campos de Cima do Esquecimento em sua louca debandada em direção ao sul do continente.
Juan Niebla fez o convite para ouvi-lo tocar seu bandoneón. Estamos agora na estação de trem abandonada de Passo dos Ausentes. O concerto intitula-se Milonga del Ángel, música de Astor Piazzolla, leitmotiv da reunião.
Talvez porque hoje é sábado, e domingo costuma ser um dia agonizante, celebramos a vida escutando músicas que tocam fundo nosso coração.
Niebla é cego, guardião da memória da cidade junto com Don Sigofredo de Alcantis.
Estamos no Café dos Ausentes que é o que restou da velha estação. Fechamos os olhos, sentimos a melodia que emana dos dedos magros e ágeis.
As mãos do cego apalpam o invisível, ressuscitam sonhos e emoções.
Iniciamos a nossa charla após o concerto, como de costume.
Niebla é cego, guardião da memória da cidade junto com Don Sigofredo de Alcantis.
Estamos no Café dos Ausentes que é o que restou da velha estação. Fechamos os olhos, sentimos a melodia que emana dos dedos magros e ágeis.
As mãos do cego apalpam o invisível, ressuscitam sonhos e emoções.
Iniciamos a nossa charla após o concerto, como de costume.
Diz Niebla:
- Imaginem uma cidade espiritual, em que os ancestrais vagueiam em silêncio pelas casas e ruas, vivem nos antigos retratos, nas cartas guardadas no fundo de gavetas, sobrevivem na memória dos poucos que ficaram. Isso é Passo dos Ausentes.
- Para onde nos levam os caminhos entre as estrelas, Juan? - indaga Don Sigofredo, piscando o olho em minha direção.
- Não pense que não percebi a piscadela, quimérico amigo. Nunca duvide das antenas deste velho morcego. Mas já que pergunta, na verdade não sei aonde levam aqueles caminhos. Tu és o filósofo, esforçado tradutor do intangível.
- Sou só um cego numa estação de trem abandonda esperando o comboio fantasma que vai levar-me um dia por trilhos desconhecidos. Por enquanto é música e é fraterno encontro, estamos todos vivos, graças a Deus.
- Também ando pela vida à procura de respostas -, continuou Niebla. - Ouçamos o que nos disse o nunca suficientemente lembrado poeta e filósofo Hölderlin, no seu Fragmento de Hipérion*:
"Interrogo as estrelas e elas permanecem mudas. Interrogo o dia e a noite, mas eles não respondem. De mim mesmo, se me interrogo, entoam apenas sentenças místicas, sonhos sem interpretação".
A solidão é o que mais nos aproxima nessas reuniões. Estamos sós na beira dos penhascos. Caminhamos para o oblívio nesse esquecido fim de mundo.
Acreditamos em anjos, nos consolamos. Entre nuvens.
_______________
* Hipérion ou O Eremita na Grécia. Friedrich Hölderlin. Tradução, notas e apresentação por Marcia Sá Cavalcante Schuback. Forense, Rio de Janeiro, 2012.
Juan Niebla é músico em Passo dos Ausentes. Admitido por concurso público, ocupa o cargo desde 1940, na estação de trem abandonada da cidade. Tem 89 anos, é cego desde os 15.
A cidade perdida: as origens:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/06/cidade-perdida-as-origens.html
- Imaginem uma cidade espiritual, em que os ancestrais vagueiam em silêncio pelas casas e ruas, vivem nos antigos retratos, nas cartas guardadas no fundo de gavetas, sobrevivem na memória dos poucos que ficaram. Isso é Passo dos Ausentes.
- Para onde nos levam os caminhos entre as estrelas, Juan? - indaga Don Sigofredo, piscando o olho em minha direção.
- Não pense que não percebi a piscadela, quimérico amigo. Nunca duvide das antenas deste velho morcego. Mas já que pergunta, na verdade não sei aonde levam aqueles caminhos. Tu és o filósofo, esforçado tradutor do intangível.
- Sou só um cego numa estação de trem abandonda esperando o comboio fantasma que vai levar-me um dia por trilhos desconhecidos. Por enquanto é música e é fraterno encontro, estamos todos vivos, graças a Deus.
- Também ando pela vida à procura de respostas -, continuou Niebla. - Ouçamos o que nos disse o nunca suficientemente lembrado poeta e filósofo Hölderlin, no seu Fragmento de Hipérion*:
"Interrogo as estrelas e elas permanecem mudas. Interrogo o dia e a noite, mas eles não respondem. De mim mesmo, se me interrogo, entoam apenas sentenças místicas, sonhos sem interpretação".
A solidão é o que mais nos aproxima nessas reuniões. Estamos sós na beira dos penhascos. Caminhamos para o oblívio nesse esquecido fim de mundo.
Acreditamos em anjos, nos consolamos. Entre nuvens.
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* Hipérion ou O Eremita na Grécia. Friedrich Hölderlin. Tradução, notas e apresentação por Marcia Sá Cavalcante Schuback. Forense, Rio de Janeiro, 2012.
Juan Niebla é músico em Passo dos Ausentes. Admitido por concurso público, ocupa o cargo desde 1940, na estação de trem abandonada da cidade. Tem 89 anos, é cego desde os 15.
A cidade perdida: as origens:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/06/cidade-perdida-as-origens.html